Livrai-nos do mal!

Que Diabo! Mais um texto sobre o mal? O bem, o mal e anjos que cantam o Pai Nosso.

Que Diabo! Mais um texto sobre o mal? O bem, o mal e anjos que cantam o Pai Nosso.

1. Como mel para a boca

https://youtu.be/XStvwK6yKvs?t=64

Obrigatório ouvir! O coro Angel City maravilhou o júri de America’s Got Talent com a sua interpretação de Baba Yetu, o “Pai-Nosso” em Swahili. É de grande desperdício caso não se escute este shot de boa energia!


2. Um texto bíblico

Jesus está numa montanha, à pé do Lago Tiberíades, e ensina os discípulos e a multidão:

«Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.
Rezai, pois, assim:
‘Pai nosso, que estás no Céu,
santificado seja o teu nome,
venha o teu Reino;
faça-se a tua vontade,
como no Céu, assim também na terra.
Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia;
perdoa as nossas ofensas,
como nós perdoámos a quem nos tem ofendido;
e não nos deixes cair em tentação,
mas livra-nos do Mal.’»

Mateus 6, 7-13


3. O esclarecimento

Na oração do Pai-Nosso, ensinada por Jesus aos Apóstolos, encontramos no final: “Livra-nos do Mal”. Mas de que “mal” se trata? E porque é que a tradução oficial litúrgica a coloca em maiúscula?
É óbvio que o mal põe em causa os sistemas de pensamento puramente humanos: talvez seja até perigoso querer dizer tudo do mal, explicá-lo, racionalizá-lo, com o risco de o justificar. O mal continua acima de tudo um mistério, como constatámos na semana passada.

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Cosimo Rosselli (1439-1507) O Sermão da Montanha (fresco, 1481-1482), Capela Sistina, Vaticano, Itália

I A interpretação dos metafísicos: o mal como um “buraco” I

Paradoxalmente, os metafísicos dizem-nos que “o mal é e não é”:

  • Ele é, enquanto existe à nossa volta…Vejo-o nos sofrimentos ao meu redor, as maleitas que me chegam, etc.
  • Mas não é: não é uma coisa no mundo, não é uma substância.

– Como assim?
Explicamos de seguida:

Seguindo os Padres da Igreja, em particular Santo Agostinho, constatamos que o mal é a ausência de bem: trata-se de uma falta, de um não ser. É mais exatamente uma privação. Tendo uma imagem como exemplo, o mal seria como um buraco: como descrever um buraco a não ser a partir da substância que o envolve, de que ele é precisamente a ausência?
O mal está sempre em relação com o bem que lhe falta; é, por isso, sempre secundário.

O inverso não é verdade, pois o bem não se define desde o mal, mas desde si mesmo. O mal não pode ser visto em si mesmo: o bem tem, então, uma primazia sobre o mal. Por exemplo, o cego sofre a privação da vista, a vista era o bem primeiro que permite definir o mal por contraste.

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Ícone do Pai-Nosso (final do século XVII), Rússia.

I E no Pai-Nosso? O mal, inspirado pelo Maligno I

A interpretação dos metafísicos pode ajudar-nos a aproximar da questão do mal em geral, mas a oração do Pai-Nosso tem toda uma outra dimensão. O mal do qual suplicamos que o Pai nos livre está bem identificado na Escritura: é o diabo ou o Maligno (com maiúscula), um anjo decaído, criatura mais forte que o ser humano, e que está na origem do mal. O poder dessa criatura explica o porquê de parecer que o mal submerge a humanidade.

Mas Jesus faz-nos pedir ao Pai que nos livre do Mal – melhor: pela sua cruz e pela sua ressurreição, Jesus é ele mesmo a libertação enviada pelo Pai. 


4. E ainda uma palavra final…

“A visão não seria tão desejável para nós se não soubéssemos que grande mal é a cegueira; a saúde também se torna mais preciosa pela provação da doença, assim como a luz pelo contraste entre a escuridão e a vida pela morte. Assim, o reino celestial é mais precioso para aqueles que conhecem a terra; e quanto mais precioso for para nós, mais o amaremos.”

Santo Ireneu de Lyon, Contra os Hereges (188), Livro IV, 22, 2.

(Trad a partir da ed. de Sources chrétiennes, Paris: Cerf, 1969.)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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