Esta caminhada sinodal passou pelas dioceses, conferências episcopais, por assembleias continentais, como aquela em que D. José participou, em Praga. É a primeira vez que este volume de produção, de reflexão, de propostas e de debates chega a uma Assembleia do Sínodo, no seu conjunto. Com que expectativa é que parte para este encontro?
Com uma grande expectativa, mesmo. Depois do Concílio Vaticano II, esta é uma etapa fundamental da Igreja, sobre a qual existem muitas esperanças. E, certamente, também muitas objeções, que se têm semeado no percurso feito. É importante ter noção disto: nunca se fez uma reunião da Igreja, com a sua dimensão mundial, que tivesse este percurso. Chegamos capilarmente às comunidades paroquiais, até a grupos, a nível vicarial e de cada diocese, em todo o mundo. Isto significa, realmente, escutar o Povo de Deus, não simplesmente para ouvir ou ir a votos, mas para fazer caminho juntos. O Papa tem repetido, imensas vezes, que o que estamos a fazer aqui não é recolher opiniões, estamos a realizar uma Igreja sinodal, que se reúne para rezar, para escutar o Espírito, uns aos outros, e para discernir qual é a vontade de Deus.
Há um significado especial que isto se faça em Roma, porque não é uma questão de ir a votos, mas de discernir, com o papel que cada um tem na Igreja: os bispos nas suas dioceses, os padres nas suas paróquias, todos os tipos de lideranças que existem na vida religiosa, na vida ministerial de tanta gente, em missão por todo o mundo. Agora, há também o reconduzir à unidade de toda esta diversidade e riqueza exuberante da Igreja. Por isso, ser aqui em Roma, junto do túmulo dos Apóstolos e com o sucessor de Pedro tem um significado imenso para a Igreja.
O Papa tem repetido, imensas vezes, que o que estamos a fazer aqui não é recolher opiniões, estamos a realizar uma Igreja sinodal, que se reúne para rezar, para escutar o Espírito, uns aos outros, e para discernir qual é a vontade de Deus.
Esta metodologia de trabalho já está a mudar a Igreja e é isso que é importante perceber, deste Sínodo. Tenho uma grande expectativa, também por isso. Além do mais, não se está a discutir um tema, está a procurar-se entender, para os dias de hoje, o que é a Igreja. O tema é a própria Igreja. Isso significa pôr-se em questão, cada um e cada instituição, sobre o modo como vivemos, como participamos, como organizamos, como partimos em missão para quem precisa.
Antes do início da Assembleia Sinodal, o Papa quis deixar um conjunto de símbolos: uma vigília ecuménica, três dias de retiro, a mudança do espaço de trabalhos para o Auditório Paulo VI, num espaço mais horizontal, com todos no mesmo plano. Como lê estes sinais?
Este é já o estilo que tem grande parte da Igreja, não estamos a inventar a roda. Se temos, na verdade, uma dimensão hierárquica, que foi talvez demasiado acentuada, ela não desapareceu. Mas não é uma hierarquia para estarem uns mais acima e outros mais abaixo, não se trata disso, trata-se de exercer o serviço que cada um é chamado a desempenhar na Igreja. O Papa não perde autoridade nem o seu papel, porque não seria bom para a Igreja. Os bispos não perdem o papel nas suas dioceses, o pároco não perde papel nem importância na sua comunidade.
Há uma perspetiva de fazer tudo juntos, cada um no seu papel, sem concentrar em si todos os papéis da comunidade. Isso é aquilo que sempre foi, na Igreja, e que se manteve sempre bastante presente na vida da Igreja, por exemplo, com participação e corresponsabilidade na tomada de decisões: nos lugares onde se tomam decisões, há sempre um conselho, nunca ninguém o faz sozinho. A questão do pão é sempre conjugada no plural. É isto que temos de restituir à Igreja, não estamos a inventar, estamos a restituir. Não estamos em contraposição com a tradição, com o passado.
