O P. Nuno da Silva Gonçalves sj vai ser condecorado pela Presidência da República com a Ordem de Santiago da Espada, no grau de Grande Oficial.
O ato de condecoração do atual reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana decorrerá esta tarde, às 16.30, no Palácio de Belém, numa cerimónia reservada aos convidados da Presidência da República, do homenageado e a alguns representantes da comunicação social. O P. Nuno da Silva Gonçalves não é o primeiro jesuíta português a ser agraciado com esta condecoração. Junta o seu nome a figuras como: P. Luís Archer sj (1991 – Grã-Cruz); P. Manuel Antunes sj (1983 – Grande Oficial); P. Agostinho Veloso sj (1961 – Comendador); P. Serafim Leite sj (1938 – Comendador); P. Francisco Rodrigues sj (1938 – Comendador). Ao P. Lúcio Craveiro da Silva sj foi atribuída, em 1985, uma outra condecoração, a ordem de Instrução Pública no grau de Grande Oficial. Já o P. António Vaz Pinto sj foi agraciado em 2006 com a Ordem Infante D. Henrique, como Grande Oficial. Ao Ir. Daniel Ornelas sj, que foi missionário em Timor, foi concedida a mesma ordem no grau de Comendador. O P. João Felgueiras sj, também missionário em Timor, foi reconhecido com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Em declarações ao Ponto SJ, o P. Nuno da Silva Gonçalves sj explica que esta condecoração está ligada à missão que assumiu em nome da Companhia de Jesus em diferentes instituições como o Instituto Nun’Álvres (Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso) a revista Brotéria, a Faculdade de Filosofia de Braga e, actualmente, a Pontifícia Universidade Gregoriana. “Sinto esta condecoração como um encorajamento pessoal mas, sobretudo, como um reconhecimento do mérito das várias instituições que procurei e procuro servir o melhor possível”, afirma o jesuíta. Importa ainda lembrar que o P. Nuno foi o primeiro Director do Secretariado Nacional Bens Culturais da Igreja em Portugal (entre abril de 1998 e outubro de 1999).
Foram já vários os jesuítas condecorados por anteriores Presidentes da República, como o P. Manuel Antunes sj ou o P. Luís Archer sj.
Quem é Nuno da Silva Gonçalves?
Para conhecer um pouco melhor o homem que hoje será condecorado pelo Presidente da República, procurámos traçar o seu perfil e viajar até às suas raízes.
Uma infância e adolescência felizes
Nasceu em Lisboa a 16 de julho de 1958, três anos depois do casamento dos seus pais, que na altura já duvidavam da possibilidade de ter filhos. Foi por isso uma criança desejada e recebida com grande alegria. Depois dele a família cresceria e nasceriam mais três irmãs. Ao nome Nuno junta um segundo nome pessoal Henrique, o primeiro uma homenagem a Nuno de Álvares Pereira (hoje São Nuno) e o segundo ao Infante D. Henrique. Um nome que quase pode ser visto como uma profecia para quem mais tarde entrou na vida Religiosa e estudou a história da missionação portuguesa.
Uma das suas irmãs, Margarida Neto, psiquiatra, acredita que o facto de Nuno ser o mais velho “influenciou o seu carácter, no que diz respeito à responsabilidade e ao exemplo”. Era pouco pedinchão no que respeita a presentes e apenas a insistência da irmã Margarida o levaria a pedir aos pais brinquedos como uma pista de automóveis, uns walkie talkies ou uma bicicleta. Uma das memórias que Margarida guarda do irmão é a a participação nas atividades da Mocidade Portuguesa, nomeadamente as idas ao navio-escola Sagres onde muitas vezes terá lavado o convés vestido a preceito.
