Sempre em discernimento – nova obra de Joseph A. Tetlow, sj

O que é o discernimento? Porquê discernir? Quando? Como? Livro analisa em profundidade estas questões e mostra como os leigos cristãos podem viver o discernimento não apenas nas grandes decisões da vida mas também nas coisas mundanas.

O que é o discernimento? Porquê discernir? Quando? Como? Livro analisa em profundidade estas questões e mostra como os leigos cristãos podem viver o discernimento não apenas nas grandes decisões da vida mas também nas coisas mundanas.

Inspirando-se na Sagrada Escritura, nos ensinamentos do Papa Francisco e na sabedoria inaciana, o Autor ajuda a descobrir a relação dinâmica entre cabeça, coração e mãos como crucial no processo de discernimento.

Publicamos aqui, por antecipação, a introdução do livro “Sempre em Discernimento. Uma Espiritualidade Inaciana para o Novo Milénio”

 

O que é, hoje, o discernimento e porque precisamos dele?

    O discernimento passou a estar presente na vida dos cristãos adultos. Um advogado do Connecticut afirma ter muitas vezes de discernir a moralidade de uma ação legal. Uma mãe de filhos já crescidos, que reza diariamente com as Escrituras, caiu na conta de viver todo o dia com a sensação de ter o Espírito de Deus junto de si; ela disse-me que estava a discernir o que isso significava. Uma jovem de Dallas pediu-me que rezasse com ela enquanto estava a discernir se devia concorrer a uma universidade católica. Um casal de Seattle tem estado a discernir se deve vender a sua casa. No momento em que escrevo isto, em Grand Coteau, nove jovens, noviços jesuítas, estão a discernir ao longo dos Exercícios Espirituais de trinta dias se a sua vocação jesuíta é autêntica. Muitas pessoas que conheço discernem com regularidade o que Deus espera delas.

O discernimento é um dom oferecido a quem acredita em Jesus Cristo. Quem está a crescer na vida espiritual escuta São Paulo: «Não vos acomodeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito» (Rm 12, 2)*.

O Papa Francisco certamente ouviu isto. Ele tem vindo a mostrar ao mundo como uma mente e um coração que discernem iluminam tudo o que um discípulo de Jesus Cristo faz. Francisco age permanentemente de um modo discernido, confiando em intuições que têm sido aprimoradas ao longo dos anos por meio da oração e do combate (incluindo os falhanços). Não apenas o faz como também fala acerca disso. As suas conversas, tal como são relatadas por quem lhe é próximo, iniciam-se pela escuta. Ele tem escutado o Povo de Deus – os mais pequenos, as pessoas cultas, os líderes civis e religiosos – e escuta-nos recorrendo ao discernimento e encontrando uma renovada espiritualidade para o século XXI.

Na sua exortação A Alegria do Evangelho, o Papa fala vinte vezes acerca do discernimento. Numa franca entrevista com um editor jesuíta, muito mais breve do que a exortação, usou quinze vezes a palavra – e explicou o que queria dizer com isso. Resumiu assim o que pensava acerca do discernimento: «O discernimento é essencial»[1]. Podemos confiar nas suas ações e no seu ensinamento, que aparecerá muitas vezes nas páginas que se seguem.

Contudo, havia já cristãos adultos a ficarem mais conscientes deste carisma que transforma a vida muito antes de o Papa Francisco ter sido eleito Bispo de Roma. Aplicávamo-lo a escolhas morais, decisões para a vida e até aos simples juízos relativos aos assuntos do dia a dia. É-nos dado pelo Espírito da Verdade, que o mundo descrente à nossa volta simplesmente não conhece. Mas Jesus disse aos seus discípulos: «Vós é que O conheceis, porque permanece junto de vós, e está em vós» (Jo 14, 17).

Estamos ainda a procurar clarificar, no entanto, tudo aquilo a que corresponde o discernimento. Durante a maior parte do século passado, pensámos nele sobretudo como uma forma de descobrir a vontade de Deus, especialmente sobre vir a ser religioso ou padre. Era normal pensar que as pessoas chamadas a tomar decisões desse tipo é que precisavam de se entregar a essa coisa do discerni­mento. E, durante décadas, quem o fez centrava-se firmemente num especializado discernimento de espíritos – que era a única entrada sobre o discernimento na edição original da Catholic Encyclopedia (Enciclopédia Católica). Seja como for, interessava sobretudo a especialistas.

Mas então a Igreja – vista agora como Povo de Deus – foi guiada pelo Concílio Vaticano II (1962 a 1965) a «ler os sinais dos tempos». Isto levou a que se alargasse consideravelmente o que queríamos dizer com discernimento. Também levou a que se esperasse que todos os discípulos adultos de Jesus Cristo a ele se entregassem. Cinquenta anos depois do Concílio, não só os especialistas, as freiras e os padres estão a discernir, mas também os discípulos adultos. E estamos a dar a esse termo um significado claro e bastante subtil, como será evidenciado pelas muitas vozes que se farão ouvir nestas páginas.

