Sábado Santo: dia do grande silêncio

O melhor modo de expressarmos o mistério do Sábado Santo é no silêncio orante. Nem sequer contemplamos o sepulcro, porque também não fomos ontem a um funeral, mas contemplamos o todo da paixão e morte de Jesus no mistério da sua Páscoa.

O melhor modo de expressarmos o mistério do Sábado Santo é no silêncio orante. Nem sequer contemplamos o sepulcro, porque também não fomos ontem a um funeral, mas contemplamos o todo da paixão e morte de Jesus no mistério da sua Páscoa.

 

O Sábado Santo é o dia do grande silêncio. A dimensão contemplativa na Igreja segue um caminho pascal. A vida cristã só tem sentido como vida em Cristo. Nunca esqueçamos que a cruz e a Páscoa são inseparáveis. Em Cristo, não há Páscoa sem cruz e não existe cruz sem Páscoa. Dessa forma, permite-nos ainda fazer eco de um jovem poeta místico, o venerável Bernardo de Vasconcelos, que escreveu: «…à luz da nossa fé, a Cruz é um berço/ que nos embala em doces amarguras…/ e o homem liberto de si mesmo/ abandona-se a Deus, cego d’amor,/ tal como outrora ao seio maternal…».

 

Passagem de uma homilia de Sábado Santo de um autor do século IV.

Um grande silêncio reina hoje sobre a terra;
um grande silêncio e uma grande solidão.
Um grande silêncio,
porque o Rei dorme;
a terra estremeceu e ficou silenciosa,
porque Deus adormeceu segundo a carne
e despertou os que dormiam há séculos.
Deus morreu segundo a carne
e acordou a região dos mortos.
Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida.
Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte.
Vai libertar Adão do cativeiro da morte,
Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu Filho.
Entrou o Salvador onde eles estavam,
levando em suas mãos a arma vitoriosa da cruz.

 

A Igreja tem dado uma especial atenção ao silêncio como momento de ação litúrgica. A redescoberta do silêncio na Liturgia surge como uma modalidade concreta da participação ativa dos fiéis. O silêncio é, pois, uma condição para uma autêntica celebração litúrgica. Romano Guardini disse com coragem: «Se alguém me perguntasse onde começa a vida litúrgica, eu responderia: com a aprendizagem do silêncio. Sem o silêncio não existe a seriedade e tudo é vão».

Para o Cristianismo, o silêncio é uma dimensão não apenas antropológica, mas teológica. Santo Inácio de Antioquia, referindo-se aos mistérios de Deus, diz que estes foram realizados no silêncio e que Cristo é «a Palavra que provém do silêncio». Da experiência litúrgica do silêncio, o cristão é convidado a passar à espiritualidade do silêncio, como dimensão contemplativa da vida.

A Igreja permanece, como Maria, silenciosa diante do Senhor ausente. Contudo, o Sábado Santo não é um dia de culto à Virgem Santa Maria. A recordação das dores ou da Soledade que surge espontaneamente, tem de se entender bem para não desviar a atenção do verdadeiro centro do mistério. Maria é, pois, o símbolo da Igreja que se cala e espera. Ela ensina-nos a ter paciência, a entender a linguagem da Cruz. Com Maria, a Senhora do Sábado Santo, aprendamos a esperar no silêncio até à vida plena, de que a Vigília Pascal é solene anúncio.

O melhor modo de expressarmos o mistério do Sábado Santo é no silêncio orante. Nem sequer contemplamos o sepulcro, porque também não fomos ontem a um funeral, mas contemplamos o todo da paixão e morte de Jesus no mistério da sua Páscoa.

 

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.
Como era no princípio, agora e sempre. Ámen.

 

O Passo-a-Rezar disponibiliza uma proposta especial para o Tríduo Pascal. Este ano, as meditações são da autoria de D. José Cordeiro, Arcebispo de Braga, e pretendem ajudar cada pessoa a mergulhar no mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo, trazendo a atualidade desses dias para o quotidiano. As vozes são de Júlio Isidro e Tânia Ribas de Oliveira.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.