Discernimento Moral Cristão: Inclusividade, Identidade e Unidade na Igreja

Esta reflexão publicada em três partes, em dias diferentes, pretende aprofundar temáticas como a Inclusividade, a Identidade e a Unidade na Igreja. A terceira e última parte hoje divulgada aprofunda o tema da Unidade na Igreja.

Esta reflexão publicada em três partes, em dias diferentes, pretende aprofundar temáticas como a Inclusividade, a Identidade e a Unidade na Igreja. A terceira e última parte hoje divulgada aprofunda o tema da Unidade na Igreja.

Introdução
Os tempos que estamos a viver são, como sabemos, tempos de profundas mudanças no nosso mundo. Sendo formada por homens e mulheres de cada tempo, é natural que também a Igreja possa ir sofrendo transformações no seu modo de viver. A mudança é, de resto, algo que não só encontramos sem dificuldade na longa história da Igreja, como parece até fazer parte da própria identidade da dinâmica cristã (que, além de nos desafiar a uma contínua conversão, convida-nos também a um constante aprofundamento da nossa vivência cristã, em todas as suas consequências).

Verdadeiros aprofundamentos, porém, apenas serão possíveis quando fiel e visivelmente fundados Naquele que nos propomos seguir: Jesus Cristo. É, de resto, apenas em torno Dele e da sua palavra que o grande número de pessoas que formam a Igreja (em tão grande diversidade de perspetivas e de contextos culturais) pode encontrar razões e sentido para se congregar.

Este artigo visa recordar alguns dos pontos que poderão ser importantes para um discernimento em Igreja de caminhos a explorar no futuro, realçando a tensão que terá de existir entre conceitos como inclusividade e identidade ou unidade na Igreja.

O texto é formado por um total de 14 parágrafos e está dividido em três partes, as quais irão ser sucessivamente publicadas nesto Ponto Sj.

 

Parte 1
1. Jesus, Mestre de inclusividade
2. Mas Jesus convida-nos a percorrer um caminho concreto
3. Distinguir ‘De onde venho’ de ‘Para onde quero ir’
4. Como discernir? O valor da consciência humana individual
5. O risco dos discernimentos individualistas
6. Para além de um otimismo antropológico ingénuo

Parte 2
7. Jesus indica comportamentos específicos a adotar ou a evitar?
8. Ter acesso ao texto do Evangelho basta?
9. O ‘Nós’ é mais do que um conjunto de ‘Eu’s separados
10. Deverá a Igreja definir limites? Em busca do que é ‘católico’

Parte 3
11. Documentos oficiais da Igreja
12. Estou em comunhão com a Igreja, recebo a comunhão da Igreja
13. Tensões e unidade dentro da Igreja
14. Discernindo o caminho em Igreja

 

11. Documentos oficiais da Igreja
Tal como o texto do Credo (embora não com a mesma autoridade), os documentos oficiais da Igreja hoje tentam então plasmar aquilo que a comunidade cristã, liderada pelos seus pastores, interpreta como proposta de Jesus para os nossos tempos.

Se, como atrás referido, é verdade haver hoje dificuldade em aceitar que o leque de possibilidades de escolhas pessoais possa não ser ilimitado, então não é difícil de entender porque é que a popularidade de documentos oficiais da Igreja possa não estar a experimentar os seus melhores dias. De facto, em alguns ambientes eclesiais, a mera referência ao indicado em documentos como o Código de Direito Canónico ou o Catecismo da Igreja Católica parece, por vezes, despertar sentimentos de indiferença, quando não mesmo de aversão. Isto como se não fizesse sentido algum que a Igreja redigisse documentos desta natureza (como se o ideal fosse que tais tipos de documentos simplesmente não existissem).

É verdade que, como não podia deixar de ser, documentos como estes tratam das questões em termos genéricos ou abstratos – enquanto a vida real é sempre concreta e situada (e sempre mais complexa, e com mais variáveis que qualquer conjunto de documentos possa prever).

E também é, sem dúvida, verdade que, para um cristão, documentos desta natureza (ou pelo menos um seu excessivo protagonismo) poderão despertar ou conduzir a tendências moralistas ou legalistas – precisamente aquelas que tanto resistiram e tantas dificuldades criaram a Jesus e à sua missão (acabando, no final, por contribuir até para a sua morte). Não é, certamente, nenhuma ‘Lei’ (por mais perfeita que, a nível teórico, possa parecer) que os cristãos adoram e procuram seguir: é, isso sim, a pessoa e a vida de Jesus.

