Existem duas formas de estar perdido. Uma que se pode resolver mais facilmente, a outra é mais difícil de lidar. São duas paisagens diferentes: a cidade e o deserto.
Na cidade, quando nos perdemos, podemos ir ao posto de turismo mais perto e pedir um mapa. Ou então, perguntamos ao polícia que vemos do outro lado da rua, ou a alguém simpático que nos explica onde estamos e para onde queremos ir. Na cidade, tudo é diferente, confuso, há mil caminhos possíveis. Estar perdido na cidade é esta experiência de termos tanto para escolher e não saber o que será melhor. Aí, só nos podemos encontrar quando alguém nos ajuda.
No deserto, não temos ninguém a quem perguntar, não há mapas nem referências. No deserto, vive-se uma experiência de solidão e imensidão. Só se orienta quem conhece a direcção do sol e o lugar das estrelas. Só não se perde no deserto quem conhece além do que vê, quem sabe e quem tem confiança.
Nestas duas formas de estar perdido, existe algo em comum: o desejo de encontrar o caminho certo, regressar ao rumo que nos leva ao nosso destino. Este regresso é a conversão.
A conversão é orientarmo-nos nas nossas paisagens de cada dia. Temos em nós cidades e desertos que nos impõem decisões e experiências de encontro connosco mesmos e com as coisas mais importantes da Vida. Na conversão, aceitamos com humildade o facto de que não temos todas as respostas e que alguém nos pode ajudar a encontrar o caminho certo. Mais difícil é quando temos que ser nós a decidir, naquelas decisões que ninguém pode tomar por nós. Nessa altura, as nossas referências terão de ser maiores do que aquilo que vemos no imediato, somos movidos por uma certeza que não se consegue explicar.
Orientar-se no deserto é unir o estar perdido com um horizonte maior diante de nós. Este horizonte será um lugar conhecido quando o fizermos nosso, se não desistirmos de o alcançar. Todo o movimento dentro de nós que nos orienta para coisas maiores é o amor. Por isso, quem ama é capaz de arriscar, porque confia e entrega.
Uma das palavras-chaves da Quaresma é precisamente a conversão. Este tempo poderá ser a oportunidade de nos orientarmos, de querer a nossa autenticidade. Podemos reconhecer com humildade que precisamos de ajuda e, sobretudo, cair na conta que existem caminhos que só se podem fazer com coração grande, livre e capaz de amar. A conversão é sermos capazes de nos apaixonar por algo que vale mesmo a pena. Quem vive apaixonado transforma o próprio mundo, e sabe aquilo que quer.
Para ajudar à reflexão:
Na minha vida, quais são as minhas cidades? Que ajudas posso pedir para encontrar o caminho certo?
E quais são os meus desertos? Nas decisões importantes que tenho que tomar sou movido pelo amor, como horizonte maior, ou sinto-me incapaz de caminhar com decisão e esperança? O que é que não me faz livre?
Texto originalmente publicado no site essejota.net, entretanto encerrado.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.