“Por isso, Francisco pedia que, no convento, se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres, a fim de que, quem as admirasse, pudesse elevar o seu pensamento a Deus, autor de tanta beleza.”
Laudato Si’ 12.
Temos um canteiro no pé de uma laranjeira onde plantei uma alfazema. Esteve quase a morrer, mas o que é certo é que vingou e está uma bela planta, cheia de flores. Sempre que olho para o canteiro, zango-me comigo mesma por ainda não ter comprado e plantado mais, para preencher o espaço que falta, de modo a que a laranjeira fique toda rodeada de alfazemas, imagem que me agrada bastante, digna de qualquer jardim do sul de França!
Fomos abençoados com um inverno chuvoso e, até agora, uma primavera que tem vindo de encomenda, com períodos intercalados de chuva e de sol. A barragem está cheia, o campo tem erva farta, os animais estão redondos! Dá gosto passear no campo num ano destes! Até o tom de verde das folhas das árvores é diferente. É um verde vivo, pois é de vida que se trata! Vida e beleza que se traduz nas cores e cheiros da natureza, esta primavera!
E eis que o nosso canteiro, à boleia do resto do campo, se encheu de espigas e papoilas, no dito espaço vazio. Até parece que as plantei, que estava tudo pensado e programado, mas não, confesso que não fui eu! Cada vez que olho para o canteiro, sorrio e lembro me de S. Francisco!
Esta ideia fez-me equacionar como preenchemos o nosso tempo e o queremos ter todo planeado. Ou seja, temos espaços vazios nos nossos canteiros? Que é como quem diz, na nossa vida? No nosso dia-a-dia, na nossa agenda? Ou tendemos a preencher tudo, a sermos produtivos ao máximo? A estarmos sempre entretidos? Será que vamos buscar segurança a essa sensação de termos tudo sob controlo, de consumir tudo e todos?
Damos espaço ao vazio? A tempos “mortos”? Deixamo-nos entediar? Damos espaço ao espontâneo acontecer? Entregamos ou deixamo-nos entregar? Ou por outras palavras, damos espaço para que Deus aconteça na nossa vida? Para que Deus se revele? Para O ouvir? Para acreditar?
A Gestão de Tempo é um assunto pelo qual me interesso e iniciei este ano com uma pequena formação sobre o tema. Uma das dicas que me ficou foi a necessidade de colocar na agenda os tempos de descanso e deixar alguma margem para os deslizes, para as derrapagens de tempo, isto é, não preencher todo o tempo!
Entre o trabalho, reuniões, conciliar os horários dos miúdos, as atividades de tempos livres, o ginásio, supermercado, fazer refeições, cuidar da casa, festas de anos, jantares, missas, etc, etc, tentamos ou damos importância a ter um tempo em branco? Não é um tempo para ler, para nadar, para fazer pilates, andar a pé ou tomar café com a amiga. Esta semana, convido-vos a buscar a sabedoria de S. Francisco, e ousemos deixar um tempo vazio no nosso dia. Podemos mesmo continuar esta analogia com o campo e a agricultura (e porque não!?), e chamemos-lhe um Tempo de Pousio.
Que este Tempo de Pousio potencie em nós a consciência e a importância de nos conectarmos com o mundo natural. Que nos leve a contemplar, a olhar, a escutar o que está à nossa volta. A dedicar tempo ao silêncio (que este não nos assuste), sem pressas, sem julgamentos dos nossos pensamentos.
Que este Tempo de Pousio potencie em nós a consciência e a importância de nos conectarmos com o mundo natural. Que nos leve a contemplar, a olhar, a escutar o que está à nossa volta. A dedicar tempo ao silêncio (que este não nos assuste), sem pressas, sem julgamentos dos nossos pensamentos. Que nos inspire a cuidar melhor das nossas relações, seja com os outros, com o meio ambiente e/ou conosco próprios. Que nos traga uma sensação de paz, harmonia e equilíbrio. Que nos leve a agradecer, a apreciar a singularidade de cada coisa, o pormenor e o detalhe. Que devolva uma poesia ao nosso olhar, um encantamento, um enamoramento. Demorem-se aí, fiquem aí onde o tempo pára, a brisa é suave e tudo é música!
Aí está Deus, na beleza de todas as coisas, no nosso quotidiano, em todo o nosso redor! Aí vem calor, riso e emoção ao nosso coração e a felicidade é sentida e profunda! Aí sentes-te amado e podes descansar!
Pode ser que com o tempo, se insistirmos neste Tempo de Pousio, as “Sementes da Esperança” * encontrem terra fértil. Se assim for, e a seu tempo, que este tempo que parece à partida inútil e improdutivo, faça crescer um belo canteiro de espigas, papoilas e flores silvestres! E que quem olhe para a nossa vida a admire e eleve o seu pensamento a Deus!
*Sementes de Esperança – lema da Semana Laudato Si’ 2024
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.