Ser pobre, na linguagem comum, é não ter o que baste para viver dignamente. É a condição de grande parte da humanidade, em contraste com uma pequeníssima minoria que retém recursos materiais e culturais que deviam servir a todos. As análises estão mais que feitas, resta refazermo-nos como sociedade propriamente dita, ou seja, acompanharmo-nos realmente uns aos outros, a nível local, nacional e mundial.
Em estádios primitivos da humanidade a sobrevivência era o dia-a-dia de todos. As civilizações diversificaram papéis e destacaram alguns em posições de chefia, que foram também de maior lucro para eles. As guerras escravizavam vencidos e as minorias e estrangeiros eram olhados com desconfiança e menosprezo.
Na tradição bíblica a crescente afirmação de um Deus universal trouxe necessariamente maior atenção aos pobres e excluídos, exigindo uma solidariedade na vida que correspondesse à comunhão no culto e vice-versa. Toda a profecia acentua este ponto, com palavras fortes que ainda hoje nos abalam. Especialmente hoje, podemos dizer, quando o grito de Deus se junta tão tragicamente ao grito dos pobres.
O Evangelho de Jesus é “boa nova para os pobres”, como logo o disse no seu discurso inaugural (cf. Lc 4, 18). E a primeira bem-aventurança também lhes é dirigida, aos pobres que materialmente o são e aos pobres que espiritualmente o sejam e solidariamente se manifestem (cf. Lc 6, 20 e Mt 5, 3).Só nesses Deus reina, num reino de todos para todos, que contrarie a nossa inveterada vontade de possuir mais e mais e seja do que for, materializando o desejo e esquecendo os outros.
Uma Igreja em permanente reforma, como o Papa Francisco hoje insiste, é a que recupera a “forma” inicial da comunidade cristã. Aquela que os Atos dos Apóstolos definem como comunhão de fé e de vida, compartilhando bens espirituais e materiais (cf. Ac 3, 42 ss).
Todo o pensamento cristão tem acentuado este ponto, apresentando a propriedade que cada um legitimamente detenha com um sentido social também. O que se tenha em vez dos outros é o que se tem para os outros, sejam bens materiais, sejam bens culturais e qualidades próprias.
A Doutrina Social da Igreja articula-se em quatro princípios permanentes, que devemos lembrar em todas as circunstâncias e decisões, pessoais e comunitárias: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade.
A Doutrina Social da Igreja articula-se em quatro princípios permanentes, que devemos lembrar em todas as circunstâncias e decisões, pessoais e comunitárias: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade. Decorrem do próprio exemplo de Jesus, que os Evangelhos nos mostram sempre preocupado com o bem de cada um, nunca esquecendo a comunidade inteira, suscitando a colaboração pessoal e articulando o conjunto.
Também a história da santidade se apresenta assim. De Antão (séc. III) a Francisco de Assis (séc. XIII), de João de Deus (séc. XVI) e Vicente de Paulo (séc. XVII) a Frederico Ozanam (séc. XIX) e Teresa de Calcutá (séc. XX), tratou-se sempre de viver a bem-aventurança da pobreza, modo radical de suplantar a miséria – a miséria material dos outros e a miséria espiritual dos próprios.
Objetivo principal da educação é formar “pessoas”, isto é, seres em relação que solidariamente se realizam uns aos outros. Das famílias às escolas e comunidades é isto o principal, especialmente hoje, quando o desejo é tão desviado para os consumos, seja como for e até à custa de quem for.
Em boa hora o Papa Francisco insiste neste ponto, propondo-nos um Dia Mundial dos Pobres – este ano a 18 de novembro. Em boa hora os nossos irmãos Jesuítas o querem acentuar também.
Todos os textos desta iniciativa podem ir sendo encontrados neste link.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.