Ser santo, um convite à alegria

Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate saiu há dois dias. O P. João de Brito sj resume o que o Papa propõe: um caminho de santidade feito de gestos e palavras de cada dia onde se opta pela fé e o amor, sacrificando o próprio interesse.

Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate saiu há dois dias. O P. João de Brito sj resume o que o Papa propõe: um caminho de santidade feito de gestos e palavras de cada dia onde se opta pela fé e o amor, sacrificando o próprio interesse.

A alegria promete ser uma das características mais marcantes do atual Pontificado. A mais recente exortação apostólica do Papa Francisco – Alegrai-vos e Exultai (Gaudete et Exsultate) – vem na continuação d’A Alegria do Evangelho e d’A Alegria do Amor. Seja o que for que iremos encontrar lá dentro, ao tomarmos a exortação nas nossas mãos pela primeira vez, é já evidente que o Santo Padre nos vem, uma vez mais, propor a alegria como nota própria da vida cristã mais autêntica.

Alegrai-vos e Exultai recorda-nos o apelo universal à santidade. Um apelo ouvido pelos discípulos no discurso de Jesus sobre a montanha (de onde o título da exortação é tomado) e repetido pela Igreja, desde as primeiras comunidades e o primeiro impulso missionário até hoje, em particular pelo Concílio Vaticano II e pelos pontificados que se lhe seguiram. De facto, a exortação do Papa Francisco procura dar novamente expressão a esse apelo recuperado e reformulado pelo último concílio. Um concilio onde a Igreja, face a novas configurações da realidade humana, sabendo-se mistério e dom de Deus, se reconheceu como povo de Deus chamado à santidade na sua multiplicidade de carismas, no meio do mundo e para o mundo. Na verdade, ao longo da história da Igreja, a santidade parecia ter-se tornado a sorte de alguns quantos, mais virtuosos ou mais agraciados, e não a vocação e o destino de todo o batizado.

Por isso, no espírito do Concílio, Francisco procura reafirmar o apelo universal à santidade. Fá-lo, por um lado, recolhendo vários de entre os inúmeros apelos a essa santidade pessoal e universal que a Sagrada Escritura contém, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Por outro, referindo-se constantemente ao longo das suas páginas a santos e santas que ilustram com as suas vidas um determinado aspeto da santidade ao alcance de todos. Por outro ainda, citando continuamente exemplos da vida quotidiana onde a santidade pode ser vivida. Exemplos que vão ao encontro de situações onde o leitor da exortação se pode reconhecer facilmente, porque fazem parte do seu dia-a-dia. Os pequenos gestos e palavras de cada dia onde se opta pela fé e pelo amor, muitas vezes sacrificando o próprio interesse, são, para o Papa Francisco, o caminho de uma santidade que vai crescendo no Povo de Deus e que nasce da graça, também ela pessoal e universal, do Batismo.

Uma das principais características desta exortação é precisamente esse carácter prático, feito de conselhos e estímulos, num tom sugestivo de convite, de exortação, de apelo pessoal. Dirigindo-se a um “tu” ao longo das primeiras páginas, o Santo Padre dirige-se realmente a cada um de nós, cativa-nos com a sua proximidade, vindo ao encontro da nossa circunstância, seja ela qual for, para nos chamar à santidade. Quando retoma o mais habitual “nós” para se referir à comunidade dos cristãos, pode contar já com um leitor que se sente pessoalmente chamado a um apelo universal.

Depois de pôr em evidência dois perigos para a santidade – contentar-se com uma sabedoria sem ação e sem mistério, ou com uma ação que não reconhece a necessidade da graça –, o Papa Francisco retoma o texto das bem-aventuranças. Comenta, então, cada uma delas como traços do rosto daquele a quem chama “o Mestre” e que é não só o modelo de toda a santidade, mas o Santo, no qual fomos santificados e chamados a viver em santidade. Cada um desses traços é traduzido pelo Santo Padre numa máxima que o leitor pode facilmente memorizar e guardar como programa de vida, de santidade. O Papa continua, depois, a sua exortação referindo-se a várias características da santidade no mundo atual e termina recomendando três atitudes da vida espiritual: luta, vigilância e discernimento.

Em tempo de Páscoa, enquanto a Igreja saboreia ainda a consolação que floresce do Mistério Pascal, Alegrai-vos e Exultai vem oferecer a santidade como horizonte da vida cristã. Um horizonte a buscar, mas a viver sobretudo como dom que o Espírito Santo realiza na vida dos cristãos. A intuição de publicar esta exortação no início do caminho entre a Páscoa e o Pentecostes permite assim, também, revitalizar o sentido deste tempo litúrgico e reaproximar o Mistério Pascal da vida concreta dos crentes. Ao terminar a leitura da exortação apostólica, torna-se mais evidente para o cristão, qualquer que seja a sua circunstância, que a sua vida está já tocada por esse mistério e é chamada a identificar-se e configurar-se cada vez mais com Cristo. Agradecemos ao Papa Francisco este apelo universal e renovado à santidade. Um apelo tão importante na vida da Igreja, de hoje e de sempre, que nos encoraja a experimentar a bem-aventurança prometida no sermão da montanha, a afeiçoar-nos ao rosto de Cristo, encontrando nele a nossa alegria.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.