Um bom aluno que dava boas gargalhadas
Estudou na Escola Primária do bairro de São Miguel e mais tarde no Colégio São João de Brito. Aí se revelou um excelente aluno, em especial a latim. Mas a responsabilidade quanto ao estudo não significava falta de boa disposição. Um dos seus melhores amigos, Nuno Guedes conheceu-o no tempo do colégio e diz que uma das suas principais características é “uma serenidade bem disposta” que se revelava no ser um “excelente e tranquilo aluno, sensato e ponderado”, mas “sempre pronto para uma boa gargalhada”. E acrescenta: “O Nuno conseguia o melhor de dois mundos. Divertia-se à grande nas aulas de latim, rindo, rindo sem parar com as inacreditáveis tropelias da malta, mas era o único que aprendia mesmo os segredos de Cícero e dos outros clássicos.” Nos campos da bola, apesar do seu empenho e dedicação, a coisa parecia não correr tão bem, mas isso nunca foi motivo de grande frustração.
Já na idade adulta, em 2004, recebeu o prémio P. José Carlos Belchior, promovido pela Associação de Antigos Alunos do Colégio São João de Brito, que distingue os alunos que se destacam pela sua intervenção na sociedade.
A decisão vocacional em tempos conturbados
O P. Nuno da Silva Gonçalves, sj entrou na Companhia de Jesus em outubro de 1975. O seu amigo Nuno Guedes sublinha que, “como grande companheiro dos seus colegas na redacção da revista dos alunos, viveu intensamente os tempos conturbados que se seguiram ao 25 de Abril. Mas foi no meio dessa confusão geral que se abateu sobre a sociedade portuguesa que o Nuno fez o discernimento profundo da sua vocação e tomou as decisões sérias, difíceis e generosas de consagrar a sua vida à maior glória de Deus.” O anúncio apanhou a família de surpresa, como explica a irmã Margarida Neto: “Surpresa e tristeza numa primeira fase, só depois a compreensão e a aceitação. Eram rígidas as regras dos jesuítas então. Havia um afastamento da família, ausência no Natal… custou.”
Sobre a vocação do P. Nuno e a reação da família: “Surpresa e tristeza numa primeira fase, só depois a compreensão e a aceitação. Eram rígidas as regras dos jesuítas então. Havia um afastamento da família, ausência no Natal… custou.”
Mas apesar de todas as exigências próprias da vida religiosa, o P. Nuno soube manter-se próximo da família e dos amigos. Ao domingo à noite, telefona para cada um dos seus familiares e fica a par das novidades. “Naquele seu tom reservado e sereno. Um porto seguro, sempre”, enfatiza Margarida. A estes telefonemas, juntam-se hoje as crónicas romanas que regularmente envia a amigos e familiares partilhando o que de mais significativo vai passando na sua vida, num tom descontraído, cheio de pequenos detalhes e humor.
A discreta proximidade, o humor cirúrgico
O P. Nuno é descrito por muitos como um homem discreto, talvez até um pouco distante. Mas a sua sobrinha Madalena Neto, estudante de medicina, vê as coisas de modo diferente. “A sua personalidade reservada, a meu ver, requer tempo para ser descoberta e compreendida”, diz a sobrinha, explicando a atenção subtil do tio às pessoas e aos mais pequenos pormenores. “Sabe dizer o número e a disposição exacta de cada um dos objectos que existem na sala de estar da casa onde viveu, até entrar na Companhia e onde já não vive há bastante tempo”. Mas esta atenção ao pormenor é ainda mais delicada no que diz respeito às pessoas. “Estando atento aos interesses e necessidades de cada um”, sublinha a sobrinha.
Este lado mais terno e difícil de perscrutar no P. Nuno manifesta-se numa história cheia de ternura. Quando era criança e descobriu de onde vinham os presentes de Natal, prometeu à mãe que nunca revelaria o segredo às irmãs. Cumpriu a promessa, e apenas a desfez, quando já todos eram crescidos, no dia da missa de corpo presente do velório da sua mãe. O que todos lhe reconhecem na família e entre os companheiros jesuítas é um sentido de humor cirúrgico e certeiro. Bem sabem que um longo silêncio à mesa, atento às conversas, pode ser interrompido por uma piada precisa e que, sem magoar, coloca o dedo na ferida e enche o ambiente de riso.
