Mulheres numa Igreja sinodal

Em poucas palavras, sinodalidade significa passar do “Eu” ao “Nós”, redescobrindo a primazia do “nós” eclesial da comunidade, uma comunidade aberta e inclusiva que faz com que homens e mulheres caminhem juntos com Cristo no centro.

Em poucas palavras, sinodalidade significa passar do “Eu” ao “Nós”, redescobrindo a primazia do “nós” eclesial da comunidade, uma comunidade aberta e inclusiva que faz com que homens e mulheres caminhem juntos com Cristo no centro.

Sinodalidade e a inclusão de mulheres na tomada de decisão e deliberação eclesial

Sinodalidade é uma das palavras da moda! Em diferentes países, muitas iniciativas e publicações defendem a implementação a distintos níveis de uma Igreja mais sinodal. Isto é uma boa notícia, já que o Papa Francisco promove a sinodalidade como um dos eixos principais do seu pontificado, dando corpo a uma nova forma de ser Igreja no século XXI. Como anunciado em março de 2020, o Papa Francisco escolheu a sinodalidade como o tema da próxima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que terá lugar em outubro de 2022, cujo título é: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Isto significa que todos os batizados são chamados a ser promotores e agentes da sinodalidade, especialmente as mulheres que, com os jovens, são muitas vezes os primeiros a pedir uma Igreja mais sinodal.

Desta forma, a sinodalidade permite empoderar todo o Povo de Deus, guiado pelo Espírito, para que possa discernir conjuntamente como responder aos desafios missionários no mundo de hoje. Trata-se de um estilo de vida cristã e de uma prática marcados pela escuta e pelo discernimento. É uma espiritualidade que requer uma atitude de fé e confiança – em Deus e nos outros – de escuta mútua e de humildade, de diálogo e de liberdade para procurar a verdade. É uma forma de desenvolver uma verdadeira cultura do encontro ao serviço do bem comum, acolhendo e respeitando as diferenças, com a convicção de que o Espírito fala em cada pessoa e de que apenas podemos discernir os apelos do Espírito em conjunto nesta escuta mútua.

De facto, os dois últimos sínodos dos bispos deram particular importância ao tema das mulheres numa Igreja sinodal. Uma Igreja sinodal é, por definição, uma Igreja simultaneamente masculina e feminina. A Igreja sinodal é uma Igreja inclusiva que transcende os limites da hierarquia, cultura, sexo, bem como os limites de uma visão somente humana da realidade, porque a sinodalidade é o desafio de Deus a que todos na Igreja sejam protagonistas e discirnam juntos a voz do Espírito Santo.

Em poucas palavras, sinodalidade significa passar do “Eu” ao “Nós”, redescobrindo a primazia do “nós” eclesial da comunidade, uma comunidade aberta e inclusiva que faz com que homens e mulheres caminhem juntos com Cristo no centro. Sinodalidade.

Este artigo descreve uma Igreja sinodal e explica como esta inclui mulheres no processo da sinodalidade ao promover uma visão da Igreja que é relacional, inclusiva, dialógica, discernente, fecunda e pluricultural. Assim, a Igreja sinodal é uma renovada Igreja missionária e uma Igreja de participação e corresponsabilidade, que tenta viver o processo de tomada de decisão e deliberação além dos papéis sacramentais tradicionais, visto que a sua vida não é predeterminada, mas vivida e experimentada em todo os espaços eclesiais abertos ao mundo.

Compreender o significado de “sinodalidade”

O que é exatamente a sinodalidade? Que visão da Igreja está implícita? Que práticas nos pede? Muitas vezes, para a retratar de maneira simples, a sinodalidade é apresentada a partir da etimologia da palavra “sínodo”, cuja origem é o grego sun-odos, isto é, “caminhar juntos”, ou mais especificamente, “caminhar juntos” à escuta do Espírito. Mas sinodalidade, uma expressão antiga cujo equivalente latino é a palavra concilium (concílio, em português), indica uma assembleia de bispos, numa noção rica e pluriforme que não tem uma definição exata estabelecida, pois sinodalidade é um modus vivendi et operandi, como afirmou o Papa Francisco ao apresentar o tema do sínodo. Dito de outra forma, sinodalidade é um estilo, uma prática, uma forma de ser Igreja na história, à imagem da comunhão trinitária.