E também é, sem dúvida, verdade que, para um cristão, documentos desta natureza (ou pelo menos um seu excessivo protagonismo) poderão despertar ou conduzir a tendências moralistas ou legalistas – precisamente aquelas que tanto resistiram e tantas dificuldades criaram a Jesus e à sua missão (acabando, no final, por contribuir até para a sua morte). Não é, certamente, nenhuma ‘Lei’ (por mais perfeita que, a nível teórico, possa parecer) que os cristãos adoram e procuram seguir: é, isso sim, a pessoa e a vida de Jesus.

Mas a questão que podemos aqui levantar é: será que, pelo receio de cair em legalismos ou moralismos, os cristãos devem desistir de elaborar documentos comuns, que procuram apontar para o estilo de vida ao qual são chamados por Jesus a viver (tal como a comunidade cristã de cada tempo o entende)? Ou, mais ainda do que isso, poderá uma qualquer comunidade humana subsistir, sem definir explicitamente os contornos mínimos da sua doutrina e dos estilos de vida que aponta como ideais (bem como dos que vê como não aceitáveis)?

Para Jesus, como vimos, é indiscutível que nem todos os comportamentos têm o mesmo valor: que nem todos os estilos de vida são igualmente construtores de paz, de justiça e de felicidade. E de facto, através de documentos, também a comunidade cristã tenta indicar aquilo que, para cada tempo, considera louvável e digno de ser cultivado, a par daquilo que não lhe parece aceitável (com formulações que terão certamente de ir sendo constantemente revistas e atualizadas). Qual a autoridade que esses documentos da Igreja terão hoje?

No caso específico da espiritualidade inaciana, o livro dos Exercícios Espirituais, logo no seu texto inicial do “Princípio e Fundamento”, ao referir-se a como devemos fazer nossas escolhas, Inácio especifica claramente: “em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre alvedrio, e não lhe está proibido”. E mais adiante, nos mesmos Exercícios, fala da existência de questões em que “não há mais que escolher” (cfr. EE[171][172]). Talvez estas possam não ser hoje as passagens mais realçadas dos Exercícios. E, no entanto, fazem, também elas, parte da herança espiritual inaciana.

 

12. Estou em comunhão com a Igreja, recebo a comunhão da Igreja

As pessoas que procuram seguir Jesus ‘em comunhão’ com a Igreja Católica (ou seja, de acordo com o que a comunidade cristã interpreta como sendo seguimento de Jesus para os nossos tempos) celebram então juntas a Eucaristia. E recebem nessa ocasião, o sacramento a que chamam precisamente de sacramento da ‘comunhão’ (comunhão eucarística).

É claro que, pela sua maneira de pensar, uma pessoa poderá em consciência não se rever naquilo que a Igreja oficialmente ensina. E, mais do que isso, uma pessoa poderá decidir viver de um modo que contrasta diretamente com a proposta que a Igreja faz, como interpretação do seguimento de Jesus para hoje. Porém, se uma tal pessoa, em consciência, não se sente ‘em comunhão’ com aquilo que a Igreja propõe fará então algum sentido que, ainda assim, se apresente depois precisamente diante de um representante oficial dessa mesma Igreja para, das suas mãos, receber o sacramento da ‘comunhão’? Não representaria tal gesto uma forte incoerência? (e isto numa celebração tida como sagrada para os cristãos). De facto, em tal caso, aquilo que o sacramento eucarístico pretende representar (comunhão com Jesus e com a comunidade cristã) estará em desacordo com aquilo que essa pessoa interiormente sente e vive.

Certamente que a comunhão eucarística não é, nem nunca foi, uma espécie de “prémio para os puros”. Se assim fosse, quem poderia então ousar recebê-la? Qual de nós poderia dizer não ter incoerências ou falhas em tudo o que Jesus nos propõe? No entanto, dizer isto não é equivalente a dizer que então tudo é igual. De facto, para recebermos a comunhão eucarística, não nos é requerido que sejamos perfeitos no seguimento de Jesus (quem pode dizer que o é?). Mas é requerido, isso sim, um verdadeiro desejo interior de querer seguir Jesus, de querer de facto pôr em prática os seus ensinamentos (tal como a Igreja o entende). Não são as nossas obras que nos salvam, mas sim a fé em Jesus: a fé de que é Nele que encontramos a salvação. Sem essa fé, e sem esse desejo interior autêntico de querer pôr em prática os ensinamentos de Jesus (na medida das nossas possibilidades, e da nossa vocação particular), receber a comunhão eucarística representaria então uma contradição entre sinal exterior e realidade interior.

