Como descobriste a Igreja?
Ao fazer o exercício de procurar a memória mais antiga que tenho, dou por mim a lembrar-me vagamente de, muito muito miúdo, estar enfiado nos lençóis da cama com o meu pai sentado ao meu lado antes de adormecer, a rezar a sequência de orações que ainda hoje, vinte e tal anos depois, fecham o meu dia: Anjo da Guarda, Avé-Maria e Pai-Nosso. E nunca deixávamos de rezar pelas crianças de Angola, Timor e Moçambique! Por isso, se há um sítio onde posso dizer que descobri a Igreja foi em casa, com uma mãe e um pai que, desde sempre, fizeram da vivência da Fé uma parte fundamental da nossa vida em família. Pude ir vendo, desde que me lembro, como não viviam apenas uma Fé de ir à missa aos domingos, mas de abrir as portas de casa a muitos e muitos jovens, de sair de casa várias vezes para ir a esta ou aquela reunião. No fundo, fui sendo moldado por um testemunho de uma Fé vivida ao serviço dos outros, que marcou profundamente o caminho que fui fazendo. Se me sinto imensamente agradecido aos meus pais por tudo o que me foram proporcionando ao longo da vida, mais ainda tenho que agradecer pela Fé que, mais que tudo o resto, dá um profundo sentido à minha vida.
No entanto, não podia deixar de referir a importância decisiva que foi tendo neste percurso de descoberta da Igreja o meu tio-avô, Cónego António Janela. Foi com ele que fui tendo as primeiras grandes conversas sobre a história, o presente e o futuro da Igreja. Foi a ele que fui roubando (muito democraticamente!) os primeiros livros que foram formando o meu olhar e a minha consciência sobre muitos dos temas do mundo e da Igreja actual. Foi também com ele que fui aprendendo a valorizar a riqueza de uma Igreja plural e diversa, porque verdadeiramente católica, mas em que “o todo é superior à parte”. Por isso, é inteiramente justo reconhecer, hoje, que muito daquilo que sou e penso, não só mas sobretudo na minha vida de Fé, tem uma marca indelével do meu Tio Tó, pela qual lhe terei sempre uma dívida de gratidão.
Como vives a fé no dia-a-dia, na escola, no trabalho, em casa?
Gostava de um dia chegar a poder responder genuinamente a esta pergunta com um simples “vivo a Fé vivendo a vida, sou um só!”. Enquanto os meus erros e defeitos não mo permitirem dizer com total verdade, vou procurando todos os dias ir sendo cada vez mais coerente em todas as dimensões da minha vida e ir crescendo na capacidade de deixar que a Fé alimente os critérios de todas as minhas decisões. Uma tendência que me parece existir no mundo de hoje, e da qual não estou de forma nenhuma livre, é a profunda fragmentação de vida em que aquilo que sou vai variando consoante os sítios onde sou chamado a ser. E de facto, se há um ponto de esforço que tento ter diariamente é a recusa de viver fragmentado, não deixando que a Fé entre apenas numas áreas da minha vida. Descobrir e dar testemunho da beleza e da alegria de viver uma verdadeira unidade de vida tem sido para mim, apesar de todas as falhas, uma experiência muito edificante e transformadora.
Se há um ponto de esforço que tento ter diariamente é a recusa de viver fragmentado, não deixando que a Fé entre apenas numas áreas da minha vida. Descobrir e dar testemunho da beleza e da alegria de viver uma verdadeira unidade de vida tem sido para mim, apesar de todas as falhas, uma experiência muito edificante e transformadora.
Em que sentes que precisas de mais ajuda da Igreja?
Sou um enorme privilegiado. Na Igreja que também sou, sinto que tenho espaço para me envolver e para ser ouvido. Encontrei na Igreja (não só, mas especialmente nas Equipas de Jovens de Nossa Senhora) um lugar onde me posso conhecer melhor a mim mesmo, onde posso ir descobrindo o meu projecto de vida, onde posso ir pondo a render os meus talentos ao serviço dos outros, onde posso ir trabalhando as minhas fragilidades e fraquezas. Mais que tudo isso, tenho hoje na Igreja uma verdadeira comunidade com quem vou aprofundando a minha intimidade com Deus, com quem vou procurando conformar-me mais a Jesus e com quem vou aprendendo a apreciar a acção do Espírito Santo na minha vida. Posto isto, que não é pouco, continuo a querer encontrar cada vez mais na Igreja um acompanhamento pessoal, que me acolha e compreenda sempre, mas que não deixe nunca de exigir mais de mim e de me colocar a fasquia alta da santidade.
Como podes colaborar mais com a Igreja?
Neste tempo da minha vida, sinto-me mais do que nunca parte da vida da Igreja e sinto que a Igreja tem um lugar absolutamente estruturante na minha vida. Na verdade, dou por mim muitas vezes a pedir a Deus que me ajude a resistir aos perigos de um certo activismo espiritual inebriante que, sem eu dar por isso, me transforme num burocrata da fé, incapaz de me deixar comover e sentir agradecido pelas graças que vou recebendo gratuitamente. Apesar de tudo, e porque levo gravado como lema de vida o “aspirai às coisas do Alto”, sei que muito ainda me falta para estar inteira e verdadeiramente ao serviço da Igreja. Estou convencido de que, na Igreja que hoje somos, se existe um défice de alguma realidade, ele é muito mais de testemunhos de vida do que de mais e novas propostas. Como ficou escrito no documento da Reunião Pré-Sinodal em Roma, “os jovens pedem testemunhos autênticos: homens e mulheres capazes de expressar com paixão a sua fé e a sua relação com Jesus, e ao mesmo tempo, de encorajar outros também a aproximarem-se, a encontrarem-se e a apaixonarem-se por Jesus.” Por isto mesmo, gostava de poder colaborar cada vez mais com a Igreja sendo verdadeiro modelo de vida alegre, apaixonada e comprometida para aqueles com que me for cruzando.
O Tomás pertence às Equipas de Jovens de Nossa Senhora mas nesta entrevista dá-nos o seu testemunho pessoal.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.