Papa Francisco, tensões, eleições e esperança

O Papa Francisco foi, acima de tudo, um pastor profundamente político. Não se pode seguir Cristo e, ao mesmo tempo, ignorar os pobres, excluir migrantes, destruir a criação ou relativizar a dignidade humana.

O Papa Francisco foi, acima de tudo, um pastor profundamente político. Não se pode seguir Cristo e, ao mesmo tempo, ignorar os pobres, excluir migrantes, destruir a criação ou relativizar a dignidade humana.

A partida do Papa Francisco apanhou-nos de surpresa e surge num momento particularmente sensível. A economia global atravessa uma fase de enorme imprevisibilidade, as relações internacionais estão em crescente tensão e Portugal vive uma campanha eleitoral marcada por ruído, polarização e uma sensação de fadiga democrática. Neste contexto, o inesperado falecimento do Papa pode ser mais do que uma simples coincidência, sendo, talvez, um apelo.

Francisco nunca se afastou do mundo, mesmo nos momentos mais difíceis, manteve acesa a chama da esperança. E é precisamente agora, num contexto global desafiante, que nos deixa. Mas mais do que um luto, a sua partida parece ser uma interpelação, uma convocação para a pausa, para a escuta, para a escolha consciente.

O Papa Francisco foi, acima de tudo, um pastor profundamente político — no melhor e mais autêntico sentido da palavra. Não porque se envolvesse diretamente em partidarismos, mas por afirmar, sem rodeios, que o Evangelho tem implicações concretas na vida pública. Não se pode seguir Cristo e, ao mesmo tempo, ignorar os pobres, excluir migrantes, destruir a criação ou relativizar a dignidade humana. Essa coerência esteve presente até aos seus últimos dias. Em fevereiro, voltou a dizê-lo com clareza, numa carta aos bispos dos Estados Unidos: pediu-lhes que defendessem os migrantes e refugiados, criticou as políticas de deportação em massa e apelou a uma sociedade mais fraterna. É difícil não ver um simbolismo no facto de o seu último ato público ter sido precisamente uma audiência com J.D. Vance, o atual vice-presidente dos EUA. Um claro sinal de que Francisco nunca deixou de enfrentar, de frente, os desafios do tempo.

É difícil não ver um simbolismo no facto de o seu último ato público ter sido precisamente uma audiência com J.D. Vance, o atual vice-presidente dos EUA. Um claro sinal de que Francisco nunca deixou de enfrentar, de frente, os desafios do tempo.

No seu estilo direto e despojado, com escolhas ousadas, como visitar refugiados em Lampedusa ou lavar os pés a reclusos, foi um testemunho de uma fé concreta e consequente. A sua crítica à indiferença, à “globalização da indiferença” e às idolatrias não era apenas uma denúncia moral; mas antes uma proposta nobre e urgente, no fundo, encarar a política e a preocupação social como uma expressão de amor ao próximo.

Para Francisco, votar, legislar, proteger, cuidar, abrir portas ou ir às periferias — tudo isso fazia parte de uma missão única: colocar a dignidade humana no centro da ação política e social.

Hoje vivemos rodeados de palavras, e em plena campanha eleitoral, ouvimos promessas, slogans, indignações rápidas, denúncias anónimas e silêncios calculados. Tudo parece gritar. Entre tanto barulho, a morte de Francisco é um silêncio que interpela. Um convite para parar. Parar para escutar. Escutar de verdade. Não apenas as vozes que nos convêm, mas a voz dos outros, a voz da nossa própria consciência, a voz dos tempos.

E no turbilhão das campanhas, das polarizações e das sondagens, é fácil esquecer o essencial. Mas Francisco ensinou-nos que a verdade não se impõe com estrondo. Sussurra. E para a ouvir, é preciso silêncio, silêncio interior, é preciso discernimento.

Escutar, em tempos como os que vivemos, é um autêntico acto de resistência. É uma forma de recusar a política do medo, da reação fácil e do “todos contra todos”. Escutar é também, neste contexto, preparar um voto que não seja fruto de frustração ou de um desejo de vingança, mas antes um voto responsável, fundamentado, alicerçado em valores sólidos e humanos.

Francisco deixou-nos talvez num último gesto profético, ao convocar para 2025 um Ano Jubilar com o lema “Peregrinos de Esperança”. Um convite não apenas para a Igreja, mas para todos: um convite a resistir à desesperança, à apatia e ao ódio. Ser “peregrino” é reconhecer que não se chega sozinho. E a “esperança” que o Papa nos pediu não é uma emoção passageira, mas uma escolha: caminhar com os outros, recomeçar, reconciliar, cuidar. Este Jubileu, tal como o voto, exige que cada um de nós se pergunte: que país queremos ser? Que caminhos estamos dispostos a percorrer?

Este Jubileu, tal como o voto, exige que cada um de nós se pergunte: que país queremos ser? Que caminhos estamos dispostos a percorrer?

A partida de Francisco não é apenas uma perda para os católicos. É, acima de tudo, um desafio para todos os que acreditam numa sociedade mais justa, mais fraterna, mais humana. E em Portugal, num momento decisivo como o que vivemos, talvez seja o momento de refletirmos sobre quais as propostas que realmente colocam os mais vulneráveis no centro. Quem defende os mais frágeis, os invisíveis? Quem está verdadeiramente comprometido com a justiça social, com a sustentabilidade, com o futuro das novas gerações? Quem escolhe fazer pontes e diálogo em vez do conflito e da agressão?

Não se trata de canonizar candidatos ou sacralizar o voto, mas de aplicar critérios. O voto é, também, um acto ético. A melhor homenagem que podemos prestar a Francisco talvez seja esta: escolher com critério, votar em consciência e, assim, continuar esse caminho da esperança.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.