Certamente que a comunhão eucarística não é, nem nunca foi, uma espécie de “prémio para os puros”. Se assim fosse, quem poderia então ousar recebê-la? Qual de nós poderia dizer não ter incoerências ou falhas em tudo o que Jesus nos propõe? No entanto, dizer isto não é equivalente a dizer que então tudo é igual. De facto, para recebermos a comunhão eucarística, não nos é requerido que sejamos perfeitos no seguimento de Jesus (quem pode dizer que o é?). Mas é requerido, isso sim, um verdadeiro desejo interior de querer seguir Jesus, de querer de facto pôr em prática os seus ensinamentos (tal como a Igreja o entende). Não são as nossas obras que nos salvam, mas sim a fé em Jesus: a fé de que é Nele que encontramos a salvação. Sem essa fé, e sem esse desejo interior autêntico de querer pôr em prática os ensinamentos de Jesus (na medida das nossas possibilidades, e da nossa vocação particular), receber a comunhão eucarística representaria então uma contradição entre sinal exterior e realidade interior.

É também por isso que a Igreja diz que, pelo menos em caso de pecado grave, uma pessoa não deverá receber a comunhão, sem antes se ter confessado. E, de facto, já S.Paulo tinha escrito que um cristão não deveria aproximar-se da comunhão eucarística sem antes “examinar-se a si próprio”. Num contexto onde o acesso à eucaristia parecia ter-se tornado algo indiscriminado, S.Paulo não hesitou em afirmar que quem recebe a comunhão sem para tal estar devidamente preparado “come e bebe a sua própria condenação” (1ª Cor 11,27-32). Ou seja, em tais casos, em vez de fazer bem, a comunhão eucarística acaba afinal por fazer mal a quem a recebe. “A comunhão do vosso Corpo e Sangue, Senhor Jesus Cristo, não seja para meu julgamento e condenação, mas, pela vossa misericórdia, me sirva de proteção e remédio para a alma e para o corpo” reza também o sacerdote, em silêncio, pouco antes comungar (cfr. Missal Romano).

Sobre a complexa questão do acesso à comunhão eucarística, talvez não seja despropositado recordar aqui que, aquando da instituição da eucaristia, Jesus não quis que esta fosse celebrada para as “multidões” que O seguiam, tendo cada um diversos graus de preparação prévia (e atraídos, provavelmente, pelo mais variado tipo de motivações). Para esse momento, na verdade, Jesus quis explicitamente que estivessem presentes somente alguns daqueles a quem, ao longo de três anos, Ele foi cuidadosamente preparando. Não porque esses discípulos fossem de algum modo ‘superiores’ aos outros (a Boa Nova é de facto para todos!). Mas provavelmente porque apenas eles, pela preparação que puderam receber, estariam, naquele momento, minimamente em condições para entender o que tal sacramento representa, reconhecendo o seu real valor. E, na verdade, assim fazia também a Igreja dos primeiros tempos: durante os primeiros séculos, o acesso à liturgia eucarística não era indiscriminadamente aberto a todos.

 

13. Tensões e unidade dentro da Igreja

Nos tempos atuais, um crescente número de tensões parece estar a surgir dentro da Igreja. Na verdade, nada disto é substancialmente novo: as tensões fazem, assumidamente, parte da comunidade cristã, desde os seus inícios. E, pelo menos até certo ponto, é até saudável que as tensões existam. Em momentos mais críticos, porém, as polarizações podem crescer de tal modo, ao ponto de quase se converterem num confronto entre ‘grupos rivais’, em que cada um dos lados se sente absolutamente certo da sua posição (e convicto de estar a prestar um bom serviço a Deus – cfr. Jo 16,2), enquanto posições adversas são caricaturadas e apresentadas como desprovidas de qualquer sentido. Também aqui não é garantido que um certo espírito de individualismo (ainda que grupal) não possa estar também presente.

