Cuidar: a bússola do Papa para a paz

Cuidar é dar ao outro aquilo que ele precisa. É respeitar o outro na sua integridade e na sua unicidade. É confiar. É este o convite do Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano.

Cuidar é dar ao outro aquilo que ele precisa. É respeitar o outro na sua integridade e na sua unicidade. É confiar. É este o convite do Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano.

O Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, convida-nos a escolher como bússola da nossa forma de ser, de estar e de agir, connosco, com os “nossos” e com “os outros”, o cuidado.

Cuidado como um convite: “interessa-te”, “envolve-te”, “aproxima-te” e “protege”; e não como sinal de perigo: “afasta-te”, “passa ao lado”, “protege-te”.

Sendo a minha missão pessoal e profissional a proteção e cuidado de crianças e jovens e de adultos vulneráveis recebo esta mensagem do Papa Francisco como uma confirmação de que é este o caminho.

Cuidar é dar ao outro aquilo que ele precisa. É respeitar o outro na sua integridade e na sua unicidade. É confiar. É servir de forma gratuita e desinteressada. É uma missão e não uma tarefa. Cuidar é amar. É uma escolha.

Cada um tem – perante este apelo a viver e a promover uma cultura de cuidado – a sua vocação/missão, as suas fortalezas e as suas próprias fragilidades. Para uns, é mais fácil cuidar dos outros. Para outros, é mais fácil cuidar de si e/ou dos seus. Para uns é mais difícil dizer “SIM”, para outros é mais difícil dizer “NÃO”. Uns sentem o apelo de cuidar de quem está longe, no estrangeiro até; outros sentem o apelo de cuidar de quem está mesmo aqui ao lado.

Cada um tem – perante este apelo a viver e a promover uma cultura de cuidado – a sua vocação/missão, as suas fortalezas e as suas próprias fragilidades.

A todos o Papa Francisco convida a fazer um caminho formado por uma linguagem própria a que chama de “gramática do cuidado”, traduzindo-se na (1) promoção da dignidade e dos direitos de toda a pessoa humana, na (2) solidariedade com os pobres e indefesos, (3) na solicitude pelo bem comum e na (4) salvaguarda da criação.

Descobri a minha vocação/missão de cuidar na Candeia, em 1998, uma associação que se dedica a animar crianças e jovens acolhidos em casas de acolhimento residencial. Liderada por jovens, iluminada por Deus, motivada para a relação, para a inclusão, para a dignidade de cada criança, para a solidariedade que nos faz a(ni)mar cada “faísca”, “fagulha”, “fogueira”, está há 30 anos ao serviço do bem comum e das crianças mais vulneráveis, daquelas a quem falta o essencial – ser cuidado por quem as deveria amar incondicionalmente: as suas famílias.

Precisamente porque conseguimos cuidar de muitos mas não de todos os que precisam de ser especial para alguém, decidimos em família apoiar e acolher mais duas crianças e contribuir, com a criação do projeto Amigos p’ra Vida, para que mais famílias se impliquem na vida de crianças e jovens acolhidas, crianças por quem tantas pessoas passam ao lado, sem se envolver, sem se relacionar, sem cuidar.

A Província Portuguesa da Companhia de Jesus (PPCJ) tem, desde 2018, um Sistema de Proteção e Cuidado de menores e adultos vulneráveis (SPC), procurando que em todas as Obras da PPCJ se pratique e promova esta cultura de cuidado para com cada pessoa e com a pessoa toda.

O SPC tem alguns instrumentos que nos permitem fazer este caminho de paz, ou antes, esta peregrinação de paz. Na mochila levamos um manual (um autêntico manual de instruções), levamos o “mapa de riscos” que nos permite identificar as atividades e os contextos em que uma criança, jovem ou adulto vulnerável pode ser vítima de alguma situação de falta de cuidado, levamos o “código de conduta” que contém a gramática do cuidar organizada em três verbos – promover, evitar, proibir – e um fluxograma de ação, para proteger situações atuais e prevenir situações futuras de falta de bom trato.

Ousemos estar atentos aos outros, ousemos não desviar o olhar, ousemos acolher, ousemos cuidar, ousemos amar. Cada passo dado neste caminho de paz, deixa marca

O Código de Conduta mostra-nos muitas formas de cuidar, ao promover (1) uma vida com sentido, (2) relações saudáveis, integradoras e construtoras de comunidade e (3) uma atenção particular aos menores e adultos vulneráveis e a cultura, os valores e as medidas de proteção e cuidado preconizados pelo Sistema SPC. Por outro lado, também nos indica que são de evitar, por serem à partida inapropriadas, as condutas – palavras, atitudes, gestos, comportamentos, relações – que podem ser sentidas pelo outro como agressivos, humilhantes, ameaçadores, ofensivos, discriminadores, ambíguos, dominadores, abusivos e proibidas as condutas ilegais ou totalmente inapropriadas por serem uma expressão de mau trato.

Se a pandemia foi uma tempestade que nos dificultou – muito – a nossa peregrinação, a verdade é que trouxe às organizações a consciência da importância do nosso olhar atento todos os dias para a forma como os mais vulneráveis são protegidos e cuidados pelos seus familiares e também por cada um de nós, no dia-a-dia.

Para apoiar organizações na implementação de sistemas de proteção e cuidado, nasceu no início de 2020 o projeto CUIDAR, projeto que promove formação, consultoria às organizações, comunidades de prática, projetos de investigação nesta temática e seminários de disseminação de conhecimento e experiências.

Temos agora famílias inteiras a viver as dificuldades e as perdas decorrentes da pandemia (morte e doença dos próprios e de familiares, afastamento de família e amigos, perda de emprego e perda de rendimentos, instabilidade financeira, sonhos adiados), situações que as fragilizam – ainda mais – e que as tornam menos protetoras. E temos profissionais na arte de cuidar – educadores, auxiliares, professores, treinadores, animadores, capelães – igualmente fragilizados.

Ousemos estar atentos aos outros, ousemos não desviar o olhar, ousemos acolher, ousemos cuidar, ousemos amar. Cada passo dado neste caminho de paz, deixa marca. Naquele a quem cuidamos, mas também em cada um de nós, estejamos nós a cuidar ou a ser cuidado. E do verbo CUIDAR nasce o verbo AMAR.

Ousemos iniciar esta peregrinação a que se chama vida, confiando no azul do céu que está por detrás da tempestade, gratos por Deus confiar em nós e nos escolher para cuidarmos uns dos outros e para sermos – assim – construtores da paz.

E só assim ficará mesmo tudo bem.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.