1. Como se organizou o Colégio neste novo regime de ensino a distância?
Quando suspendemos as atividades letivas e não letivas no dia 10 de março, não havia orientações sobre o modo como o regime de ensino a distância iria ser implementado, pois o Governo apenas viria a decretar o encerramento das escolas na semana seguinte. Nessa altura, já o Colégio tinha definido um modelo. De então para cá, além de termos recebido orientações por parte do Ministério da Educação e de ter sido aprovada legislação para regular esta prática, temos feito, desde dia 16 de março, reuniões semanais de avaliação do nosso modelo, de acordo com as informações recolhidas junto dos alunos, professores e encarregados de educação.
Digo isto para explicar que o modelo foi evoluindo e está agora diferente do que era na sua primeira versão. Ainda que as alterações mais recentes sejam já só de pormenor, o nosso Guia de Ensino a Distância tem sido atualizado todas as semanas. Esta é a principal característica do nosso modelo, que aliás vai ao encontro de um modo de proceder próprio da pedagogia inaciana – a permanente avaliação animada por uma vontade comprometida com a mudança para o que se considerar mais apropriado.
Tendo este princípio da avaliação contínua como orientação estruturante, criámos um horário de trabalho de 35 blocos semanais de 45 minutos, aproximando-nos dos horários presenciais dos alunos, que oscilam entre os 26 e os 35 blocos de 50 minutos semanais. Definimos ainda que estes horários teriam um mínimo de 10 aulas semanais síncronas, garantindo assim uma ligação em direto dos alunos com os colegas e com os professores duas vezes por dia. Os restantes blocos seriam ocupados com tarefas assíncronas. As aulas síncronas dos diferentes ciclos são desencontradas, de modo a que nas famílias com vários filhos seja mais fácil a gestão dos equipamentos informáticos e, quando possível, o acompanhamento das crianças e jovens.
A par das aulas semanais síncronas, os alunos têm momentos semanais em que interagem com educadores através de videoconferência. Estas ligações podem ser, por exemplo, individuais, com o gabinete de psicopedagogia ou com o professor responsável, em pequeno grupo, com um professor para tirar dúvidas, ou para toda a turma, numa disciplina em que se pretenda reforçar as aulas síncronas. Estes momentos, que vão além do mínimo estabelecido, são definidos pelos educadores em função das dinâmicas das turmas e das disponibilidades das famílias, não prejudicando o cumprimento do restante horário. Como instrumento de gestão de todo este processo, usamos a plataforma educativa NEO, que já usávamos como apoio à atividade presencial, pois permite propor aos alunos um conjunto diversificado de tarefas (testes online, grupos de discussão, inquéritos, debates…), e usamos a plataforma Zoom para aulas em videoconferência.
O nosso Guia de Ensino a Distância tem sido atualizado todas as semanas. Esta é a principal característica do nosso modelo, que aliás vai ao encontro de um modo de proceder próprio da pedagogia inaciana – permanente avaliação animada por uma vontade comprometida com a mudança para o que se considerar mais apropriado.
2. Este modelo que o Colégio adotou garante as aprendizagens?
Eu diria que garante as aprendizagens possíveis neste regime de ensino à distância, que são, naturalmente, diferentes das proporcionadas pelo regime presencial. Para os professores, o mais fácil teria sido manter no regime à distância o horário dos alunos, até porque é mais simples dar uma aula em videoconferência do que preparar uma tarefa assíncrona (que não se deve confundir com um mero TPC).
Se tivéssemos seguido esse modelo, bastaria que o professor, à hora marcada, se ligasse através da Zoom, o que permitiria que os alunos acompanhassem as aulas de uma forma aparentemente mais próxima daquilo que é o regime presencial. Mas entendemos – e continuamos a entender – que isso não seria desejável do ponto de vista pedagógico. As orientações do Ministério da Educação deixam claro que deve ser feita uma adaptação da carga horária semanal de cada disciplina, com uma definição de tarefas com um máximo de 20-30 minutos, e a Ordem dos Psicólogos aconselha a que se mantenha o foco nas aprendizagens essenciais e se dê mais importância à consolidação de aprendizagens anteriores do que a avançar com novos conteúdos. Ainda que tenhamos mantido aproximadamente o mesmo número de blocos de aulas, o processo de ensino neste regime é mais lento e deixou de ser complementado com outros trabalhos (os TPC), pois o modelo está pensado para ocupar os alunos apenas no período definido no calendário.