E, no entanto, sabemos bem que nenhum de nós (nenhum dos ‘grupos’) é dono da Igreja. Se é verdade que “nós somos Igreja”, os “outros” provavelmente não o serão menos. E talvez também não sejam menos fiéis, ou teologicamente menos capazes.

Como atrás referido, somente se continuarmos a manter o foco sobre Jesus e sobre o seu projeto para nós é que a Igreja conseguirá manter a sua unidade. Nesse sentido, não parece possível que possamos verdadeiramente seguir Jesus, sem que, ao mesmo tempo, procuremos mantermo-nos também unidos em torno dos sucessores daqueles doze que, intencionalmente, Jesus quis escolher como líderes da sua comunidade. Assim sendo, uma questão importante será sempre a de ver até que ponto as posições que cada um de nós defende estarão ou não em sintonia com os bispos locais – e sobretudo com o bispo de Roma e com os documentos por ele publicados (ou por quem a sua autoridade foi delegada, para o ajudar).

Como atrás referido, somente se continuarmos a manter o foco sobre Jesus e sobre o seu projeto para nós é que a Igreja conseguirá manter a sua unidade. Nesse sentido, não parece possível que possamos verdadeiramente seguir Jesus, sem que, ao mesmo tempo, procuremos mantermo-nos também unidos em torno dos sucessores daqueles doze que, intencionalmente, Jesus quis escolher como líderes da sua comunidade. Assim sendo, uma questão importante será sempre a de ver até que ponto as posições que cada um de nós defende estarão ou não em sintonia com os bispos locais – e sobretudo com o bispo de Roma e com os documentos por ele publicados (ou por quem a sua autoridade foi delegada, para o ajudar).

A este respeito, talvez por ter consciência que uma espiritualidade centrada no indivíduo tem também os seus riscos, Sto. Inácio de Loiola deixou-nos afirmações muito fortes nas regras que ele apelidou de “de sentir com a Igreja” (uma parte dos Exercícios Espirituais talvez não tão citada hoje). Escreve então Inácio que “para em tudo acertar”, devemos procurar acreditar que aquilo que eu vejo ou entendo de uma maneira, deverá afinal ser provavelmente de outra, “se a Igreja hierárquica assim o determina” (cfr. EE [365]). A atitude proposta por Inácio estará, pois, em direto contraste com tomadas de posição que viessem a assumir formulações do tipo “O ensinamento oficial da Igreja diz que… Eu, porém, digo-vos…”.

 

14. Discernindo o caminho em Igreja

Como discernir então o nosso caminho como Igreja? Como perceber qual é ‘a vontade de Deus’ a nosso respeito, para o nosso tempo? Inquestionavelmente, um dos traços essenciais da vida de Jesus, revelação de Deus para nós, é o amor para com todos: um amor universal que se expressa desde logo na forma como Ele acolhe cada pessoa, seja ela quem seja. Como atrás referido, parece claro que, a Jesus, não Lhe interessa de onde cada um vem, o seu currículo, ou até o cadastro que possa ter: o seu acolhimento é, de facto, universal (algo que hoje talvez possa ser exprimido através do termo ‘inclusividade’). Este será por isso, sem dúvida alguma, um dos traços essenciais da identidade cristã.

Por outro lado, como vimos, se é verdade que Jesus não está muito interessado em aprofundar de onde uma pessoa vem, o mesmo não se poderá dizer sobre o para onde essa pessoa vai. De facto, para Jesus não é tudo igual, e nem todos os caminhos têm o mesmo valor (já que nem todos os caminhos levam à realização humana, ou à vida). E por isso a Jesus interessa-Lhe, isso sim, os caminhos que cada um de nós vier a trilhar agora e para o futuro. E é por isso que, a cada um, convida a um caminho concreto (caminho que Ele mesmo percorre primeiro): “segue-Me”.

Quer isto dizer que, para discernir o seu caminho, um cristão não terá mais do que repetir aquilo que no passado foi escrito (desde logo no texto do Evangelho)? Na verdade, repetir simplesmente, ipsis verbis, aquilo que foi escrito antes poderá não resultar automaticamente numa verdadeira fidelidade ao significado original pretendido. De facto, uma vez que, com o passar do tempo, os contextos culturais (e os próprio significados das palavras) vão sofrendo transformações, aquilo que foi escrito em tempos mais antigos, num contexto diferente do nosso, precisa de ir sendo constantemente traduzido para linguagens dos tempos atuais. E isso, precisamente, se queremos ser fiéis à intenção e ao significado originais.

