Neste tempo de Advento, que para os cristãos é um tempo de preparação do nascimento de Jesus, o Salvador – o Ponto SJ convidou quatro personalidades não crentes a refletirem sobre a esperança. Nos quatro domingos do Advento publicaremos reflexões sobre a esperança, que é também o tema proposto pelo Papa Francisco para o Jubileu que se assinalará em 2025.
Hoje publicamos o último artigo, da autoria da jornalista Mafalda Anjos, que nos fala do Papa Francisco, do seu exemplo de tolerância, perdão e de simplicidade, e que é, na sua opinião, o melhor dos seguidores de Jesus Cristo.
Pediram-me para escrever sobre o Papa Francisco. Um convite inesperado: não sou uma católica praticante (já fui, até à minha adolescência), e não sou uma escriba sobre os temas da fé. Mas sou, avanço desde já, uma admiradora confessa do Papa Francisco, como homem e como líder.
Foi fácil começar este texto. É que, neste Natal, Francisco inaugurou um dos presépios do Vaticano, onde o menino Jesus dormiu em cima de um keffiyeh, o tradicional lenço palestino. Inacreditável, dirão alguns. Revolucionário e corajoso, digo eu. Seria muito mais fácil passar ao lado do polarizador tema internacional, mas o que se passa na Palestina – todo o imenso sofrimento atroz infligido a este povo –, tem de indignar qualquer ser humano decente. E Francisco não fecha os olhos à dor, mesmo que as suas tomadas de posição possam chocar e até mesmo afrontar correntes da sua própria Igreja.
Francisco é, neste sentido, o melhor dos seguidores de Jesus Cristo.
Repete diariamente o seu exemplo. Basta ler a Bíblia, algo que me ocupou longos verões de filha única, para perceber que Jesus foi, sim, revolucionário, ao advogar amor e tolerância. Os Evangelhos mostram um homem comprometido com a justiça social e escandalosamente generoso com pessoas que estavam à margem da sociedade e eram ostracizadas: prostitutas, os pecadores, os gentios, os endemoniados – sentava-se à mesa com eles. Integrava e não os colocava à margem.
Tenho esta tese há anos: todas as sacristias do mundo deveriam ter inscrita a pergunta: “O que faria o papa Francisco no meu lugar?”. Se todos os responsáveis católicos sem excepção (dos Cardeais aos Párocos da aldeia mais remota) se pautassem no dia-a-dia pela forma como Bergoglio atuaria, talvez a Igreja Católica fosse mais próxima das pessoas. Talvez tivesse, já hoje, um discurso mais chamativo, menos anacrónico. Uma Igreja a adaptar-se à “forma como o mundo é”. Uma Igreja com lugar para “todos, todos, todos”, como tão simples mas eloquentemente disse aqui em Lisboa.
Embora Francisco recuse esse estatuto (e até a ideia de que é de esquerda, porque diz que tudo o que advoga está afinal nas escrituras), tem todas as características de um grande líder político – humanismo, vontade de mudar, coragem, carisma e despojamento.
As suas encíclicas são sempre documentos absolutamente notáveis, excelentes análises sociais e políticas. A Fratelli Tutti, divulgada em 2020, dedicada à “fraternidade e amizade social”, devia ser lida por crentes, não crentes, desiludidos e agnósticos. Uma crítica frontal ao retrocesso histórico que se assiste no mundo com o reacendimento dos populismos e novos nacionalismos, a escalada de ódio, racismo e intolerância.
Francisco é, acima de tudo, um exemplo inspirador de renovação. Francisco é futuro, não é passado.
Aquele que decidiu abolir o segredo pontifício nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos. Aquele que numa das primeiras respostas aos jornalistas, a propósito da homossexualidade, chocou meio mundo ao soltar um desinibido: “quem sou eu para julgar?”. Aquele que permitiu que transsexuais possam ser batizados e homossexuais possam ser padrinhos de batismo. Aquele que lava os pés a criminosos e batiza filhos de mães solteiras, aquele que recusa mordomias e luxos (ou não fosse ele um jesuíta). Aquele que incentivou a que, no Sínodo dos Bispos, passasse a incluir 70 membros não bispos, metade dos quais devem ser obrigatoriamente mulheres.
É este Francisco e o seu exemplo de tolerância, perdão e de simplicidade, que a Igreja Católica tem a sorte de ter como líder. Possa ela, por todo o mundo, inspirar-se, aprender com ele e seguir as suas pisadas.
*A fotografia que ilustra este artigo é de Miguel Cardoso na JMJ 2023
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.