A Páscoa num Mosteiro improvisado

Cada casa, cada sala ou quarto poderá ser um Mosteiro improvisado, lugar que une a terra e o céu. Mas sendo improvisado, não o será por empréstimo de ninguém mas por dom gratuito de Deus que em Jesus se oferece a todos.

Cada casa, cada sala ou quarto poderá ser um Mosteiro improvisado, lugar que une a terra e o céu. Mas sendo improvisado, não o será por empréstimo de ninguém mas por dom gratuito de Deus que em Jesus se oferece a todos.

Desconcerto. Talvez seja esta a melhor palavra para expressar o que sentimos diante da impossibilidade de celebrar comunitariamente, nos lugares a que estamos habituados, a Semana Santa e o Tríduo Pascal. Sabemos que ficamos em casa para proteger um bem maior, mas isso não apaga o desconforto.

Diante disto, é a própria fé que nos impele a ir mais além da passividade. Acreditar na vida implica não desistir de a celebrar quando os tempos se oferecem mais sombrios. Por isso, pareceu-nos que seria importante ajudar a encontrar meios para trazer beleza e calor à vivência da Semana Santa e do Tríduo Pascal, reforçando o nosso sentido de pertença comunitária.

Em associação com o projeto labOratório, o Ponto SJ faz duas propostas para este tempo:

Retiro – Num mosteiro improvisado: a semana santa no dia-a-dia. Do Domingo de Ramos até ao Domingo de Páscoa teremos uma proposta de meditação diária que ajudará a ligar a nossa vida de todos os dias, com os seus ritmos e lugares próprios, à Palavra de Deus e aos símbolos. Esta proposta estará disponível no começo de cada dia e terá também um PDF que pode ser impresso facilmente para que se possa rezar num espaço mais reservado e longe dos ecrãs. Os textos são dos jesuítas: Rui Fernandes, Fernando Ribeiro, Nuno Tovar de Lemos, Pedro Rocha Mendes, António Valério, Hermínio Rico, João Norton e José Frazão Correia.

Tríduo Pascal. Tendo em conta o contexto muito particular que estamos a viver, o projeto labOratório desafiou um conjunto de pessoas para imaginar formas concretas de viver e celebrar o Tríduo Pascal com calor e alegria. Pensámos em duas coisas: música e gestos. Desafiámos um grupo de jovens músicos – compositores, cantores e instrumentistas – para criar música nova para cada uma das celebrações do Tríduo Pascal. No espaço de 15 dias, e trabalhando cada um a partir de sua casa, compuseram e gravaram este repertório, com diferentes géneros musicais. As gravações estarão disponíveis online a partir de quarta-feira santa.

Ao mesmo tempo, propusemos a famílias e amigos que pensassem em gestos práticos e possíveis para ajudar a preparar e a celebrar de forma activa. Com essas ideias criámos guiões próprios para cada uma das celebrações do tríduo Pascal. Esses guiões já estão acessíveis na página do labOratório e pretendem tirar partido da riqueza simbólica destas celebrações, propondo gestos e símbolos concretos para quem está em casa. Desse modo talvez seja possível vencer a frieza do ecrã e a barreira da distância física. Na verdade, pretende-se que quem participa nas celebrações o possa fazer de um modo o mais pleno possível, envolvendo os sentidos, meditando, partilhando com outros, contemplando a vida e a entrega de Jesus e exercitando a fé em gestos concretos.

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Desenho de P. Nuno Branco, sj

Estes dias têm uma enorme riqueza de sentidos. As celebrações oferecem-nos um retrato forte da pessoa de Jesus: a forma como não desiste de amar os que Lhe estão próximos (os discípulos, a humanidade), como dialoga com o Pai, como permanece fiel à missão de abrir as portas do Reino, como lida com a angústia, como é verdadeiro perante a injustiça, como acolhe e anima os que reconhecem as suas fraquezas, como entra na morte cheio de vida, como o Pai O levanta, como dá esperança, consolação e vontade de viver.

A força destas imagens mexe connosco, interroga o nosso modo de viver, estimula um desejo de transformação mas, sobretudo, lança-nos um convite simples a acolher a Páscoa de Deus em nós. Em suma: estas imagens querem fazer Páscoa em nós, pessoalmente e como Igreja. Querem desafiar-nos a viver da mesma forma como Jesus, queremos que seja Ele a dar forma à nossa sensibilidade, ao modo como pensamos, à nossa imaginação e àquilo que fazemos.

Estamos num tempo de isolamento social. Mas Jesus revela-se vivo e está tão presente em cada casa como nas capelas e Igrejas em que decorrerão as celebrações. Este é o tempo de cada casa se descobrir como Igreja doméstica, como lugar habitado por Deus em que Jesus está realmente presente em cada rosto, em que o Espírito atua em cada coração.

Cada casa, cada sala ou quarto poderá ser um Mosteiro improvisado, lugar que une a terra e o céu. Mas sendo improvisado, não o será por empréstimo de ninguém mas por dom gratuito de Deus que em Jesus se oferece a todos e deseja revelar-se em todos os lugares.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.