Os cardeais de Francisco

Reúne esta quinta-feira, dia 28, o quinto consistório do pontificado do Papa Francisco. A jornalista Rita Garcia tem acompanhado de perto o pontificado de Francisco e faz uma análise das suas escolhas para cardeais.

Reúne esta quinta-feira, dia 28, o quinto consistório do pontificado do Papa Francisco. A jornalista Rita Garcia tem acompanhado de perto o pontificado de Francisco e faz uma análise das suas escolhas para cardeais.

Nenhum dos 75 príncipes da Igreja criados pelo Papa argentino foi escolhido ao acaso. Bergoglio nomeou homens de 15 países que nunca tinham tido assento no Colégio de Cardeais. Foi buscá-los a dioceses pequenas, a lugares onde o trabalho com os pobres é uma prioridade e a países onde os católicos são uma minoria, tantas vezes perseguida. Tudo para garantir que o próximo Papa será escolhido por uma Igreja verdadeiramente universal

O cardeal da bicicleta

Konrad Krajewski preparava-se para sair do Vaticano de bicicleta, quando o alertaram: era bom que ficasse atento ao que o Papa Francisco iria dizer nesse domingo de Pentecostes, quando aparecesse à janela do apartamento pontifício para a oração do Regina Coeli. Don Conrado, como é conhecido entre os sem-abrigo de Roma, estranhou o pedido, mas pôs-se à escuta. Com total surpresa, ouviu o seu nome ser mencionado na lista dos 14 novos cardeais anunciados então pelo Pontífice (entre os quais constava também o português D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima). O polaco ficou estupefacto.

Desde a criação do cargo de esmoler do Papa entre os séculos XII e XIII, nunca o responsável pelas obras sociais do sucessor de Pedro recebera o barrete vermelho. Habituado a percorrer os piores bairros de Roma e a viver rodeado dos mais pobres,  Krajewski recebeu com estranheza a nomeação: não fazia mais do que pôr em prática a vontade do Papa, o mérito era todo de Francisco, não dele, repetiu. Nada a fazer. Percebeu que no dia 29 de Junho iria mesmo passar a fazer parte do Colégio dos Cardeais, com direito a voto no próximo Conclave. Sem alternativa, lembrou-se do que dizia o falecido padre Dolindo Ruotolo, sempre a que estava em apuros: “Jesus, ocupa-te tu disto.”

A escolha de Krajewski foi tudo menos aleatória. Os 227 cardeais (dos quais 126 eleitores) são conselheiros diretos do Papa. Daí que a sua nomeação reflita a agenda do líder católico em exercício.

Ao indicar o polaco Krajewski , Francisco manteve-se fiel ao que disse nos primeiros dias do seu Papado: quer uma Igreja pobre, para os pobres.

Rita Garcia

Em entrevista à Reuters, explicou melhor a sua intenção. “Penso que o Papa tem dois longos braços — o de guardião da fé, e aí o trabalho é feito pela Congregação para a Doutrina da Fé, e o Prefeito tem de ser cardeal. O outro longo braço é o esmoler, e também é importante que seja um cardeal. Estes são os dois braços do papa — a fé e a caridade”, disse Francisco. Por essa razão, Bergoglio vai entregar ao mesmo tempo o barrete vermelho ao novo Prefeito daquele Congregação, o jesuíta espanhol Luis Ladaria, e ao seu esmoler, Konrad Krajewski.

Mais universalidade 

Contando com os nomeados do Consistório de 29 de Junho, este Papa já criou 75 cardeais. Embora nem todos sejam eleitores, por já terem ultrapassado os 80 anos, se houvesse hoje um Conclave, 47 por cento dos homens com assento na Capela Sistina já teriam sido escolhidos ele. Francisco disse no ano passado que gostaria que o Colégio de Cardeais fosse “verdadeiramente católico” no fim do seu Pontificado. Isso implicou mudanças, que têm passado por reduzir o peso dos europeus em geral, e dos italianos, em particular; ir buscar elementos às dioceses mais periféricas e a países habitualmente excluídos; e também distinguir os pastores com uma ação próxima dos fiéis — os tais pastores com cheiro a ovelha de que o Papa fala.

Ao fim de cinco Consistórios, as alterações são significativas. De acordo com o Pew Research Center, no Conclave que elegeu Francisco em 2013, 52% dos cardeais eram europeus. Se fosse hoje, não excederia os 42%. Há cinco anos, a distribuição dos eleitores por continentes era a seguinte: 60 europeus (dos quais 28 italianos), 17 oriundos da América do Norte, 16 de América Latina, 11 africanos, 10 asiáticos e um da Oceania. Hoje, comparativamente, há menos cinco europeus (e menos seis italianos), o mesmo número de cardeais da América do Norte, mais dois latino-americanos, mais cinco africanos e outros tantos asiáticos e mais um da Oceânia.