Estas páginas mostrarão também que estou consciente deste desenvolvimento histórico, mas não vou relatar essa história. Interessa-me aqui o que querem dizer os discípulos adultos quando afirmam que estão a discernir. As camadas desse significado começam por estarmos conscientes e valorizarmos o facto de que Deus não é somente o nosso Criador no princípio da nossa existência, mas está continuamente a criar-nos, momento após momento. Temos de explorar este «primeiro grande discernimento», pelo qual aprendemos a apreciar o nosso ocupado e íntimo Criador. A próxima camada cresce à medida que conhecemos mais acerca das Escrituras e dos ensinamentos da Igreja primitiva. Aprendemos que Jesus Cristo é o Redentor não apenas da Igreja, mas de toda a humanidade. Quando sondamos este «segundo grande discernimento», temos necessidade de que a oração nos ajude a abrir os nossos corações amadurecidos a Cristo como o meu Redentor.

Neste diálogo íntimo com Deus, tornámo-nos mais conscientes do Espírito Santo e começámos a aperceber-nos de que o Espírito nos está a modelar. Esta consciência reconhecida leva-nos a considerar como podemos discernir a ação do Espírito. Através, de modo particular, da consolação e da desolação, o Espírito Santo ensina-nos esta verdade: «Desde a juventude, moldei-te ao meu agrado». Não o teu agrado – o meu agrado.

O discernimento no mundo real da vida quotidiana não é um jogo de computador. O discípulo adulto de Jesus Cristo reconhece que o pecado desempenha aqui um papel – o meu próprio pecado, o pecado em nós e o pecado lá fora, no mundo. Temos de olhar para o resultado das consequências do pecado: sofrimento, violência e morte. Isso levar-nos-á a considerar como «O Caminho» não é o único que as pessoas seguem e como devemos libertar o nosso caminho dos outros caminhos – do mundo, da carne e do demónio. As breves notas finais exploram o que se tornou claramente um ascetismo apropriado para o nosso tempo.

Quando comecei a estudar este carisma, durante as últimas décadas do século passado, estávamos a passar pelas últimas convulsões da modernidade. Chegámos ao que o Papa Francisco denomina não como uma era de mudança, mas como uma mudança de era. Precisamos ainda das virtudes da suavidade e do autocontrolo. Mas, mais do que nunca, precisamos de alguns dos outros dons do Espírito Santo: sabedoria, ciência, conselho e entendimento.

Se a oração tiver passado a ser mais superficial do que devia, aqui estão algumas profundidades nas quais mergulhar. Se fazer o Exame se tornou um pouco insípido, aqui estão coisas intensas a buscar. E quem quiser interrogar-se sobre como pode o discípulo adulto de Cristo viver sensatamente e com alegria num mundo de rancor e ódio, divisão e violência, fará bem em recorrer ao discernimento tal como o Povo de Deus o pratica neste momento.

Joseph A. Tetlow, S.J.

Festa de Cristo-Rei, 2015

Elementos fundamentais

• O discernimento, tido no passado como preocupação de especialistas, faz agora parte da vida de qualquer discípulo adulto.

• O Papa Francisco considera necessário o discernimento na vida de todos os crentes e mostra como é que o devemos fazer.

• Estamos a discernir quando fazemos a experiência de Deus como nosso Criador e Senhor em cada momento da vida.

• Todos os que crescem no discernimento acabam por re­conhecer Jesus Cristo como o «meu Redentor».

• Discernimos as consequências do pecado no nosso sofrimento e na passagem pela morte.

• Vivemos em alegria, uma vez que o Espírito Santo nos concede os dons da sabedoria, entendimento e suave autocontrolo, os quais nos dão um coração que discerne.

[1]     Antonio SPADARO, SJ, «Big Heart Open to God», in America(30/09/2013), disponível em: http://americamagazine.org/pope-interview.

Sempre em Discernimento
Uma Espiritualidade Inaciana para o Novo Milénio

Joseph A. Tetlow, S.J.

Tradução: Mário José Galvão de Almeida
ISBN: 978-972-39-0862-6
Formato: 14,8 x 22 cm
Páginas: 316
Ano: 2019
Preço: 15.00€

Na Editora Apostolado da Oração

 

Sobre o autor

Joseph A. Tetlow, S.J., (1930 – …) praticou, ensinou e escreveu acerca do discernimento desde antes do Vaticano II. Faz direção espiritual e orientou inúmeros retiros para leigos sobre o tema do discernimento. Tem sido muitas vezes aclamado como uma autoridade de nível mundial no que diz respeito à espiritualidade inaciana. É autor de muitos livros, entre os quais Making Choices in Christ e Choosing Christ in the World [Para Escolher Cristo no Mundo, Edições Loyola, S. Paulo]

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.