É muito importante perceber que os tempos da escola não são os tempos de casa e que, por esse motivo, se deve observar esta redução do currículo. Esta visão de um regime menos intenso ganha força se o enquadrarmos na extensão do ano letivo até 26 de junho. Pode parecer pouco, mas estamos a falar de mais duas semanas efetivas de aulas e de uma total ausência de interrupções para atividades curriculares ou não curriculares, como visitas de estudo, atividades das turmas, da Pastoral, Festa das Famílias, convívios de final de ano, etc. Nesta perspetiva, não são apenas duas semanas. Os alunos vão estar bastante mais tempo com atividades letivas, pelo que, na verdade, poderá nem sequer existir uma verdadeira redução do currículo.
É muito importante perceber que os tempos da escola não são os tempos de casa e que, por esse motivo, se deve observar esta redução do currículo.
Quanto às aulas em videoconferência, pode haver o entendimento de que as aprendizagens estejam a ser hipotecadas porque o aluno, em rigor, está menos tempo com o professor. Todavia, durante as aulas presenciais, nem sempre as tarefas estão centradas no professor, mas sim, como aliás é desejável, no aluno, de modo a fomentar a sua autonomia e a torná-lo o centro do processo de aprendizagem, cabendo ao professor acompanhá-lo. Ora esse acompanhamento não exige a formalização de uma aula síncrona, mas sim disponibilidade do professor, que pode ser promovida de várias formas, como os fóruns de dúvidas ou discussões de tarefas online ou, no limite, através de email.
Ainda sobre as aulas em videoconferência, é importante sublinhar dois aspetos. O primeiro prende-se com a recomendação da Comissão Nacional de Proteção de Dados de que, sempre que possível, se deve optar por tecnologias que impliquem a menor exposição possível do titular e do seu ambiente familiar. O segundo prende-se com as disponibilidades das famílias e dos alunos no que diz respeito aos equipamentos informáticos.
Há famílias com dificuldades em ter computadores para todos os filhos ao mesmo tempo, outras, estando em confinamento fora de centros urbanos, têm muitas dificuldades em acompanhar convenientemente uma aula em direto, pois a velocidade da internet não o permite (também acontece em zonas de Lisboa), e famílias que, com toda a legitimidade, não permitem que os respetivos filhos mostrem a sua imagem ou alunos que pedem para não mostrar a imagem com receio de bullying e/ou cyberbullying, o que invalida a interação entre professor e aluno (fundamental para o acompanhamento que é próprio das aulas), alunos que se ligam às aulas por telemóvel e não conseguem ver com propriedade os documentos projetados, alunos que se revelam cansados e exaustos quando acontece ligarem-se três ou quatro vezes com professores ao longo do dia, etc.
Dito isto, quase parece que as aulas síncronas são um problema, mas não são. O que a escola tem de garantir é que este regime de ensino a distância, muito particularmente o acompanhamento das aulas em direto, não funciona como um catalisador de assimetrias entre alunos, quer porque nem todos conseguem aceder do mesmo modo quer porque os ritmos de aprendizagem são diferentes. E este último aspeto é muito significativo: os tempos propostos para a realização das tarefas atendem a diferentes ritmos de aprendizagem, pelo que os planos definidos pelos professores são inclusivos e têm em consideração tempos médios de execução de tarefas – uma vez mais, tal como nas aulas presenciais, com 30 crianças, há alunos que terminam em 20 minutos, outros que levam a aula toda e outros ainda que levam o trabalho para casa para concluir. Portanto, o que o Colégio propõe é um modelo equilibrado e versátil, que revela a preocupação de chegar a todos e até 26 de junho, e sobretudo que garante aprendizagens, sem perder de vista que, como disse o Primeiro-Ministro, 2020-2021 poderá ser um ano letivo de recuperação de aprendizagens, se necessário.
O que a escola tem de garantir é que este regime de ensino a distância, muito particularmente o acompanhamento das aulas em direto, não funciona como um catalisador de assimetrias entre os alunos, quer porque nem todos conseguem aceder do mesmo modo quer porque os ritmos de aprendizagem são diferentes.