Se é um facto que, ainda assim, o país onde Francisco selecionou mais cardeais foi a Itália, com 13 nomeados, também é verdade que foi buscar elementos a 15 países onde nunca ninguém antes recebera a birreta (o chapéu que distingue os Príncipes da Igreja). É o caso do Laos, da Suécia e do Tonga, entre muitos outros. Isto significa que as comunidades das periferias passam a estar mais representadas na escolha do próximo Papa. Os mais cínicos dirão que dificilmente estes homens terão peso e apoio suficiente para ascender à cadeira de Pedro, mas o facto é que essa passa a ser, pelo menos, uma possibilidade maior do que até agora.

 

Bergoglio tem tido ainda outra particularidade. Com ele, não há dioceses onde os titulares cheguem automaticamente ao cardinalato, como acontecia com Milão, Turim, Veneza, Paris, Baltimore, Filadélfia e Los Angeles. Francisco prefere as dioceses mais pequenas e esquecidas

Rita Garcia

Bergoglio tem tido ainda outra particularidade. Com ele, não há dioceses onde os titulares cheguem automaticamente ao cardinalato, como acontecia com Milão, Turim, Veneza, Paris, Baltimore, Filadélfia e Los Angeles. Francisco prefere as dioceses mais pequenas e esquecidas. Em 2014, por exemplo, nomeou um cardeal para Les Cayes, no Haiti, e deixou de fora Port-au-Prince. Este ano, em Itália, continuou a deixar de fora as grandes cadeiras e, no entanto, atribuirá a mesma distinção ao monsenhor Giuseppe Petrocchi, de Áquila, como reconhecimento pelo trabalho realizado junto das comunidades afetadas pelo sismo de 2009.

Há exemplos paradigmáticos deste esforço para garantir um maior equilíbrio entre as nacionalidades: desde que foi eleito, Francisco só escolheu dois representantes dos Estados Unidos, Blase Cupich e Joseph Tobin. Ao que tudo indica, o Papa poderá considerar que este país está sobre-representado no Colégio — é a segunda nação de todo o mundo com mais cardeais, apenas atrás da Itália.

Escolhas que refletem prioridades 

Este Pontífice tem ainda demonstrado uma atenção particular às comunidades perseguidas de católicos. Por isso colocou agora no topo da sua lista Louis Raphael Sako, o patriarca da Babilónia e Caldeia, alertando para o sofrimento dos católicos do Iraque, e Joseph Coutts, o arcebispo de Karachi, no Paquistão. Em 2016, dera sinal do seu apoio ao povo sírio ao dar o barrete vermelho a Mario Zenari, núncio da Santa Sé naquele país.

Entre os cardeais que serão nomeados no Consistório de 29 de Junho, há uma escolha curiosa: o jesuíta peruano Pedro Barreto, que encarna as preocupações ambientais  várias vezes manifestadas pelo Papa argentino. Barreto é um ativista enérgico pela defesa da Amazónia, membro da Rede Eclesiástica PanAmazónica. Ao escolhê-lo, Bergoglio volta a chamar a trazer esta matéria à sua agenda.

D. António Marto está muito próximo do perfil de bispo defendido pelo Pontífice: um homem acessível os fiéis, capaz de falar com linguagem simples sobre os grandes mistérios da fé; e sem os vícios e as vaidades que Bergoglio apontou a alguns Príncipes da Igreja.

Rita Garcia

Resta D. António Marto: muito se tem escrito sobre a distinção do bispo de Leiria-Fátima, o segundo cardeal português da era de Francisco (o primeiro é D. Manuel Clemente). Há quem considere a sua nomeação uma forma de agradecimento pela visita papal do ano passado, quem entenda que é um sinal da devoção de Bergoglio à Virgem de Fátima e quem, como Paulo Mendes Pinto, veja esta seleção como uma chamada de atenção à fação mais conservadora do episcopado português.

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D. António Marto - Agência Ecclesia

Francisco não falou publicamente sobre o assunto. Há, no entanto, uma questão que não deve ser menosprezada. D. António Marto está muito próximo do perfil de bispo defendido pelo Pontífice: um homem acessível os fiéis, capaz de falar com linguagem simples sobre os grandes mistérios da fé; e sem os vícios e as vaidades que Bergoglio apontou a alguns Príncipes da Igreja. Sem isto, provavelmente Marto não seria cardeal agora.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.