Talvez a palavra que mais vezes se repete no recente documento editado pela Companhia de Jesus sobre a Educação – Jesuit Schools: A Living Tradition in the 21st Century (5 novembro de 2019), já disponível em espanhol –, seja: MUDANÇA.
Depois de numa primeira parte se revisitarem alguns textos essenciais– Características da Educação na Companhia de Jesus (1986), Pedagogia Inaciana: uma abordagem prática (1993), Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus (2019), entre outros, –, numa segunda, o documento descreve uma série de mudanças sociopolíticas, educativas, da prática religiosa, da Igreja Católica e da Companhia de Jesus. Estas mudanças, mais do que lamentos epocais, são-nos apresentadas como potenciais catalisadores da criatividade, que mantendo-se fiel aos seus fundamentos, diante destes sinais dos tempos, procura discernir o caminho para um futuro renovado.
Na terceira e última parte, a Comissão Internacional para o Apostolado Educativo Jesuíta (ICAJE) concretiza a reflexão que tem vindo a fazer nos últimos oito anos em 10 Identificadores Globais:
1) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se a ser católicas e em oferecer uma profunda formação religiosa em diálogo com outras religiões e visões de mundo, a ser Escolas de Diálogo (n. 167), promovendo uma sólida formação na fé e uma educação teológica para toda a comunidade e uma sólida formação catequética para os Católicos (n. 171).
2) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se em criar um ambiente seguro e saudável para todos, promovendo e garantindo um ambiente livre de qualquer forma de abuso (n. 172).
3) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se com a cidadania global, preparando os alunos e as suas famílias para se reconhecerem, antes de mais, como membros da família humana, com uma responsabilidade comum por todo o mundo (n. 179).
4) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se com o cuidado de toda a criação, assumindo a visão amorosa de Deus pelo mundo, como corresponsáveis pela criação, na linha das Preferências Apostólicas Universais (n. 190).
5) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se com a justiça, porque o compromisso com a justiça social não é marginal, mas está no coração da missão da Companhia de Jesus (n. 201), dando expressão ao lema de educar “Homens e mulheres para os outros” (n. 204).
Somos parte de um mundo em transformação acelerada e somos chamados, nesse movimento desinstalado de preconceitos, a redescobrir Deus presente em todas as coisas, escutando as mudanças como desafios e perdendo o medo do discernimento.
6) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se em ser acessíveis a todos, evitando o elitismo (n. 218), procurando formas que lhes permitam manter-se abertas a todos, independentemente da capacidade de pagamento (n. 220), e respondendo à Segunda Preferência Apostólica Universal (n. 222).
7) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se com a interculturalidade porque, inspiradas pela meditação da Encarnação dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio (n. 224), consideram que a diversidade e a diferença são dons de Deus que possibilitam a comunhão solidária entre todos (n. 236).
8) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se em ser uma rede global no serviço da Missão, onde cada Escola Jesuíta se reconheça como uma extensão da missão internacional da Companhia (n. 243), trabalhando em rede com as outras através da plataforma da Educate Magis (n. 251)
9) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se com a excelência humana, humanizando as suas comunidades educativas (n. 258) e tendo como objetivo a educação de homens e mulheres conscientes, compassivos, comprometidos e competentes (n. 267).
10) As Escolas Jesuítas devem comprometer-se com a aprendizagem ao longo da vida, que procura encontrar Deus em todas as coisas (n. 273), oferecendo oportunidades, dentro e fora da sala de aula, para que os alunos se apaixonem pelo mundo (n. 282), desejando transformá-lo com os seus dons e talentos (n. 283).
Não estamos, pois, diante de um documento teórico, num sentido pessimista do termo, mas diante de uma proposta que nos quer conduzir ao diálogo com a realidade diária das nossas escolas e dos nossos alunos. Somos parte de um mundo em transformação acelerada e somos chamados, nesse movimento desinstalado de preconceitos, a redescobrir Deus presente em todas as coisas, escutando as mudanças como desafios e perdendo o medo do discernimento. Por isso, juntamente com as recomendações, ao longo do texto, vão surgindo vários Exercícios para o discernimento, com perguntas concretas que pretendem provocar no Educador Inaciano e na sua Comunidade Educativa uma reflexão profunda sobre o seu contexto, a sua ação e a sua experiência, avaliando a forma como têm respondido e querem responder à mudança.
A mudança que nos é proposta por este documento exige uma passagem: a de uma tradição estagnada a uma tradição viva. O convite a deixar o museu empoeirado da teoria abstrata, para aderir à prática renovada do Magis.
Fotografia: João Ferrand
Artigo atualizado a 14 de novembro às 10h36 – Ligação para a versão espanhola do documento
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.