Quem é, afinal, Maria Madalena?

Joaquim Phoenix no grande ecrã, o pincel d'El Greco e de Rembrandt para responder hoje à pergunta que nos ocupa: Quem é, afinal, Maria Madalena? 

Joaquim Phoenix no grande ecrã, o pincel d'El Greco e de Rembrandt para responder hoje à pergunta que nos ocupa: Quem é, afinal, Maria Madalena? 

1. Como mel para a boca

Aqui no PRIXM, gostamos muito de Joaquim Phoenix — quando assume a pele de Marco Aurélio no filme Gladiador, e sobretudo na sua interpretação de Johnny Cash, no filme Walk the Line. Foi, por isso, com entusiasmo que o vimos fazer o papel de Jesus no filme Maria Madalena…

Enfim, o filme em si não foi consensual. Vários críticos sublinharam a pobreza da encenação e a excessiva desenvoltura no uso das Escrituras… O que é compreensível, já que, ao que parece, o realizador se inspirou em dois textos apócrifos tardios (O Evangelho de Maria e os Atos de Paulo e Tecla)…

Enfim, deixamos o juízo do filme à vossa consideração!


2. Um texto bíblico

Durante o período pascal, que vai do domingo de Páscoa ao domingo de Pentecostes, propomos um mergulho nos relatos da Ressurreição. Esta semana, depois de uma corrida até ao túmulo, Pedro e João deixam Maria Madalena sozinha…

Maria estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo, e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. Perguntaram-lhe: «Mulher, porque choras?» E ela respondeu: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.»
Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. E Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: «Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou buscá-lo.» Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: «Rabbuni!» – que quer dizer: «Mestre!» Jesus disse-lhe: «Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: ‘Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.’» Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito. (Jo 20, 11- 18)

 


3. O esclarecimento
No Evangelho segundo São João, Jesus aparece pela primeira vez depois da ressurreição a uma mulher, Maria Madalena. Mas quem é Maria Madalena? Fomos à procura de pistas nos evangelhos, para lhes mostrar como os papas, os teólogos feministas e os escritores interpretaram esta figura.

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Rembrandt (1606|7-1669), Cristo aparece a Maria Madalena com aparência de um jardineiro (óleo sobre madeira, 1638). Sua Majestade, Rainha Isabel II, Coleção Real, Londres.

Maria Madalena é explicitamente referida:

  • no Evangelho segundo Lucas (8,2) onde foi exorcizada;
  • nos evangelhos onde está aos pés da cruz;
  • no Evangelho segundo João, onde encontra Jesus ressuscitado.

… e na história de interpretação também foi reconhecida como:

  • Maria, a irmã de Lázaro, que unge os pés de Jesus em Betânia (Jo 12,3);
  • A pecadora perdoada anónima que unge os pés de Jesus do Evangelho de Lucas (Lc 7, 36-50).

Na tradição ocidental, transforma-se numa única personagem:

No final do século VI, o Papa Gregório Magno, numa das suas homilias, faz de todas as figuras que acabámos de enumerar uma personagem única e complexa:

Maria Madalena,a irmã de Lázaro e de Marta; a pecadora arrependida.

Tal permite a Maria Madalena ter uma popularidade extraordinária nas Igrejas Ocidentais, onde a mística vai alimentar ao longo dos séculos a literatura e a pregação.

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Georges de La Tour (1593-1652), Madalena ao espelho (óleo sobre tela, 1628-1645), Galeria Nacional de Arte, Washington D.C.

Durante o séc. XIX burguês, ela é reprovada por um moralismo puritano:

Na Inglaterra vitoriana, Madalena era um eufemismo para designar uma prostituta. Na Irlanda, também se chamava “madalenas” às mulheres que perturbavam a ordem social, que eram presas sem serem julgadas.

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Anónimo, Santa Maria Madalena (escultura em pedra, 1311-1313) Colegial Notre-Dame d’Écouis, Eure, França.

Nem puritana nem complacente, o escultor medieval apresenta uma Madalena simultaneamente nua e púdica, agraciada pelo Criador com uma cabeleira sublime, que simboliza a graça a cobrir todos os seus antigos pecados…

Na atualidade: coragem, criatividade, perseverança?

Na opinião de vários teólogos feministas, a Igreja terá sido vítima de um patriarcalismo secular, ao assimilar Madalena a uma prostituta, para a desonrar e recusar às mulheres o seu pleno lugar. A verdadeira Maria de Madalena representaria muito mais que isso: a solidariedade com os moribundos, a lealdade mesmo perante a morte, a coragem, a criatividade, a perseverança.

No entanto, a teologia antiga proclama que a glória de Maria Madalena reside precisamente no facto de ter sido uma prostituta perdoada e convertida: “O que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o forte” (1 Cor 1,27). Rejeitando a imagem da prostituta, da extática ou da santa, é precisamente a graça de Deus que se refuta. Recusar a glória da prostituta perdoada, optando pela “Madalena virtuosa” da modernidade, não será cair, uma vez mais, no moralismo burguês que tanto criticamos?

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El Greco (1676-1677), Maria Madalena penitente (óleo sobre tela, 1576-1577), Museu de belas-artes de Budapeste, Hungria.

 


4. Uma palavra final
“Porquê reduzir Maria Madalena à imagem da opressão feminina, quando ela é sobretudo imagem da libertação humana?”
(Régis Burnet, Maria Madalena. De pecadora arrependida à esposa de Jesus. Paris: Cerf, 2008)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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