Quero. E quero mesmo!

Não sou professora porque me recomendaram. Aí, confirmo o que os estudos dizem. Se tivesse seguido as recomendações, não estaria a fazer o que faço. Mas uma vocação não se recomenda. Discerne-se.

Não sou professora porque me recomendaram. Aí, confirmo o que os estudos dizem. Se tivesse seguido as recomendações, não estaria a fazer o que faço. Mas uma vocação não se recomenda. Discerne-se.

Recentemente, saíram algumas notícias sobre ser professor. Houve duas que, em particular, não me deixaram indiferente. Se tivesse de as resumir, diria que falam de como há cada vez menos jovens a escolher este caminho e de como os professores não o recomendam a quem conhecem.

Uma das reportagens realizadas era intitulada de “Quem quer ser professor?”. A resposta sai-me de forma imediata: sei que quero. Mas porquê? Para compreender verdadeiramente isto, tive de olhar de novo para aquilo que, para mim, significa ser professora.

Dizer que ser professora é uma vocação pode soar a um lugar comum, mas acredito que é verdade. Significa que sou professora porque me sinto chamada a sê-lo, porque há Alguém que me fez e faz esse convite. Isto pode soar bonito, mas muda a forma como olho para uma missão que para tantos é apenas a minha profissão. Muda como?

No capítulo 3 do Livro do Êxodo, Deus convida Moisés a tirar as suas sandálias diante da sarça ardente, mostrando-lhe que pisava terra sagrada.

Esta passagem fala-me da essência desta vocação. Sou chamada, em primeiro lugar, a tomar consciência de que acompanhar os alunos que me são confiados é pisar terra sagrada. Depois, consciente disso, sou convidada a reconhecê-lo, isto é, a deixar que isso marque a intenção daquilo que faço (arrisco dizer: de mesmo tudo aquilo que faço), tirando, por isso, as minhas sandálias. Esta disposição de coração permite-me estar disponível para receber a Graça de viver bem e desfrutar do mais exigente e bonito desafio: acompanhar o crescimento dos alunos de forma a que também eles, a seu tempo, experimentem e saibam que são terra sagrada – ainda que possam não o formular deste modo.

A experiência de se sentir precioso vem antes de passar a ombreira da porta da sala de aula, na medida em que não depende daquilo que sabe ou deixa de saber. Vem antes. Isto não desvaloriza aquilo que se faz dentro da sala, antes pelo contrário. Na verdade, para poder pedir aos meus alunos que não se vejam como números ou classificações, as propostas que lhes faço têm de criar oportunidades para que, tal como eu, também eles o vejam.

Ser professor é uma missão de grande exigência. Exige ver para além das repetidas respostas sobre se a tarefa é para fazer a lápis ou a caneta. Exige ver para além da disciplina na qual sou especialista.

Mas e depois? É isto e está feito? Acho que esta parte já tem muito que se lhe diga. E acredito que muitos alunos saiam da escola sem terem tido esta oportunidade. Ainda assim, sim, sou chamada a mais. A aprendizagem dos alunos, que – e sei que me repito – sou chamada a acompanhar de perto, deve levá-los a percorrer um caminho em que desenvolvam as competências de que precisam e que melhor os ajudem a pôr ao serviço dos outros e do mundo aquilo que de melhor têm em si. Aquilo que, no fundo, os torna preciosos e que, ao contrário dos tesouros dos filmes, não pode ficar guardado num baú.

Enquanto aluna, encontrei professores que o fizeram comigo. É por isso que sei que quero ser professora. Não numa lógica de retribuição, de o ser porque outros o foram para mim. Mas antes porque a forma como esses professores me acompanharam de perto me fez crescer em verdade e com liberdade para poder perceber que, neste momento, a melhor forma para pôr o que sou ao serviço dos outros e do mundo é a ser professora. Confesso que não o soube desde sempre. Mas, desde cedo, tive professores que me ajudaram a crescer nas competências que hoje são ferramentas que ponho a render.

Por tudo isto, ser professor é uma missão de grande exigência. Exige ver para além das repetidas respostas sobre se a tarefa é para fazer a lápis ou a caneta. Exige ver para além da disciplina na qual sou especialista. No meu caso? Implica, por exemplo, ousar interromper o trabalho com as operações matemáticas por haver verdadeiras diferenças sobre as quais é preciso refletir, por haver verdadeiras divisões sobre as quais é preciso conversar ou até mesmo para mostrar que trabalhar em equipa é diferente de uma soma de partes. Exige perceber que, quando a decisão é a de pôr o aluno no centro, o foco tem de ser verdadeiramente aquilo de que precisa, que o toca e que o implica.

Não sou professora porque me recomendaram. Aí, confirmo o que os estudos dizem. Se tivesse seguido as recomendações, não estaria a fazer o que faço. Mas uma vocação não se recomenda. Discerne-se. E eu tive a Graça de ter tido pessoas que, pondo ao serviço o melhor que têm em si, foram instrumento através de quem Jesus Se foi revelando nesse discernimento. Ainda hoje, tenho a Graça de ter pessoas que mo confirmam.

Acho que a visão da minha missão não é iludida. Reconheço que ainda estou a começar e que, todos os dias, vou conhecendo novos aspetos desta Missão que sei que são desafiantes e com os quais terei de aprender a viver bem.

Versão resumida? De acordo com os estudos, faço parte da reduzida percentagem de professores que tem menos de 30 anos e seria de esperar que tivesse fugido desta profissão. Não me calhou a mim responder e não é preciso ser de Matemática para ver que não serei eu a equilibrar as contas, mas, se me tivessem feito a pergunta a mim: quero. E quero mesmo!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.