Dar explicações

Depois de vários anos a dar aulas, a descoberta recente de um gosto novo por dar explicações, expondo sinteticamente diversas perspetivas sobre esta “via artesanal” e dando razões desta preferência por uma educação mais singular.

Depois de vários anos a dar aulas, a descoberta recente de um gosto novo por dar explicações, expondo sinteticamente diversas perspetivas sobre esta “via artesanal” e dando razões desta preferência por uma educação mais singular.

Nos últimos tempos foi-se tornando a minha atividade principal.

Não planeei, foi acontecendo.

Circunstâncias várias a isso levaram.

Os confinamentos atrasaram muito a aprendizagem.

Alguns amigos desafiaram.

Começaram a aparecer pedidos daqui e dali.

Necessidade e gosto fizeram o resto.

 

Dei aulas “normais” em sala de aula durante mais de uma década.

Alternando aqui ou ali com outros projetos:

de engenharia e de âmbito social.

Trabalhei em colégios inovadores e numa pequena universidade.

Penso que até me ia safando bem, quase sempre.

Turmas pequenas, grupos pequenos, muita tutoria, bom ambiente.

E ainda assim…

uma insatisfação latente.

Os grupos são sempre heterogéneos: as aulas de grupo não o conseguem ser.

Por mais que nos desdobremos em diferenciações e adaptações.

Por mais metodologias personalizadas e trabalhos de projeto.

É humanamente impossível atender a cada um no que cada um precisa.

Para aprender a sério.

Tantos a ficarem para trás.

Ensinar sem ver aprendizagem real é frustrante.

E viver a fingir não me interessa.

 

Nas explicações é diferente.

É um tu a tu.

Singularidade real.

Relação mesmo personalizada.

Não é preciso fingir ou fazer de conta.

Não há burocracia, rácios, nem diferenciações impossíveis: porque irreais.

Não há grupos heterogéneos a tornar homogéneos.

Não há massificação.

Fomenta-se a individualidade.

Oxalá não cresça o individualismo.

 

Nem tudo é ideal nas explicações.

Há ali algumas ambiguidades, reconheço.

Por um lado, potenciamos seletivamente os que querem ascender mais “alto”.

Por outro, acompanhamos quem precisa de um reforço para se manter à tona.

E para quem pode custear isso.

De um lado, incentivamos a manutenção de um sistema de “capitalismo educativo”.

Por outro, protestamos e agimos contra a massificação e mecanização.

Construímos relações individualizadas que fazem aprender mesmo e a ter gosto nisso.

Por um lado, ajudamos realisticamente a preparar exames e testes e a fazer trabalhos.

Por outro corremos o risco de criar dependências.

As explicações são e serão só uma parte de um processo muito maior.

 

Tenho tantos alunos que querem apontar para o 20,

como alunos que lutam para chegar ao 10.

Com objetivos muito diferentes, cada um é único.

Às vezes aproveito conteúdos e exercícios de uma explicação para outra:

mas pouco.

Crescer nisso seria embarcar na lógica em série.

A evitar a todo o custo.

Quero viver isto em lógica artesanal.

Cada um é irrepetível.

 

Conheço poucos explicadores a tempo inteiro.

Uma vida com o seu quê de marginal, solitária.

Recheada de belos momentos, artesanais.

Oxalá a Escola bebesse alguma coisa deste mundo.

O Costa ganha pouco connosco.

Mas damos um contributo importante, escondido.

 

A matemática tem sido o instrumento principal.

Não é tudo mas tem a sua graça.

A falta dela empurra muitos para baixo.

A melhoria nela puxa para cima.

Importa usar bem esta alavanca.

É uma entre outras.

Mas faz diferença na vida de muitos, nota-se.

Às vezes falamos de outras coisas, da vida.

Mas não me quero armar em psicólogo.

 

Não sei quanto tempo me manterei nesta arte.

Também tem os seus ses.

Enquanto estiver nela, quero vivê-la:

com um máximo de verdade e dedicação.

Reforçando músculos tolhidos.

Potenciando talentos escondidos.

 

E no meio disto tudo.

Sinto que vou aprendendo muito.

E dou graças a Deus por isso.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.