Assinala-se hoje, dia 29 de julho, o 165º aniversário do nascimento do Padre Cruz, jesuíta conhecido pela sua fama de santidade, e cujo processo de canonização decorre agora na Santa Sé. O Ponto SJ recupera, por isso, este texto, publicado a 14 de dezembro de 2020 (altura em que foi encerrada a fase diocesana da causa de canonização), que dá a conhecer a vida e a obra deste jesuíta a quem, em vida, já chamavam “Santo” Padre Cruz.
Ao quinto dia de vida, o bebé sofreu uma septicémia. Há 56 anos, um diagnóstico desta natureza num recém-nascido era sinónimo de morte quase certa, mas, ainda assim, os pais de Nuno Vilallonga seguiram os conselhos da médica da clínica da Liga dos Amigos dos Hospitais, onde a criança nascera, em Lisboa, e levaram-na para casa, na esperança de lhe salvar a vida. No início de agosto de 1964, foi então montado um verdadeiro hospital na casa da família e o bebé ficou entregue aos cuidados da médica Maria Helena Candeias. Ao Ponto SJ, Nuno Vilallonga relata agora o que sempre ouviu a família contar sobre este momento: “as pessoas que passavam lá em casa para saber de mim, amigos, familiares, vizinhos, coincidiam todas a dizer que tinham rezado muito ao Padre Cruz. Na altura, a minha mãe achou aquilo estranho, pois essas pessoas não se conheciam, algumas nem prática religiosa tinham”.
A verdade é que a criança se salvou e, dois meses após o nascimento, estava a sua mãe com uma pagela do Padre Cruz na mão quando se deu conta de que o filho Nuno nascera no mesmo dia daquele a quem já chamavam ‘Santo’: 29 de julho. Fez então uma associação de ideias imediata: a vida do bebé tinha sido salva graças às orações que tantos tinham feito a pedir a intercessão do Padre Cruz, que já era alvo de uma forte devoção popular em todo o país, embora só tivesse morrido há 16 anos, a 1 de outubro de 1948.
Esta história chegou hoje à caixa de mensagens do Facebook dos Jesuítas em Portugal, agora que faltam três dias para ser encerrada a fase diocesana do processo de canonização do servo de Deus, Francisco Rodrigues da Cruz, conhecido como Padre Cruz. O relato é feito na primeira pessoa, por Nuno Vilallonga, hoje com 56 anos, que considera que a sua vida é um milagre de Deus concedido através da intercessão do sacerdote jesuíta. Este testemunho é também uma prova, não só da abundância de pessoas que foram tocadas e transformadas pelo Padre Cruz, seja ao longo da sua vida, seja após a sua morte, mas também das inúmeras histórias que estão ainda por contar e que podem ser associadas à sua intercessão. E, quem sabe, contribuir para a causa da sua beatificação e, posteriormente, canonização.
Este testemunho é também uma prova, não só da abundância de pessoas que foram tocadas e transformadas pelo Padre Cruz, seja ao longo da sua vida, seja após a sua morte, mas também das inúmeras histórias que estão ainda por contar e que podem ser associadas à sua intercessão.
Nuno acredita que o “milagre” que lhe aconteceu nem foi reportado pelos pais à Causa de Canonização do Padre Cruz, onde foram registados, ao longo dos anos, os milhares de relatos de graças que os devotos dizem ter recebido do Padre Cruz. E onde continuam a chegar, por email ou por carta e vindos de todos os cantos do mundo, testemunhos de vidas marcadas pelo seu exemplo e intervenção. Mas o cantor de ópera profissional mostra-se agora totalmente disponível para contar publica e detalhadamente a sua história, bem como para recolher os registos que ainda existam sobre o seu processo clínico no hospital onde nasceu. Nuno lembra ainda que as médicas que cuidaram de si ainda são vivas e podem atestar com maior rigor aquilo que sempre ouviu a família contar. “Dizem que um milagre, para ser validado (pela Santa Sé), tem de ser duradouro. Mais duradouro do que a minha vida, já com 56 anos, não pode existir!”, afirma, entusiasmado com o impulso que o processo de canonização ganhou recentemente.
Este episódio registado no início da vida de Nuno veio a marcá-lo profundamente, até em coisas práticas, como a celebração anual do seu aniversário. “A partir do momento em que percebeu que eu tinha sido salvo pelo Padre Cruz, a minha mãe foi todos os anos ao cemitério de Benfica (onde está sepultado o P. Francisco Rodrigues da Cruz) no dia 29 de julho. Era, aliás, a primeira coisa que fazíamos no dia dos meus anos”, conta Nuno, que ainda hoje mantém a tradição de visitar o jazigo do jesuíta no dia do seu (do próprio e do candidato a santo) aniversário. Curiosamente, o seu pai também nasceu no mesmo dia 29 de julho, outra coincidência que não é de menosprezar.
