O jejum em Inácio

Neste segundo domingo da Quaresma, o P. António Vaz Pinto recorda-nos o percurso de Santo Inácio em relação à prática do jejum: do impulso espontâneo e exagerado à justa medida, discernida e equilibrada.

Neste segundo domingo da Quaresma, o P. António Vaz Pinto recorda-nos o percurso de Santo Inácio em relação à prática do jejum: do impulso espontâneo e exagerado à justa medida, discernida e equilibrada.

Quaresma é tempo de conversão, 40 dias que vão da 4ª feira de cinzas ao Domingo de Ramos. Tem, portanto um carácter preparatório, essencial, como caminho de preparação para a Páscoa. Por outro lado, a conversão, a viragem em direção a Deus, tem de concretizar-se, tem de passar por “exercícios” práticos e concretos, sob pena de se esfumar em nevoeiro piedoso… Daí que tradicionalmente e seguindo à letra as práticas judaicas e os ensinamentos do próprio Jesus (Cap. Mt 6,16-18) se apontem três caminhos de conversão:

A oração, referida à relação a Deus; a esmola, referida à relação no próximo, e, finalmente, o jejum, relacionado com a relação a si próprio. Deixemos de lado a oração e a esmola e concentramo-nos no jejum.

S. Inácio de Loyola e o jejum

Logo em Loyola, depois da derrota de Pamplona, no início da sua mudança, Inácio, que até aí viveu “sem lei nem freio”, começa a sua experiência de jejum, e como em todas outras áreas, sem critério, sem discernimento, por impulso espontâneo e caindo muitas vezes no exagero. Pouco a pouco a sua conduta vai-se equilibrando, o seu regime torna-se saudável e ele compreende que o “problema da alimentação” é importante e merece ser refletido. E assim, entre muitos outros “grupos de regras” – “para sentir com a Igreja” – para discernir os espíritos – para distribuir esmolas, etc. – S. Inácio incluiu no seu famoso livro dos Exercícios Espirituais “as regras para ordenar-se no comer” (EE 210-217). Fruto da sua experiência e da sua meditação, são um pequeno “tratado” de precioso conteúdo: equilibrado, sem exageros, aconselhando cada um a fazer experiências até encontrar a medida certa, convidando a elevar o espírito acima do ato animal da ingestão de alimentos, etc.

Algumas notas finais poderão ajudar:

-A virtude da temperança (aplicada à ingestão de alimentos) é diferente do jejum, que é uma privação livre e portanto um ato de penitência.

– Na prática eclesial (sobretudo no passado…) havia uma compreensão muito “legalista”: à sexta-feira não se podia comer frango mas podia-se comer lagosta (que é considerada peixe)…

– Do exercício de jejuar estavam e estão excluídos, é óbvio, os doentes, os idosos e as crianças.

– Tradicionalmente, juntava-se a quantidade (jejum) e a qualidade, abstinência (de carne). Hoje, essa classificação está (quase) desaparecida: o que importa não é ser carne ou peixe, mas sim um alimento mais pobre ou mais rude. E quanto à quantidade, aconselha-se, na prática do jejum, a ingerir metade do que é habitual…

Mas, qual é o sentido último do jejum, bem entendido?

-Antes de mais, crescer no domínio próprio, não viver impelido apenas pelo apetite…

-Partilhar com os carenciados aquilo que sobra pelo nosso jejum… Partilhar os bens e a experiência deles…

– Participar, embora remotamente, na paixão redentora de Jesus Cristo.

Uma última advertência: as coisas e os alimento não são maus em si mesmos; são bons; o jejum cristão pretende podar a árvore para que tenha mais vida e dê mais fruto.

Boa Quaresma!

Bom jejum!

Fotografia de Benjamin Wong – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.