Somos pedintes de humanidade. Nos guichets das finanças, nas consultas do centro de saúde, na esplanada do café onde costumamos ir, gostamos de ser tratados como pessoas. Esperamos ser olhados, respeitados e reconhecidos por quem somos. Pode ser uma agradável surpresa quando o Sr. Zé do café de toda a vida se lembra do nosso nome. Diria que poucos resistimos. Podíamos pensar em 1001 exemplos, desde a sala de partos às reuniões de trabalho, desde a reunião do G7 até à relação de casal entre a Maria e o Nuno.
Do princípio ao fim da vida, podemos perceber em nós esta subtil grandeza. Cada bebé vem preparado para a interação com a mãe e o pai, ávidos de relação desde o primeiro minuto, de tal forma que a qualidade desta relação molda a sua arquitetura cerebral. Ou aquele primo adolescente, depois de anos com negativa a Matemática, houve um professor que lhe “deu a volta”, levando-o a ter boas notas. Quantas histórias ouvimos do tio que, no fim da vida, esperou pelo filho que vivia fora e depois morreu, ou do avô que estava bem de saúde e que, depois da avó morrer, ninguém sabe bem como morreu também pouco tempo depois.
No acompanhamento de pessoas, na sua procura de serem mais Pessoas, interpela-me esta sede que cada um tem de viver relações autênticas, onde se é olhado e acolhido por quem se é. E nesta busca pela própria humanidade, em relações humanas autênticas, andamos desenfreados. Talvez desnorteados.
No acompanhamento de pessoas, na sua procura de serem mais Pessoas, interpela-me esta sede que cada um tem de viver relações autênticas, onde se é olhado e acolhido por quem se é. E nesta busca pela própria humanidade, em relações humanas autênticas, andamos desenfreados. Talvez desnorteados.
Francesc Grané, um psicanalista catalão que falava no simpósio sobre Psicologia e Espiritualidade Inaciana, em junho de 2019, em Loyola, afirmava que vivemos um tempo de avidez de contacto. Procuramos o contacto, o estar em relação, vivendo 24 horas conectados. Nunca estivemos tanto em contacto e ao mesmo tempo tão sedentos de relação. Paradoxal?
Na sede de aprofundar relações, os likes do Facebook, os quizz do Instagram, ou as notificações do Whatsapp vão-se sagrando os barómetros das relações. Na procura de proximidade, não conhecemos os vizinhos, temos casas com isolamento de todas as maneiras e feitios para não sermos incomodados.
No desejo de estar cara a cara refugiamo-nos no virtual. Enviamos mensagens, abreviamos, é mais rápido do que telefonar. Ligamos, é mais rápido do que estar. Estamos tantas vezes no presente, através de selfies, ou de vídeos que gravamos em vez de vivermos. Escolhemos o diferido em vez do real.
Vivemos a correr e queixamo-nos de que não temos tempo para parar. Nem para ficar.
Para onde atiramos a relação humana na sua forma original? Em nome da modernização e da inovação, não estaremos também a comprar desumanização?
Os tempos especiais do ano, como o Natal, são uma ajuda para relembrar o essencial. O Natal, todos os anos, traz-nos a novidade original de um Deus que nasce profundamente confiado na relação com a sua família humana.
E neste Natal, porque não inovar? Por exemplo, telefonar a desejar um Bom Natal? Ou enviar uma carta? Ou, quem sabe, insistir em visitar?
É um tempo em que podemos eleger o tempo para estar. E ousar uma tarde inteira a conversar.
Se Deus que é Deus nasce como pedinte de relação, não nos arderá o coração? Com sede de mais humanidade?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.