A sinodalidade faz parte da nossa tradição, sendo um dos traços característicos da Igreja primitiva, já que nos primeiros séculos, num contexto marcado por controvérsias e heresias, muitos sínodos e concílios locais se reuniram para permitir aos bispos reunidos discutir e discernir sobre o rumo a tomar. Tendo as suas raízes na Bíblia – o “concílio” de Jerusalém do capítulo 15 de Atos dos Apóstolos é visto como o modelo paradigmático dos subsequentes concílios – a sinodalidade, na sua reapropriação e visão modernas, é considerada e desenvolvida como um fruto do Vaticano II. De facto, a instituição do Sínodo dos Bispos em setembro de 1965 pelo Papa Paulo VI, na abertura da quarta e derradeira sessão do Concílio, tinha a pretensão de ser entendida como expressão da sinodalidade, e uma forma de continuar a experiência de colegialidade vivida e desejada pelos padres conciliares.

A sinodalidade faz parte da nossa tradição, sendo um dos traços característicos da Igreja primitiva, já que nos primeiros séculos, num contexto marcado por controvérsias e heresias, muitos sínodos e concílios locais se reuniram para permitir aos bispos reunidos discutir e discernir sobre o rumo a tomar.

Aplicar a sinodalidade

Hoje em dia, no atual momento de receção do Vaticano II, no contexto histórico que é o nosso, somos chamados a fortalecer e explorar a sinodalidade a todos os níveis da Igreja, chamados a viver a nossa fé cristã num estilo sinodal, que é um estilo missionário, a proclamar o Evangelho aos homens e mulheres deste tempo. Antes de mais, é uma forma de dar vida às instituições sinodais que vão para além do Sínodo dos Bispos ou do sínodo diocesano, como o conselho pastoral paroquial ou diocesano, o conselho presbiteral, ou o capítulo local, provincial ou geral das congregações religiosas, e assembleias gerais de movimentos eclesiais. Sinodalidade é um estilo missionário que consiste, simultaneamente, num estilo de vida e numa prática marcada pela escuta e pelo discernimento.

Para aplicar a sinodalidade no dia a dia, é necessário integrar e viver uma espiritualidade que alimente uma verdadeira cultura do encontro ao serviço do bem comum, colocando Cristo e os outros no centro, a sinodalidade “faz-nos”/constitui-nos  Povo de Deus.

 

Mulheres e a Igreja sinodal

De que forma é a sinodalidade relevante para as mulheres? Como já antes referi, os dois últimos sínodos falaram bastante da questão das mulheres. Nos documentos finais do Sínodo da Juventude (p.e., §13 e §148) e do Sínodo da Amazónia (p.e. §101-102) encontramos palavras fortes, chamando a Igreja a, por um lado, combater todo o tipo de discriminação contra as mulheres na sociedade e, por outro lado a confiar mais responsabilidades às mulheres na Igreja, chegando o documento final do sínodo pan-amazónico a sugerir a instituição de um ministério de “mulher dirigente da comunidade” (§102).

O caminho sinodal da Igreja baseia-se numa maior reciprocidade no seio de uma aproximação relacional que não separe os líderes dos membros da comunidade que servem. O próximo Sínodo dos Bispos – “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” – será um encontro construído com base em dois anos de preparação, com forte participação dos crentes de base num longo processo de consulta em cada país de forma a discernir as nossas prioridades. É um processo que terminará com um encontro que durará um mês entre o Papa e os delegados dos Bispos de todo mundo. Não há muitos líderes mundiais que dediquem um mês a esta escuta mútua, que espero que possa inspirar outras instituições.

