As crises revelam a fortaleza das qualidades, mas também a fraqueza das debilidades, tornando mais evidente os fracassos e erros do sistema. Desde março de 2020 que vivemos em estado de emergência, quase ininterrupto, e, por isso, ainda que tenhamos “salvo” a praia e o Natal, vivemos em constante estado de crise.
Esta crise tem revelado o forte carácter e sentido de missão cívica dos profissionais de saúde, assim como de tantos outros setores da sociedade que mantêm o país em funcionamento. Todavia, creio que é devida uma palavra meritória de reconhecimento às escolas e aos professores, que têm demonstrado um sentido profissional de sacrífico e criatividade, discreto e herculano. Aliás, essa é a definição de virtude: prudência e altruísmo. E, este ato heroico não se resume ao esforço sobre-humano para manter as escolas abertas e em funcionamento, mas também em tudo fazer para que o desenvolvimento dos alunos como pessoas não fique condicionado pelo vírus da ansiedade, do medo e da injustiça. Ainda que não sejam considerados prioritários no plano de vacinação, a crise fez deles cidadãos ainda mais comprometidos com o futuro do nosso país, porque, como sabemos, um país sem educação não tem futuro.
Ainda que não sejam considerados prioritários no plano de vacinação, a crise fez deles (professores) cidadãos ainda mais comprometidos com o futuro do nosso país, porque, como sabemos, um país sem educação não tem futuro.
Assim, permitam-me que realce o papel fundamental dos professores e de todos os profissionais de educação no combate à pandemia e que, como cidadão português, lhes dirija um justo agradecimento pela forma como têm procurado reinventar o ensino e acompanhar todos os alunos, evitando que a pandemia tenha efeitos mais negativos do que os atuais.
A par deste reconhecimento, por contraste, gostava também de manifestar a minha preocupação com a liberdade de ensino em Portugal. No mês de janeiro, assistimos a um “ziguezaguear”, que considero preocupante, sobre a liberdade de ensinar e de aprender, consagrada na Constituição Portuguesa, que opôs, num jogo amical de badminton, o Sr. Ministro da Educação e o Sr. Primeiro Ministro, através de declarações contrárias e confusas, de dedo em riste apontado às Escolas do Ensino Particular e Cooperativo, que ao que parece, andam sempre a “espreitar a exceção”.
Assunto e declarações que originaram um grande debate público, onde vários constitucionalistas e distintos ex-ministros da educação sentiram o dever de dar voz à inconstitucionalidade e não sentido pedagógico da decisão política de impor a todas as escolas do país uma interrupção letiva forçada. Para quem vive diariamente nas escolas e dedica a sua vida à educação, esta decisão – que levou a imprensa estrangeira a aproximar o país dos ideais marxistas – não só é incompreensível, como denota desorganização governamental, porque desde setembro que as escolas, por obrigação legal, dentro dos seus limites, estão preparadas para a transição entre regimes. Sendo, ainda, mais danosa para as escolas do Ensino Particular e Cooperativo – que servem, há longos anos o país, formando cidadãos e pessoas com princípios –, que se veem objeto de uma repreensão do todo-poderoso Estado que, não sendo capaz garantir a liberdade de educação, em vez de a promover, usa a crise como desculpa para avançar com ideologias arcaicas, que já não fazem parte dos sistemas políticos democráticos europeus e que só se encontram nos livros empoeirados da história do pensamento obsoleto.
Não seria mais nobre o Governo assumir os atrasos em cumprir as suas promessas do que impedir os alunos e as alunas, de todo o país, de aprender? O que mudou para, passados 15 dias, afinal já ser possível o ensino à distância?
Não seria mais nobre o Governo assumir os atrasos em cumprir as suas promessas do que impedir os alunos e as alunas, de todo o país, de aprender? O que mudou para, passados 15 dias, afinal já ser possível o ensino à distância? Num país democrático, talvez fosse normal um Governo assumir os seus erros, em vez de estar constantemente a culpar os portugueses, até porque, no contexto difícil que vivemos, todos sabemos que não é fácil governar.
Assim, permitam-me que à preocupação diária pela sobrevivência, ao elogio dos profissionais de saúde, ao reconhecimento público do serviço que os professores e as escolas prestam à sociedade portuguesa, acrescente a preocupação pela liberdade de educação em Portugal, um tema pouco apetecível que por vezes fica na beira do prato, mas que a crise pôs à frente dos nossos olhos como incontornável.
Como nos mostra a longa história do nosso país, as crises também podem ser grandes oportunidades. Resta saber se esta crise será a oportunidade de promover o desenvolvimento do nosso país, ampliando as liberdades de abril ou se, pelo contrário, impedindo a diversidade e a diferença, teremos uma contrarrevolução.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.