Afirmando-se católico, apostólico romano, e atualmente a fazer a licenciatura em Teologia, Nuno Vilallonga acolhe com alegria a notícia de que fica agora terminada a fase diocesana do processo e que se inicia a fase romana, a desenvolver no Vaticano. Já reservou até a tarde da próxima quinta-feira, dia 17, para assistir in loco à sessão de clausura do Inquérito Diocesano do Processo de Canonização, marcada pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, para as 15 horas na igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa. Uma cerimónia solene em que serão encerrados e lacrados os documentos que serão posteriormente enviados para a Congregação para as Causas dos Santos, em Roma, e onde haverá intervenções dos responsáveis da Companhia de Jesus e do Patriarcado de Lisboa, bem como um momento de oração e de intervenção musical.
Milhares de graças atribuídas ao Padre Cruz em vida e após a morte
Na sede da Causa de Canonização do Padre Cruz, na rua da Madalena, em plena baixa pombalina, estão armazenados os relatos de centenas de milhares de graças e bênçãos que foram testemunhadas e enviadas pelos devotos, ainda antes de o processo de canonização ter sido iniciado, em Lisboa, a 10 de março de 1951, dois anos após a morte do Servo de Deus. Estes registos, bem como cartas e bilhetes, enchem, atualmente, cerca de 23 livros encadernados e dispostos cronologicamente nas estantes deste espaço, mas os relatos das graças começaram a ser registados logo em fevereiro de 1949, com a publicação de uma revista com essa informação, que ainda hoje é publicada com o mesmo intuito.
A primeira publicação da revista com as graças do Padre Cruz (o número 1, do ano 1, em fevereiro de 1949) começa com o testemunho de uma graça concedida em vida ao cónego João Nunes Ferreira, no momento que sofreu um pequeno acidente e teve de receber tratamento hospitalar para tratar uma lesão no nariz. Relatada no dia 5 de janeiro de 1949, esta história refere o comentário do Padre Cruz quando soube do sucedido e perante a amargura e a aflição do sinistrado: “Descansem, não lhe acontece mal nenhum, é só um susto porque o Sagrado Coração de Jesus não o permite”. E assim foi.
O segundo relato, que chega pela voz de Luiza Cabral e é registado na segunda página desta publicação, é de igual relevância e demonstra bem o tipo de graças que se atribuem ao Padre Cruz com mais frequência: a cura de doentes. Dita assim: “Estando um dia no campo muito ralada por ter um dos meus netos muito doentinho havia 4 dias com febre muito alta, dores de cabeça e vómitos, receando-se uma febre tifóide, tive que vir a Lisboa por um motivo urgente. Encontrei na rua o Santo Padre Cruz que me não conhecia; dirigi-me a ele e pedi-lhe para rezar pelo meu doentinho. Sorriu, bateu-me no ombro e disse-me: ‘Vá para casa, que ele está bom’. Quando cheguei à quinta, estava a minha nora ao portão para me dizer que a febre tinha desaparecido e o pequeno estava óptimo”.
Nesta casa da Rua da Madalena estão também guardados os bens pessoais do Padre Cruz, que se resumiam a poucas coisas – chapéus, bengalas, uma capa, uma batina, o breviário, livros de orações, mantas, utensílios para a barba e a máscara mortuária feita à hora da sua morte -, bem como as fotografias e as centenas de cartas que ia trocando com todos os que pediam a sua ajuda e intervenção. Nelas leem-se palavras de agradecimento pelo conselho, orientação e intervenção na resolução de problemas de saúde, familiares ou espirituais, mas também autênticas súplicas e preces de quem, desesperado e em grande aflição, pede auxílio a um sacerdote especial e amado por tantos.
Os registos históricos confiados à Causa do Padre Cruz incluem também pagelas com orações em várias línguas – até em chinês e japonês! – lápides com mensagens de agradecimento pela sua intercessão, retratos e pinturas do ‘santo’ , bem como edições dos jornais da época que dão conta do acontecimento nacional que foi a sua morte e a celebração das exéquias fúnebres, com a capital do país a parar para lhe prestar homenagem.
A poucos metros do edifício que reúne tudo o que ao Padre Cruz diz respeito, em pleno Largo do Caldas, a atual sede nacional do CDS acolhe também um espaço importante por onde ainda passa a devoção ao jesuíta. É no edifício que agora reúne o CDS que se encontra o quarto onde o Padre Cruz viveu os seus últimos anos de vida, outrora a casa das senhoras Caldas, três irmãs que eram muito amigas do Padre Cruz e cuidaram dele numa fase em que a sua saúde era já muito débil. O espaço que ainda recebe visitas dos fiéis devotos permanece intacto, com a cama, a mesa de cabeceira, a cadeira e uma cómoda onde estão depositadas flores e vários quadros com fotografias de pessoas que sentem que foram alvo da intervenção do Servo de Deus.
