“Isto aqui dava um belo pinhal!”

Um novo ano é um convite a introduzirmos novidade nas nossas vidas, para que elas sejam mais felizes e fecundas. Mas isso não é garantido. “Ano Novo” não traz necessariamente “Vida Nova”.

Um novo ano é um convite a introduzirmos novidade nas nossas vidas, para que elas sejam mais felizes e fecundas. Mas isso não é garantido. “Ano Novo” não traz necessariamente “Vida Nova”.

Um chefe militar tinha acabado de conquistar um território tão vasto quanto deserto. Olhando, comentou: “Isto aqui dava um belo pinhal!” Alguém contrapôs: “Sabe quantos anos demora um pinhal a crescer?” Ao que ele respondeu: “Então vamos começar amanhã!”

Li esta história há já muitos anos. Creio que se passou com o Tenente-general inglês Montgomery na Campanha do norte de África, na 2ª Guerra Mundial, mas não garanto. O que garanto é que há desertos que podiam vir a ser pinhais se apenas tivéssemos fé. Um novo ano é um convite a introduzirmos novidade nas nossas vidas, para que elas sejam mais felizes e fecundas. Mas isso não é garantido. “Ano Novo” não traz necessariamente “Vida Nova”.

Ainda por cima rodeámos o Reveillon de uma série de falsas ideias que muito contribuem para que tudo continue como dantes depois de passar a ressaca da festa. Uma delas é pensar que o momento mágico da passagem de ano (“10, 9, 8, 7… Viva!”) faz, de algum modo, um reset das nossas vidas. Como se alguma porta se abrisse para nós nesse momento, mais do que em qualquer outro momento do ano. Mas a verdade é que – como sabemos – o ano poderia terminar a 23 de agosto às 11 da manhã ou noutra data qualquer. Convencionou-se assim no nosso calendário. É totalmente arbitrário. O ano podia ao menos mudar no solstício de Inverno, quando os dias começam a crescer, que assim ainda haveria alguma ligação aos ciclos natureza. Mas nem isso acontece no calendário gregoriano.

Acreditando na “magia” desse momento ficamos à espera que o novo ano nos traga coisas boas. “Que 2023 te traga tudo o que mais desejas!” diz o amigo com lágrimas sinceras nos olhos, enquanto estende o seu copo de champanhe. Mas a verdade é que, normalmente, a vida não nos traz nada de bom enquanto nos sentarmos à espera do que ela nos possa eventualmente trazer. Os meus verdadeiros amigos não me dizem “Que a vida te traga coisas boas”; estimulam-me a lutar por construir pinhais no deserto. E garantem-me que estão do meu lado. Isto sim, pode trazer coisas boas e abrir bem um novo ano.

Os meus verdadeiros amigos não me dizem “Que a vida te traga coisas boas”; estimulam-me a lutar por construir pinhais no deserto. E garantem-me que estão do meu lado. Isto sim, pode trazer coisas boas e abrir bem um novo ano.

Mas então, por vezes na vida, não temos de atravessar alguns desertos? Onde está a resiliência cristã? Sim, é verdade que, por vezes, temos de saber aguentar, unidos à cruz de Cristo. Mas também é verdade que não fomos criados para o deserto. O deserto, para nós cristãos, não é pátria; é local de passagem. Fomos criados e salvos para uma vida cheia. Não podemos acusar Jesus de falta de clareza:

“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância!” (Jo 10,10).

O novo ano será novo se ensaiarmos passos novos. Para isso temos de ser criativos, como o militar inglês que olhou para o deserto e “viu” o que ali poderia acontecer. Toda a novidade começa no sonho, na imaginação, no “e se eu…?”, “e se nós…?”. Assim aconteceu com Santo Inácio, quando estava de convalescença: “E se eu fizesse como os santos?”, “E se eu fosse a pé a Jerusalém?”.