Ao colocar Cristo e os outros no centro, a sinodalidade constitui-nos Povo de Deus. E é deste modo que podemos compreender e destacar como este “caminhar” juntos, homens e mulheres, é um tema chave para a sinodalidade. A diferença entre homens e mulheres é um mistério, é uma diferença “elusiva” que é uma espécie de matriz de todas as diferenças. A forma de pensar e de lidar com esta diferença destaca a igualdade entre todos os batizados que está no coração da sinodalidade. Desta forma, os homens e as mulheres numa Igreja sinodal devem encontrar formas de implementar e articular quer a dignidade batismal quer a diferença entre os sexos.

A forma de pensar e de lidar com esta diferença destaca a igualdade entre todos os batizados que está no coração da sinodalidade. Desta forma, os homens e as mulheres numa Igreja sinodal devem encontrar formas de implementar e articular quer a dignidade batismal quer a diferença entre os sexos.

A ideia de que a sinodalidade é necessária para “reparar a Igreja” torna-se cada vez mais premente. Isto requer outras práticas eclesiais, que sejam mais colegiais, mais dialógicas, mais participativas, mais inclusivas, que permitam a todos – homens e mulheres, jovens e idosos – serem agentes, associando os leigos aos processos de tomada de decisão. Reconstruir a Igreja neste estilo sinodal assegurando que este seja evangélico e mais missionário implica querer que os mais pequenos, os mais pobres e os mais feridos estejam envolvidos nesta procura. De forma a “reparar” a Igreja, mas principalmente para dar testemunho de Cristo nas culturas e linguagens do século XXI, os batizados, todos eles discípulos missionários, independentemente das suas vocações, são chamados a discernir e a definir juntos os caminhos da missão. É acima de tudo uma questão de encontrar modos de proceder que traduzam concretamente, em cada contexto, esta identidade profunda da Igreja que é “comunhão missionária” enraizada no mistério Trinitário.

Indubitavelmente, as mulheres têm um papel central na promoção deste processo, juntamente com tantos leigos que desejam tomar o seu lugar na Igreja sinodal. As palavras-chave deste processo são a escuta, o serviço de todos, a humildade e a conversão, a participação e a corresponsabilidade. As mulheres trazem imediatamente “alteridade” ao sistema clerical e são portadoras de um desejo de colaboração em reciprocidade com os homens para uma acrescida fecundidade pastoral. Entre elas encontramos religiosas e membros de comunidades como a CVX, enraizadas na experiência fraternal de vida comunitária, de discernimento comunitário, e obediência vivida como “a escuta em comum do Espírito”. É a partir desta experiência fundante que elas estão particularmente habilitadas a promover uma visão da Igreja como Igreja generativa, uma eclesio-génese, que se centra no ato de se aproximar e deixar-se tornar um só povo, o Povo de Deus. Numa só frase, a promoção de uma Igreja relacional e criativa, sempre em movimento, uma Igreja enviada numa viagem pascal.

Pensamentos finais

Nesta breve reflexão sobre o papel das mulheres numa Igreja sinodal procurei não apresentar modelos rígidos de sinodalidade, nem respostas rápidas sobre o que é uma Igreja sinodal. Pelo contrário, pela compreensão do papel das mulheres como algo central numa Igreja que é relacional, inclusiva, dialógica, em discernimento, generativa, e pluricultural, podemos começar a viver como uma Igreja que avança num processo onde homens e mulheres percorrem juntos a estrada de Emaús na esperança de reconhecer o Jesus Ressuscitado num caminho de cura e reconciliação. Para que homens e mulheres, pastores e leigos, “respirem juntos” num espírito de parceria e corresponsabilidade pela missão da Igreja, precisamos de arriscar confiar e de nos convertermos. Então podemos passar do padrão de dominação e competição que caracteriza a mentalidade patriarcal para uma outra matriz, a da reciprocidade e cooperação entre todos os discípulos missionários, animados pelo desejo de partilhar a alegria do Evangelho, uma alegria a ser partilhada com o mundo inteiro.

Fotografia de Ricardo Perna.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.