Por outro lado, a reflexão sobre questões antigas não se faz de uma vez só: a compreensão de questões antigas pode ir sendo (cumulativamente) aprofundada. De facto, com o avançar do tempo e da História, a reflexão teológica cristã pode ir conseguindo aprofundar sempre mais o imenso significado da encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus, bem como as suas múltiplas implicações para nós.

Esta necessidade de aprofundamento torna-se ainda mais evidente, se tivermos em conta o desenvolvimento das ciências (naturais e humanas) dos últimos séculos. De facto, graças à sua constante evolução, novos dados vão sempre surgindo para o conhecimento humano. Podemos, por isso, ir sempre tomando conhecimento de aspetos da realidade que eram anteriormente desconhecidos (ou, pelo menos, que não eram tão bem conhecidas). E isso pode fazer surgir novas questões, que antes simplesmente não se levantavam. Ou pode também modificar significativamente o nosso anterior modo de entender questões mais antigas (a hoje possível celebração de funerais religiosos de pessoas que acabaram por pôr fim à própria vida parece ser um bom exemplo disto mesmo).

Portanto, ser fiel a Jesus e preservar a identidade da sua proposta não é o mesmo do que repetir simplesmente aquilo que já foi dito no passado (o que faria suspender o processo dinâmico da reflexão teológica). Pelo contrário, implica antes um constante aprofundamento, bem como uma contínua atualização (que tem também em conta os novos dados que entretanto vão surgindo). “Como faria Jesus, se vivesse no nosso tempo?” será certamente uma das questões-chave orientadoras deste processo.

A expressão “Ecclesia semper reformanda” pode, aliás, aplicar-se não apenas à necessidade de uma contínua conversão da Igreja, mas também ao constante aprofundamento do nosso entendimento sobre a fé. Isto não para negar a verdade daquilo que no passado foi dito (a nossa comunhão de fé estende-se também àqueles que nos antecederam – e graças aos quais pudemos, aliás, ter acesso ao evangelho), mas para tentar que o nosso entendimento possa ir mais ainda fundo e ser mais autêntico, tendo em conta os novos dados e as reflexões que, ao longo da história, vão sendo cumulativamente feitas.

Para alguns, este aprofundamento poderá, por vezes, estar talvez a ir depressa demais. Estes invocam a necessidade de se ser prudente e de se evitar passos em falso (e, menos ainda, de se cair na tentação de aderir a modas ou tendências passageiras). Para outros, pelo contrário, a adaptação aos tempos atuais aparece como demasiado lenta, ou desfasada até do contexto em que hoje vivemos. As insatisfações e as tensões geradas serão então um dos preços a pagar por (graças a Deus) os seguidores de Jesus constituírem hoje uma comunidade mundial ampla e bem diversa.

Através da aceitação e do reconhecimento mútuo, do diálogo e da paciência, acabará certamente por nos ir sendo dada a graça de encontrar sínteses novas, adaptadas a cada tempo, sem que, com isso, a unidade da comunidade cristã seja posta em causa. Esse parece, de resto, ser um dos objetivos do atual processo sinodal, no qual procuramos escutar aquilo que o Espírito inspira a todo o povo de Deus. Naturalmente, uma particular atenção tem de ser dada aos que estudam e refletem sistematicamente sobre estes assuntos. E, mais ainda, àqueles que têm uma visão de conjunto e que têm a  responsabilidade de preservar a união das comunidades cristãs: os seus pastores.

Porque, de facto, para Jesus, a unidade dos seus seguidores (a unidade da Igreja) parece ser algo bastante importante: “que todos sejam um” pediu Ele, instantemente, pouco antes da sua Páscoa (Jo 17,21). Por isso, ao mesmo tempo que procuramos que a nossa Igreja possa ser cada vez mais inclusiva (à imagem de Jesus), procuramos que ela possa preservar também todos os outros traços da sua identidade (que do mesmo Jesus recebeu). E também que, ao longo deste processo, não perca o dom da unidade. Já que, na verdade, sem identidade e sem unidade, não pode haver Igreja. E, sem Igreja, não pode haver verdadeiro seguimento de Jesus.

 

Para ler as duas partes anteriores desta reflexão veja aqui: parte 1 e parte 2

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.