A presente exposição explora o campo de sensações e significados aberto por obras de arte marcadas pela cor roxa e a matéria das cinzas, aproximando obras de arte na sua autonomia com outras de tradição cristã e mesmo com uma função litúrgica.
Estas aproximações confiadas à partida à intuição sensível, e anteriores à densidade teórica da problemática, oferecem-se em ressonâncias percetuais e espirituais mútuas.
A cor roxa, derivada da púrpura, substância colorante extraída de certos caracóis (murex), é uma cor híbrida, abrange um leque de tons entre o vermelho e o azul, convida ao recolhimento e pelo seu grande valor era reservada ao culto e às vestes de maior dignidade. Por sua vez, as cinzas resultam da matéria consumida pelo fogo, incluindo o resto inconsumível do corpo humano, pelo que conotam em diversas culturas o efémero, o sem-valor e o luto.
Enquanto radicais simbólicos o roxo e as cinzas não separam o sagrado e o profano, antes revelam entre eles um largo espectro de interioridade e profundidade existencial. Também as obras de arte serão acontecimentos tão intrinsecamente religiosos, independentemente da iconografia religiosa instituída, na medida em que se apresentem como formas de encontro entre o visível e o invisível, a dor e a alegria, a corrupção e o amor, a morte e a vida.
A seu modo, os sinais litúrgicos em perspetiva cristã incorporam estas dimensões e retribuem-lhes os contornos específicos de refontalização da existência crente, referências a uma trajetória de depuração e metamorfose íntima (Êxodo e Quaresma), imaginada sob o signo do roxo. Este exercício de costura da alma, muitas vezes coroada de espinhos, é também, e fundamentalmente, aligeirado, dilatado e elevado por um sopro. De algum modo as obras expostas, cada uma à sua maneira e no seu conjunto, adensam e abrem este conjunto de experiências e significados.
Exploramos assim como se nos entranha pela arte o vazio da ascese e o renascimento das cinzas sob o signo da luz, nos seus reflexos sensíveis, mesmo menores. “Observamos – como diz o filósofo – para ver o que não veríamos se não observássemos”[1], e dada uma certa cegueira, observamos para ouvir outras sonoridades e abrir o campo da reflexão.
[1][1]Wittgenstein, Anotações sobre as cores, Lisboa, Edições 70, 2018, p. 191.
Exposição “O roxo e as cinzas”
Helena Almeida | Juliette Jouannais
Marta Wengorovius | Maria José Oliveira
Paulo Brighenti | Raul Lino
Curadoria: P. João Norton, sj
13 de Fevereiro a Abril, 2020
Dias úteis -14.00 – 17.00
Visitas guiadas: quarta-feira, 11 de março: 13.30 e 18.30 e sábado, 21 de março: 11.30
Marcações visitas de grupo: [email protected]
Edifício da Biblioteca Universitária João Paulo II
Palma de Cima 1649-023, Lisboa
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.