Outro sinal visível da devoção que o Padre Cruz ainda mantém junto de muitos milhares de pessoas por todo o país é a romaria ao cemitério de Benfica que acontece anualmente nos dias em que se assinala o aniversário do seu nascimento (29 de julho) e da sua morte (1 de outubro). Nesses dias festivos, acorrem ao local muitas dezenas de pessoas para participar na eucaristia que é celebrada na capela do Cemitério e para rezar junto ao jazigo da Companhia de Jesus que é aberto nestas ocasiões para que os fiéis possam rezar junto ao corpo do falecido. Alguns desses fiéis, principalmente os de mais idade, chegam em viagens organizadas, de autocarro, e viajam de vários pontos de Portugal.
Atesta quem trabalha no cemitério que esta devoção se mantém ativa, embora com menos expressão do que antigamente, e que diariamente aparecem devotos que rezam e colocam flores junto ao jazigo. Também a casa em que o Padre Cruz nasceu, em Alcochete, e que ainda pertence à família, continua a merecer a atenção e a curiosidade de muitos, tal como a pia batismal da Paróquia de São João Batista, onde foi batizado e que gostava de beijar com regularidade.
“Era só padre, somente padre e totalmente padre”
O vice-postulador da Causa de Canonização do Padre Cruz resume numa frase a vida e a personalidade do Padre Cruz: “era só padre, somente padre e totalmente padre“. Com isto, o P. Dário Pedroso sublinha o que considera ser a verdadeira vocação do jesuíta: testemunhar Jesus mais pela sua vida do que pela palavra. Francisco Rodrigues da Cruz fazia-o com fervor apostólico, uma imensa paciência e muito espírito de sacrifício, viajando pelo país todo, indo onde o chamassem para atender todos os casos, em particular os mais difíceis que só com ele pareciam ter solução. Atendia as pessoas, confessava-as, intercedia por elas, celebrava a eucaristia e, de forma muito particular, visitava os mais frágeis da sociedade. Da sua vida apostólica destacam-se as visitas que fazia aos presos e aos doentes, em todas as terras por onde passava, mas em particular em Lisboa, no Limoeiro (cadeia masculina) e nas Mónicas (cadeia feminina).
O P. Dário Pedroso sublinha também a intensa vida de oração que caracterizava o sacerdote que, apesar de ter desejado ser jesuíta durante todo a sua vida, só viu o seu desejo concretizado quase no final da sua vida, em 1940, num dia muito especial: 3 de dezembro, dia de São Francisco Xavier, irmão jesuíta em quem buscava grande inspiração. Aos 81 anos fez então os seus votos no Seminário da Costa, em Guimarães.
A sobrinha bisneta do P. Francisco Rodrigues da Cruz destaca também o particular interesse que o tio tinha pelos mais pobres, numa altura em que as prisões eram locais onde se assistia ao retrato mais baixo da miséria humana. Conceição Barreira de Sousa recorda o que ouviu contar através da família, em particular da mãe que foi enfermeira do Tio Padre Cruz no final da sua vida, e recorda alguns dos muitos episódios que ficaram até registados em livros. Como por exemplo, aquele em que o tio apareceu em casa de um sobrinho a pedir que lhe emprestasse umas calças, pois tinha acabado de dar as suas a um pobre que estava na rua “com as carnes à mostra”. Imediatamente o sobrinho se dispôs a comprar umas calças novas para o tio, mas este recusou, preferindo vestir umas que já eram usadas.
Como esta, são inúmeras as histórias atribuídas ao Padre Cruz e que são relatadas em alguns livros, entre os quais a obra “Odisseia do Amor”, escrita pelo P. Dário Pedroso, atual vice-postulador da Causa de Canonização.
Principais datas da vida do Padre Cruz e do seu processo de canonização
Nascimento: 29-7-1859
Estudos Secundários em Lisboa: 1868-1875
Universidade de Coimbra: 1875-1880
Ordenação Sacerdotal: 3-6-1882
Diretor do Colégio dos Órfãos: 1886-1894
Diretor espiritual em S. Vicente de Fora: 1896-1903
Entrada na Companhia de Jesus: 3-12-1940
Madeira e Açores: 1942
Morte em Lisboa: 1-10-1948
Processo de Canonização em Lisboa: 10-3-1951 a 26-6-1965
Entregue à Santa Sé: 17-9-1965
Aprovação dos Escritos: 30-12-1971
Missa 150 Anos Nascimento Pe. Cruz: 28-02-2010 (vídeo)
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.