A 17 de abril de 1920, faz hoje cem anos, nascia em Seixo de Ansiães, no distrito de Bragança, aquele que viria a ser o Padre Júlio Fragata, da Companhia de Jesus. Foi professor na Faculdade de Filosofia de Braga, antes e depois de a mesma estar integrada na Universidade Católica Portuguesa; foi também professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Júlio Moreira Fragata fez os seus estudos em Guimarães, Braga, Granada, Innsbruck e Roma. Aqui, na Universidade Gregoriana, apresentou e defendeu, em 1954, uma tese de doutoramento sobre A Fenomenologia de Husserl como Fundamento da Filosofia, um trabalho ainda hoje digno de ser lido com atenção, e que ao longo de gerações tem introduzido muitos leitores de língua portuguesa nos arcanos da fenomenologia husserliana, uma das escolas de pensamento mais profícuas dos últimos cem anos. Para além de Reitor da comunidade apostólica e de formação que a Companhia de Jesus tem em Braga desde os anos trinta do século passado, o Padre Júlio Fragata, entre 1971 e 1977, foi também o Superior Maior (Provincial) de todos os Jesuítas pertencentes à Província Portuguesa da Companhia de Jesus, então espalhados do Minho a Timor.
Um filósofo de gema, cuja intuição de fundo repetia com ênfase no seu curso de Ontologia: «ser, é ser para sempre»; um Jesuíta de verdade, servidor generoso e fiel da missão de Cristo.
Como professor e investigador, o Padre Júlio Fragata ficou conhecido não só pelo seu grande rigor, mas também pela sua criatividade, coisa de que dão testemunho muitos dos seus antigos alunos e os valiosos textos que publicou, por exemplo, na Revista Portuguesa de Filosofia. Como Superior Religioso, realidade que não me tocou experimentar, o Padre Fragata era conhecido, diziam-me, pela sua grandíssima humanidade, seriedade de estilo e, ao mesmo tempo, abertura de espírito e prodigiosa capacidade de se auto descentrar na pessoa do interlocutor. Mas sem nunca deixar de ser testemunha da exigência que consigo trás o amor e a missão de Cristo. Como Provincial, penso ser sobretudo a ele que se devem importantes transformações ainda vigentes na Província Portuguesa da Companhia de Jesus, entre as quais as seguintes: mudança do Noviciado de Soutelo, um (relativo) idílio campestre, para o meio do bulício coimbrão, um retorno às origens da Companhia de Jesus em Portugal, a parábola perfeita do que seja a importância, já desde Santo Inácio de Loyola, do meio universitário e estudantil como campo privilegiado de ação da Companhia de Jesus. Foi também durante o seu tempo como Superior Provincial que se chegou a um renovado reconhecimento da importância estratégica e estrutural para o futuro da Igreja em Portugal da chamada margem Sul do Tejo, pois foi graças à sua liderança que, para além de terem voltado a Coimbra, cidade Universitária por excelência, os Jesuítas voltaram uma vez mais ao Algarve. Para além do afeto que temos por este grande homem, a verdade é que a sua liderança exercida há cerca de quatro dezenas de anos ainda hoje perdura nos esquemas apostólicos que a Companhia de Jesus mantém em Portugal.
Pessoalmente, não esqueço muito do que do Padre Fragata aprendi, sobretudo em âmbitos como a Ontologia e a chamada Teologia Natural; não esqueço a sua generosidade ao aceitar-me como assistente, embora depois, pela infelicidade que foi a da sua prematura morte, o tivesse, de certo modo, de substituir; mais que tudo, não esqueço a conversa de uns 2-3 minutos que, em finais de setembro de 1980, encontrando-me de surpresa num espaço conhecido como das «sete portas», e tendo por justo motivo sabido da minha decisão de entrar no noviciado da Companhia de Jesus, decisão para mim nada fácil de tomar, ele fez questão de me dizer palavras que, iluminando-me a alma, são ainda agora impossíveis de relatar. Em 1985, no dia da festa de São João Evangelista, depois de um longo Calvário, entre outros assistido no levar da sua cruz pelo Irmão Eliseu Candeias, o Padre Júlio Fragata, acompanhado por vários membros da comunidade a que sempre dedicou o melhor de si, morria entre orações marianas e cânticos de Aleluia! Hoje, a cem anos do seu nascimento em terras de Trás-os-Montes, continuo a pensar que a sua existência foi não só a de um brilhante intelectual, mas sobretudo a de um santo, ou seja, a de alguém profundamente integrado no mistério de Cristo. As muitas pessoas que o conheceram, seja como estudantes seja como participantes em retiros ou outros eventos eclesiais, sempre souberam, desde o primeiro momento, que com o Padre Fragata se estava na presença de um homem completamente fora-de-série: inteligente e bondoso, atento e compreensivo, mas também profunda e radicalmente exigente. Um verdadeiro mestre, portanto. Um filósofo de gema, cuja intuição de fundo repetia com ênfase no seu curso de Ontologia: «ser, é ser para sempre»; um Jesuíta de verdade, servidor generoso e fiel da missão de Cristo.
Fotografia de destaque: Miradouro da Senhora da Costa, Seixo de Ansiães. Fonte: Site do Município de Carrazeda de Ansiães.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.