Os amigos e companheiros jesuítas sabem que um longo silêncio à mesa, atento às conversas, pode ser interrompido por uma piada precisa e que, sem magoar, coloca o dedo na ferida e enche o ambiente de riso.
Uma secretária sempre impecável
Outra qualidade que todos lhe reconhecem é a enorme organização e capacidade de trabalho. Na sua secretária nenhum papel está fora do sítio. Dá a impressão de que nunca há assuntos pendentes, todos os emails são respondidos na hora, e de que nada fica para amanhã. Foi assim como Diretor da Faculdade de Filosofia em Braga (2000-2005) e depois como Padre Provincial de 2005-2011. Já em Roma, primeiro ligado ao Instituto Histórico e agora como Reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana mantém, certamente, estas qualidades.
O P. Domingos Freitas sj foi o seu braço direito (aquilo em que linguagem da Companhia se chama Sócio) nos dois últimos anos em que esteve como provincial. Já tinha colaborado com ele na Faculdade Filosofia, sendo o P. Nuno Diretor e o P. Domingos coordenador dos estágios pedagógicos. Destas duas experiências, guarda a imagem de uma pessoa “atenta, próxima, afável, de trato fácil, com uma enorme capacidade de trabalho, de discernimento e visão”. Aliado a tudo isto reconhece nele “uma profundidade humana e espiritual na vivência da sua vocação e da sua consagração a Jesus Cristo”.
Um investigador meticuloso ao serviço da Igreja
Apesar de diversos anos em cargos de direção, o P. Nuno também dedicou longos períodos da vida à investigação. A sua tese de doutoramento, publicada pela Brotéria em 1996 estudou a missão dos jesuítas em Cabo Verde. Além disso, abordou nas suas investigações temas como a escravatura e a missionação no Oriente. Parte do reconhecimento que constitui a condecoração atribuída está ligada à sua dedicação a este campo da investigação histórica.
D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa e Presidente da Conferência Episcopal, acompanhou o trabalho do P. Nuno no Centro de Estudos de História Religiosa, considerando “notável a sua colaboração, sempre com prontidão e competência”. Como presidente da Conferência Episcopal afirma que “o país muito ganha com o reconhecimento internacional da sua personalidade e prestação. Pela primeira vez, temos um compatriota à frente da tão justamente prestigiada Pontifícia Universidade Gregoriana.”
Discreto, mas convicto
Em 2011, depois de seis anos a exercer o cargo e Padre Provincial, o P. Nuno Gonçalves foi para Roma, para a Pontifícia Universidade Gregoriana, como professor, onde exerceu o cargo de diretor da Faculdade de História e dos Bens Culturais da Igreja. Desde setembro de 2016 é o reitor desta prestigiada instituição de ensino.
Ao longo destas linhas foi-se desenhando o perfil de um homem discreto e sereno. Mas isso não significa que não seja afirmativo e claro no exercício da sua liderança e na afirmação das suas convicções. Numa entrevista ao Jornal de Notícias em Agosto de 2016, semanas antes da sua tomada de posse como Reitor da Gregoriana, denunciava “a tentação do Estado procurar o monopólio da educação”, numa altura em que Portugal vivia tempos conturbados no setor educativo. Sobre a vida da Igreja enfatizava: “Este Papa evita respostas fáceis.” É agora com Francisco que o P. Nuno Gonçalves por vezes se encontra, uma vez que o cargo que desempenha – reitor da Universidade Gregoriana – é escolhido pelo próprio Papa.
Talvez o P. Nuno, na sua persistente timidez e discrição, não esperasse esta condecoração. Mas foram também a sua tenacidade e fidelidade no trabalho do dia a dia que levaram a este reconhecimento. Uma homenagem que a Companhia de Jesus recebe com gratidão e alegria.
Para terminar, um resumo da missa de inauguração do ano Académico 2017/2018 na Universidade Gregoriana (em língua italiana).
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.