Mrs. América: poder como liberdade de escolher

A sugestão cultural da Brotéria desta semana é a série Mrs. América que tem como ponto de partida a ratificação da Emenda sobre a Igualdade de Direitos (ERA) que aconteceu em 1977 nos EUA.

A sugestão cultural da Brotéria desta semana é a série Mrs. América que tem como ponto de partida a ratificação da Emenda sobre a Igualdade de Direitos (ERA) que aconteceu em 1977 nos EUA.

A ratificação da Emenda sobre a Igualdade de Direitos (ERA), uma questão que se tornou politizada na década de 70 e que, por incrível que pareça, se discute até hoje, é na minissérie Mrs America o motivo jurídico por que duas interpretações do mundo colidem. De um lado, o Movimento de Libertação Feminina, dirigido pelas históricas feministas Gloria Steinem, Betty Friedan, Shirley Chisholm, Bela Abzug e Jill Ruckelshaus, que lutavam por incluir uma emenda na constituição americana que garantisse a igualdade de direitos entre homens e mulheres em matéria de divórcio, emprego, salário e até de direitos relativos à propriedade.

Ao longo de 1977, ano em que se passa grande parte da história de Mrs America, a resolução para a ratificação da ERA tinha passado em 35 dos 38 estados necessários. O Nevada, o Illinois e a Virgínia votaram contra, aprovando-a décadas depois do prazo limite (1979, que seria alargado), em 2017, 2018 e em Janeiro de 2020, respectivamente. Foi da década de 70 que o movimento feminista teve uma adversária conservadora chamada Phyllis Schlafly, que criou um contra-movimento de mulheres, o Eagle Forum, que ainda existe no Partido Republicano e que terá tido um papel relevante na eleição de Ronald Reagan.

O caminho para a igualdade de direitos entre mulheres e homens é moroso, frustrante e violento.

O caminho para a igualdade de direitos entre mulheres e homens é moroso, frustrante e violento. Mrs America é uma história de frustração: das feministas que lutam por terem escolhas na vida, sem depender de ninguém; das mulheres conservadoras, como Phyllis, que abdicou de estudar para se dedicar à família, mas que se sente amarfanhada sempre que lhe lembram que não tem as habilitações certas para o que ambiciona ser. Cate Blanchett é uma Phyllis Schlafly convincente porque não é uma vilã, tal como nenhuma das feministas é uma heroína. Todas são mulheres ativistas, defendendo as suas convicções, que mesmo no movimento feminista se dividem entre as que não querem misturar os temas das lésbicas com temas como o aborto ou o divórcio. As clivagens são quase tantas como as personagens, complexas e bem pensadas; pessoas todas elas, com as suas dúvidas, a sua infelicidade conjugal, a sua solidão.

Mrs America é uma série sobre poder, pois é nele que se centra a luta pelos direitos das mulheres. A igualdade é uma conquista pelo poder, não de quem manda ou passa a mandar, mas de quem não era livre de escolher e passa a poder fazê-lo. Contrariamente ao que prega, e como é bem observado a dada altura por Bela Abzug (Margo Martindale), Phyllis Schlafly é uma das mulheres mais emancipadas da América, porque tem a liberdade de defender a sua posição. Tem-na sem ninguém ter de a dar, porque não precisa, dada a natureza pouco revolucionária do que defende.

Apesar de tudo, a tolerância de que goza está longe de ser pacífica. Mais do que a resistência ao feminismo, é no modo como Phyllis é tratada, quer pelo marido que não hesita em dizer que é “uma mulher submissa” durante um debate público, quer pelo partido, que a descarta mal tem dela aquilo de que precisava, que vemos como as mulheres raramente têm o reconhecimento que lhes é de facto devido. A dívida tem séculos e muito do que está em falta é admiração e respeito.

Ficha técnica: 
Género DRAMA / Duração 43–54 MIN País EUA / Idioma original INGLÊS
Produtores STACEY SHER, CATE BLANCHETT, RYAN FLECK, ANNA BODEN,
COCO FRANCINI, DAHVI WALLER
Distribuição HBO / Data de estreia 18.04.2020 Nº de temporadas 1 / Nº episódios 9

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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