Ser criativo é muito mais do que – ao começar o novo ano – ganharmos forças para fazermos aquilo que sabemos que é certo fazer (tentar não gritar tanto com os filhos, ir mais ao ginásio ou fazer Exercícios Espirituais). Ser criativo é sonhar coisas novas e, eventualmente, impensáveis e fazer atos de fé que levam a lutarmos por aquilo que, de bom, sonhámos. O profeta Isaías convidava a este ato de fé, falando a um povo que estava, provavelmente, no terrível desânimo do exílio:

O deserto e a terra árida vão alegrar-se,
a estepe exultará e dará flores belas como narcisos.

Vai cobrir-se de flores
e transbordar de júbilo e de alegria. (Is 35, 1-2)

Para isto temos de combater 3 inimigos. Chamei-lhes “os inimigos do ano novo”:

A falta de imaginação. Somos extremamente repetitivos, quer em relação ao enredo quer em relação ao personagem. Tendemos, com frequência, a repetir o que já deu bem ou não deu assim tão mal. O hamster pôs-se a correr na sua roda de plástico e – mesmo estoirado – não para de correr. Antes tenta correr cada vez mais depressa para não perder algo que , eventualmente, possa estar lá mais a frente. Não entende que deveria parar, sair da roda e olhar com calma e imaginação para tudo o que o rodeia.

Santo Inácio, nos Exercícios Espirituais, sugere que nos imaginemos na hora da nossa morte e que aí – olhando para trás – pensemos o que gostaríamos de ter feito. Ou que então imaginemos o que recomendaríamos a uma outra pessoa que está na nossa situação. São tudo técnicas para levar o hamster a sair fora da roda para poder ver mais claro.

antas coisas que já perdemos na vida por preguiça! Prezamos as nossas pequeninas comodidades, os nossos pequeninos prazeres, mas a falta de abnegação castra a imaginação.

Outro inimigo é a opinião das outras pessoas. Somos extremamente condicionados pela opinião dos outros ou por aquilo que pensamos que os outros vão pensar. E por vezes até nos enganamos. Lembro-me que – quando decidi entrar na Companhia – imaginei as reações dos meus colegas de trabalho quando lhe dissesse que “ia para padre”. Para grande espanto meu, só recebi apoios. Quantos passos deixamos de dar por medo da opinião alheia!

Noutras situações tomamos decisões que vão mesmo desagradar a algumas pessoas. Essas pessoas vão ficar a pensar menos bem de nós, a achar que não valemos assim tanto. Isto é doloroso, sobretudo se são pessoas que respeitamos. Mas, tal como afirmaram Pedro e os apóstolos diante do Sinédrio que os proibia de falar de Jesus,

Importa mais obedecer a Deus do que aos homens (Act 5, 29)

Um terceiro inimigo do ano novo são os nossos instintos básicos. “Construir um pinhal? Sabe quanto tempo demora um pinhal a crescer? Deixe-se lá de ideias!” Tantas coisas que já perdemos na vida por preguiça! Prezamos as nossas pequeninas comodidades, os nossos pequeninos prazeres, mas a falta de abnegação castra a imaginação. Sabemos que plantar um pinhal exige esforço e paciência e então começamos a achar que talvez não valha a pena lutar por ter ali um pinhal… Com frequência, para não sacrificarmos o presente ao futuro acabamos por sacrificar o futuro ao presente. Outro instinto inimigo é o “apetecer”. Comandados pelo desejo chegamos a convencer-nos que é vontade de Deus algo que nos apetece muito. Temos de ter cuidado, sobretudo quando a ideia vem acompanhada de uma pressa irresistível. “O amor é paciente” e as inspirações divinas também, ao contrário dos nossos instintos básicos. Esta paciência não se opõe à prontidão mas reveste-a de uma certa gentileza.

Chegámos ao fim de um ano e ao início de outro. O novo ano será um Ano Novo? Depende de nós. Bom Ano Novo!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.