3. E quanto ao jardim de infância?
Aqui é mais difícil falar-se de um ensino a distância, até porque não tem um currículo de ensino semelhante ao dos restantes ciclos. Às orientações curriculares para estas idades subjaz uma intencionalidade educativa, que passa grandemente pelo acompanhamento das crianças, e isso apenas é possível com a presença física. O que propomos são atividades para os alunos fazerem com os pais e que concorrem para aquele fim, complementadas com os momentos em que, através de videoconferência, interagem uns com os outros e com a educadora. Neste momento, está previsto o regresso destes alunos a 1 de junho, mas ainda não temos orientações concretas sobre o modo como será feito. Para já, estamos a fazer simulações de grupos, de fluxos de pessoas, de circuitos possíveis e de espaços a ocupar, sendo quase certo que haverá uma separação radical entre o edifício onde funciona o jardim de infância e o do ensino secundário.
4. E no que diz respeito à avaliação?
A avaliação está a ser feita de formas diferentes de disciplina para disciplina, pois está relacionada com a tipologia de exercícios que cada uma pode propor. Tivemos de alterar os critérios de avaliação por determinação da tutela, e, regra geral, passou a dar-se mais importância ao cumprimento de tarefas. Paralelamente, as disciplinas encontraram soluções diversificadas para completar a avaliação: testes orais, individualmente, em videoconferência. Outras pedem aos alunos que executem tarefas, um teste tradicional, por exemplo, cuja execução é vigiada através da câmara e, quando termina o tempo, cada um fotografa o trabalho e envia para o professor. Há também trabalhos de grupo, apresentações orais (os alunos gravam e enviam), etc. Com o regresso dos alunos do 11.º e 12.º anos, algumas avaliações serão feitas presencialmente.
O que se pretende com esta adaptação é garantir a continuidade do que sempre nos norteou em termos de avaliação: a justiça da mesma, sendo que esta já ia (e agora ainda mais) além dos testes. Aliás, a pedagogia inaciana não é compatível com uma avaliação descontextualizada, e o contexto atual obriga a uma avaliação com instrumentos também diferentes e adaptados ao contexto.
5. Quais as maiores dificuldades que sentem os professores e alunos nesta forma de comunicar a distância?
Da parte de todos, existe uma dificuldade maior que se deve ao facto de termos substituído toda a interação pessoal pela comunicação mediatizada por equipamento tecnológico. Estes sistemas funcionarão bem numa empresa ou noutros contextos, mas na educação faz muita falta o contacto pessoal, a atenção personalizada que, aliás, está inscrita no nosso projeto educativo. Fazer esse acompanhamento personalizado exclusivamente por videoconferência é a maior dificuldade. Pontualmente, como apoio à prática letiva presencial, pode ser muito útil para as escolas, aliás, é uma aprendizagem que ganhamos para o futuro. Mas como método exclusivo levanta dificuldades. Há notícias de outras dificuldades – técnicas ou logísticas-, mas são pontuais. Genericamente, estamos todos mais ou menos conformados com estas circunstâncias – numa atitude de simultânea aceitação e adaptação ativa –, tendo a esperança de que sejam ultrapassadas rapidamente.
Fazer esse acompanhamento personalizado exclusivamente por videoconferência é a maior dificuldade.
6. Como estão as famílias a reagir a esta forma de ensino?
Diria que a maior parte está a reagir muito bem, revelando agrado com as opções tomadas pelo Colégio. Quanto a sugestões de melhoria, chegam-nos fundamentalmente duas. A primeira diz respeito à necessidade de incrementar o número de aulas síncronas, pois alguns pais consideram a presença do professor determinante para a aprendizagem.
Na verdade, a presença do professor no processo de ensino é insubstituível, mas nem todos os momentos de aprendizagem carecem da sua presença, dado que os alunos devem realizar tarefas autonomamente, conducentes à construção do conhecimento e ao desenvolvimento das competências. É aquilo a que nós chamamos colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem. Julgo que isto poderá ser menos claro para quem não vive o dia a dia de uma escola. Quando os alunos estão connosco nas aulas, desenvolvem frequentemente trabalho autónomo com a monitorização do professor, que é o mesmo que acontece com as tarefas assíncronas no regime a distância, pois o professor está disponível para esclarecer dúvidas através da plataforma NEO (através de mensagens ou de fóruns, por exemplo) ou da plataforma Zoom.
