«Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito», afirmou o Papa Francisco na sua mensagem deste ano para o Dia Mundial da Paz. Foi justamente com esse desejo que há um ano o Ponto SJ lançou a iniciativa “A política interessa-nos”. Como dissemos na altura: “parece-nos que preparar com seriedade as eleições que aí vêm é algo que deve ser uma responsabilidade de todos os cristãos – e queremos contribuir para que essa seriedade seja possível.”
A Igreja tem reiterado a importância de os cristãos participarem ativa e conscientemente na vida política, quer diretamente, quer através da participação cívica e em eleições democráticas. Numa sociedade política pluralista, a Igreja quer ser uma voz profética, com um pensamento social positivo e construtivo, com uma proposta concreta de promoção da dignidade da vida humana em todos os momentos do seu desenvolvimento, com especial predileção pelos mais frágeis e pelos que estão nas periferias sociais e económicas.
O número 76 da Gaudium et spes (GS) lembra-nos que a Igreja “de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado”. Pelo contrário, o Concílio Vaticano II apela à responsabilidade pessoal na formação da própria consciência, reconhecendo a pluralidade de opções políticas: “muitas vezes, a conceção cristã da vida incliná-los-á para determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros fiéis, porém, com não menos sinceridade, pensarão diferentemente acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e legitimamente.” (GS 43) O mesmo número relembra que “a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja” e termina convidando ao esclarecimento mútuo “num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum.”
Procurando concretizar estes propósitos, e num clima de diálogo que promova uma escuta sincera, o Ponto SJ pediu a cinco instituições ligadas à Companhia de Jesus que colocassem questões aos partidos que concorrem a todos os círculos eleitorais. Essas questões inspiram-se nas Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus e partem de casos concretos com que essas instituições se defrontam no dia-a-dia em áreas como: o ambiente, o interior, os refugiados, a pobreza e o terceiro setor e a família. Em cada dia da próxima semana iremos apresentar o caso concreto, a questão e as respostas que os diversos partidos apresentaram.
Com esta iniciativa, o Ponto SJ pretende contribuir para um esclarecimento consciente dos seus leitores sobre temas que consideramos fundamentais. Respeitando a pluralidade de posições políticas existente no nosso sistema político, queremos contribuir para um diálogo e uma escuta sinceros sobre o pensamento dos diferentes partidos. Só esta atitude de abertura ao outro permite a busca do bem comum.
Queremos contribuir para um diálogo e uma escuta sinceros sobre o pensamento dos diferentes partidos. Só esta atitude de abertura ao outro permite a busca do bem comum.
O Papa Francisco alerta frequentemente para o perigo das ideologias “que mutilam o coração do Evangelho.” Na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (GE) Francisco explica que as ideologias surgem quando separamos o empenho social do relacionamento pessoal com Cristo e com a comunidade ou quando se relativiza o compromisso social, considerando-o menos importante que determinadas questões éticas. Na verdade, continua o Papa, se somos verdadeiramente movidos por Cristo e pelos valores do Evangelho, na altura de avaliar as propostas políticas, “a defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte.” (GE, 100) A este propósito, será também interessante analisar o documento Um olhar sobre Portugal e a Europa à luz da Doutrina Social da Igreja, publicado pela Conferência Episcopal Portuguesa, em abril. Já o Papa Bento XVI, no número 26 da Encíclica Deus Caritas Est, nos relembrava que a ação política dos cristãos terá sempre que começar e terminar no amor concreto, porque, por mais que as instituições políticas se empenhem na promoção da justiça, “existirão sempre situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo.”
A nossa iniciativa parte do concreto, da vida de quem, movido pelo exemplo de Jesus, está no terreno. Queremos ajudar os nossos leitores a descerem à realidade, e a não se ficarem por ideias que, facilmente desembocam em ideologia. A política interessa-nos e esta é a forma pela qual queremos contribuir para o diálogo, sem fugir à complexidade que a defesa da dignidade da vida humana envolve. Acreditamos que, deste modo, podemos dar um pequeno contributo para que a decisão do voto seja livre, confrontando a realidade com a luz do Evangelho e o ensinamento da Igreja.
Aqui fica, desde já, o nosso agradecimento às instituições que colocaram as perguntas e apresentaram os casos, bem como aos partidos políticos que aceitaram colaborar com o Ponto SJ nesta iniciativa.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
