Sartre e o Presépio

Caravaggio, o cântico que lhe propomos… e um maravilhoso texto de Jean-Paul Sartre: reina a beleza no último PRIXM do ano, na festa litúrgica da Sagrada Família. Uma excelente forma de o PRIXM se despedir do Ponto SJ por algumas semanas.

Caravaggio, o cântico que lhe propomos… e um maravilhoso texto de Jean-Paul Sartre: reina a beleza no último PRIXM do ano, na festa litúrgica da Sagrada Família. Uma excelente forma de o PRIXM se despedir do Ponto SJ por algumas semanas.

1.  Como mel para a boca

Os maravilhosos Dei Amoris Cantores cantam Emmanuel, obra inédita que celebra a Noite de Natal (composição de Tanguy Dionis du Séjour).

Veja o vídeo: verá que é simplesmente sublime!

 

2. O texto bíblico 

Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz. (Lc 2, 3-6)

 

3.  O esclarecimento

Podíamos contar-lhe muitas coisas sobre o presépio, como o facto de não haver qualquer menção ao boi ou ao burro nos textos do Novo Testamento e que estas representações surgem por uma aproximação a um texto do livro de Isaías no Antigo Testamento (Is 1, 3).

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Caravaggio, A Natividade com São Francisco e São Lourenço, 1609. Este quadro foi roubado do oratório de San Lorenzo em Palermo no ano 1969, e continua por encontrar.

4. Uma palavra final (e que palavra) 

Jean-Paul Sartre escreveu a passagem mais maravilhosa que alguma vez se ouviu sobre o Presépio. É de ler à esposa, à mãe, à filha ou à irmã, ou mesmo à primeira mulher que passe por si, pois o texto é admirável:

“Têm o direito de exigir que vos mostrem o Presépio. Aqui está.

(…)

A Virgem parece pálida e olha para o menino. Pintado no seu rosto deveríamos ver um ansioso deslumbramento, nunca antes visto num rosto humano, pois Cristo é o seu filho, carne da sua carne e fruto das suas entranhas. Ela carregou-o no ventre nove meses. Alimentou-o com os seios e o seu leite tornar-se-á sangue de Deus. Ela envolve-o nos braços e diz-lhe: “meu pequeno”!

Mas, noutros momentos, só pode permanecer em silêncio e pensar: “Deus está aqui”; e invade-a um religioso temor face a este Deus mudo, face a esta criança…porque todas as mães ficam assim, em êxtase, por momentos, diante deste fruto das suas entranhas, da sua carne, e sentem-se como que exiladas perante esta nova vida feita com as suas vidas…

(…)

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Gerrit van Honthorst, Natividade, 1622 (óleo sobre tela), Museu Wallraf-Richartz, Colónia - Alemanha

E nenhuma outra mulher teve Deus assim, só para si. Um Deus pequenino que se pode envolver nos braços e encher de beijos, um Deus tão cálido, que sorri e que respira, um Deus que se pode tocar e que vive… e é nesses momentos que eu pintaria Maria, se eu fosse pintor, e tentaria captar esse ar de profunda ternura e de timidez com o qual ela estende o dedo para tocar a suave pele do menino Deus, que lhe pesa suavemente sobre os joelhos e que lhe sorri. Aqui está Jesus e a Virgem Maria.

E José. José? Eu não o pintaria. Mostraria apenas como que uma sombra ao fundo, de olhos brilhantes, pois não sei que dizer sobre José. E o próprio José não sabe o que dizer sobre el…. Ele adora e sente-se feliz por adorar.”

Foi exatamente assim que, anos antes, o pintor Gerrit Van Honthorst pintou José, no quadro que lhe apresentamos acima… Deixe-se levar pela beleza da pintura… e pela descrição…

(Este texto é um excerto de Bariona ou o Filho do Trovão, uma peça de teatro escrita por Jean-Paul Sartre por altura do Natal em 1940, quando se encontrava preso num campo de concentração alemão.)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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