A Igreja, em cada momento, em cada contexto, tem de se reinventar. Foi sempre assim: a primeira Igreja mudou radicalmente quando o Espírito Santo foi cair também sobre aqueles que não eram judeus, com grande espanto do próprio Pedro, que ainda resistiu. Depois, diz que se o Espírito Santo já foi ter com eles, quem somos nós para estarmos a lutar contra Deus? Temos de entender que a missão é constitutiva da Igreja, e é para essa missão que ela se organiza, procurando o melhor modo de o fazer, usando todos os recursos que Deus lhe dá – os carismas dentro da Igreja, as línguas…
Tivemos um bom exemplo na JMJ, em Portugal. Quem organizou? Claro que os padres foram fundamentais, percebeu-se bem o papel de cada um, como foi fundamental que os padres tivessem estado por trás, caso contrário as coisas não seriam da comunidade. Não é um e outro grupo que se organizam, é organizar-se em conjunto, em rede, com gente dinâmica. Grande parte de quem organizou são jovens, jovens adultos. Fizemos a experiência de que isto pode funcionar e de como é bonito o resultado desta Igreja: não porque é moderno, de moda. Não se trata de modas, trata-se da raiz mesma da Igreja, da Igreja como nasceu.
O contributo das comunidades católicas portuguesas pode ser importante, neste processo sinodal?
Para mim foi importante a experiência de Praga [assembleia continental de fevereiro], no contexto europeu. Sabemos como somos diferentes e é muito interessante que não nos abstivemos de considerar isso. É bom que tenhamos tradições diferentes, do Oriente ao Ocidente, mesmo dentro dos próprios países. É bom que lutemos por ideais, também, mas essas ideias têm de ser reconduzidas à unidade da Igreja, que não pode ser posta em causa. Caso contrário, perdemos a própria credibilidade de ser Igreja. Não estou aqui para impor a minha vontade nem para saber quem vota, quantos milhões são mais a favor e quantos são contra. Não se trata disso. A missão da Igreja é discernir o que Deus quer para este momento e, para isso, é necessário ouvir todos, porque o Espírito fala em todos.
A missão da Igreja é discernir o que Deus quer para este momento e, para isso, é necessário ouvir todos, porque o Espírito fala em todos.
O contributo da Igreja portuguesa esteve bastante presente em Praga. Não tanto pelo presidente da Conferência Episcopal, quem falou foram duas delegadas [Carmo Rodeia e Anabela Sousa, da equipa sinodal da CEP], interpeladas mais do que uma vez. Eu também, mas já se dá isso por descontado. Os bispos que lá estavam não fizeram, simplesmente, figura de corpo presente, passivamente, porque todos temos o nosso papel.
Relativamente à Igreja em Portugal, houve duas coisas que concorreram, nestes últimos dois anos: primeiro, o caminho para a JMJ, sem dúvidas – mesmo com quem era mais cético, estava com medo, tinha dúvidas. Fizemos tudo, mas há a beleza daquilo que foi produzindo nesta Igreja para tanta gente, milhões e milhões de pessoas, jovens que vieram de todo o mundo. É esta Igreja que eu penso que temos de continuar.
Em segundo lugar, o caminho sinodal. Quando cheguei em Leiria-Fátima, porque tinha começado em Setúbal, o que já estava organizado foi um caminho interessante e agora estamos a tirar conclusões. No lançamento do ano pastoral, estivemos a dizer que queremos mudar esta Igreja, não porque houvesse uma má Igreja, que não respondesse, mas porque os tempos mudaram e nós precisamos de mudar, porque senão não fazemos caminho com a história. O que a Igreja fez, ao longo dos séculos, foi sempre, criticamente, mas com a palavra do Evangelho, estar presente na vida dos homens e das mulheres deste mundo. Com as mudanças tão radicais e rápidas que estamos a viver, isso é absolutamente necessário.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.