O princípio que assiste aos dois regimes é o mesmo, mas admito que, visto de fora, pode ser feita uma leitura de que só ocorre aprendizagem quando há aulas síncronas. A segunda diz respeito à desadequação do trabalho proposto, pois as famílias avaliam o que o Colégio oferece em função dos filhos que têm, naturalmente. Ora, os alunos têm ritmos diferentes de aprendizagem, e o que para uma família parece pouco para outra parecerá muito. Algumas reações que nos enviam sobre os mesmos trabalhos chegam a ser opostas. Mas isso é aquilo a que um professor está habituado no dia a dia, pois propõe tarefas que sabe que não serão concluídas por todos os alunos do mesmo modo e no mesmo tempo, cabendo-lhe fazer as adequações necessárias.
7. O que está a ser feito a nível da pastoral?
Ao nível do jardim de infância, a equipa pastoral está a colocar no Youtube um vídeo semanal, que chega às famílias pelas educadoras. Nos restantes ciclos, mantemos a missa de turma, à 4.ª feira., transmitida em direto e integrada no calendário das turmas. As orações da manhã continuam a ser disponibilizadas online em oracoesdamanha.blogspot.pt e www.oracaodamanha.pt. As celebrações da 1.ª Comunhão, profissão de fé e crisma, previstas para maio, foram adiadas, ainda sem novas datas. Na catequese do 5.º ao 7.º, as crianças estão a receber propostas semanais e há um encontro mensal do grupo por videoconferência.
Quanto aos GVX e 12.º ano, os grupos estão a funcionar num esquema muito autónomo, sobretudo com reuniões por videoconferência. A missa de domingo às 11h30 é também transmitida online. Como estamos em maio, foi enviada às famílias uma proposta muito simples para um tempo de oração semanal a Maria e rezámos o Mega-Terço a distância, cada um em sua casa, a partir de uma oração conjunta gravada com o contributo dos alunos de cada turma, das famílias, dos educadores e da comunidade jesuítica do Colégio.
Se é verdade que esta pandemia nos lançou num tempo de alguma incerteza, também é verdade que abriu novos horizontes em termos de oferta educativa. Há um caminho feito que é importante.
8. Como sentem que as famílias estão a ser afetadas por esta crise? Que sinais vos vão chegando?
Do ponto de vista financeiro, algumas famílias foram mais afetadas e estão a ser acompanhadas pelo Conselho de Administração com estratégias adequadas a cada contexto. Do ponto de vista social, há famílias, sobretudo com mais do que dois filhos, que nos dizem que a gestão em casa tem sido mais complexa. Mas não há ecos de constrangimentos muito significativos. Temos tido a preocupação de os professores responsáveis e titulares, ao longo da quinzena, guardarem três momentos para falarem com os alunos, para os acompanharem e verem como estão a reagir, para que não se sintam abatidos, nomeadamente os adolescentes, que nesta idade veem a realidade através de uma grande angular e podem olhar para o que está a acontecer como um problema mais grave do que é. Os professores têm procurado acompanhar, dar esperança e sobretudo ouvir o que os alunos estão a sentir e o que têm a dizer.
9. Como esperam que sejam as coisas no futuro?
No imediato, temos preparada a vinda dos alunos dos 11.º e 12.º anos para aulas presenciais a partir de dia 18. A par das aulas presenciais, que serão transmitidas em direto para alunos que não possam vir ao Colégio, vamos manter as tarefas assíncronas, cumprindo assim o tempo total previsto para cada disciplina. Concentrámos as aulas todas de cada turma num dia, para minimizar as deslocações. Será um regresso com muitas restrições e com regras diferentes, a que teremos de nos habituar. Quanto ao próximo ano, não sabemos em que condições o iniciaremos, nem se teremos de o interromper novamente. Uma coisa é certa: acumulámos um capital de conhecimento significativo que nos permite encarar uma nova paragem com maior segurança. Além disso, se é verdade que esta pandemia nos lançou num tempo de alguma incerteza, também é verdade que abriu novos horizontes em termos de oferta educativa. Há um caminho feito que é importante. A seu tempo, com informações mais concretas, poderemos definir estratégias de recuperação das aprendizagens, se se revelar necessário. Até ao momento, temos evidências muito fortes da efetividade das aprendizagens neste regime e não há motivo para preocupação.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.