COMUNICADO

Na sequência da divulgação do relatório da Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal, esta manhã, a Companhia de Jesus emite o seguinte comunicado.

Na sequência da divulgação do relatório da Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal, esta manhã, a Companhia de Jesus emite o seguinte comunicado.

No dia em que foi apresentado o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus (PPCJ) agradece o trabalho realizado pela Comissão Independente e o que este permitiu conhecer sobre a realidade dos abusos sexuais na Igreja nos últimos 70 anos. Este estudo, encomendado pela Conferência Episcopal Portuguesa, era um passo essencial para compreender a dimensão e as características deste problema e, assim, encontrar estratégias que assegurem que estes crimes e o seu ocultamento não voltam a ocorrer.

“Mesmo que fosse um só caso seria monstruoso”, disse recentemente o Papa Francisco numa entrevista a um canal de televisão português. Por isso, a existência de 512 pessoas que testemunham ter sido vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja – e que podem representar, pelo menos, um total de 4815 vítimas – é uma realidade dolorosa e revoltante que nos envergonha e entristece. Esta tristeza acentua-se perante a consciência de que muitas vítimas nunca chegam a relatar os abusos sofridos.

Os relatos que hoje escutámos na apresentação do relatório são de uma dureza e crueldade que nos choca profundamente e nos faz sentir pequenos diante de tamanho sofrimento. Mesmo sabendo que estes abusos abrem feridas que muito dificilmente serão saradas, expressamos o nosso mais profundo e sentido pedido de perdão a todas as vítimas e a todos os que à sua volta sofreram com estes abusos.

No âmbito do trabalho da Comissão Independente, com quem colaborámos de perto, foram detetadas situações que ainda não eram do nosso conhecimento quando, em setembro, fizemos o primeiro balanço, baseado num trabalho de investigação interna nos nossos arquivos e do nosso Serviço de Escuta.

Assim, à data de hoje foi possível apurar a ocorrência de casos de abuso sexual de crianças e jovens cometidos desde 1950 por 11 jesuítas e um leigo, todos já falecidos. Em relação a alguns suspeitos, há registo de mais do que uma vítima. Deste modo, os abusos envolveram, pelo menos, 24 vítimas, entre os 7 e os 17 anos. A grande maioria é do sexo masculino. Os suspeitos identificados tinham entre 24 e 65 anos à data dos factos.

A maior parte das situações conhecidas aconteceu em contexto escolar, sendo que os relatos indicam os locais de dormida (os mais antigos, quando ainda havia regime de internato) e espaços onde os alunos se encontravam sozinhos com o suspeito, como gabinetes, enfermaria, mas também salas de aula onde uns alunos terão vivido e outros presenciado condutas sexualmente abusivas. Há ainda relatos de abusos cometidos no âmbito do acompanhamento espiritual.

As formas de abuso caracterizam-se por comportamentos e condutas com conotação sexual, como toques em zonas íntimas e manipulação de órgãos genitais. Alguns relatos falam, genericamente, de “abusos sexuais”, sem se conhecerem os factos concretos, pelo que admitimos que possam ter sido praticados atos mais invasivos.

São testemunhos que indiciam, nalguns casos, um padrão de práticas repetidas nos nossos colégios, instituições nascidas para o cuidado integral de crianças e jovens. Causa-nos profunda dor e envergonha-nos perceber que aí foram cometidos atos e mantidas práticas totalmente contrárias à mais elementar conduta ética e humana.

A maior parte das vítimas transmitiram à Comissão Independente que não deram a conhecer os factos à data dos acontecimentos e que apenas muito mais tarde falaram com os seus familiares. Foram raros os que denunciaram o seu caso à PPCJ.

Nos casos em que houve denúncias, a consulta dos nossos arquivos leva a crer que foram tomadas medidas, tais como o afastamento do suspeito ou o seu isolamento em casa religiosa com proibição do exercício de atividade apostólica. Houve casos em que o processo conduziu à saída do suspeito da Companhia de Jesus. Não temos informação de que tenham existido processos judiciais ou canónicos. Em nenhum caso houve comunicação ao Ministério Público. Com mágoa, lamentamos que nem sempre tenham sido tomadas as medidas que hoje consideramos adequadas, nomeadamente no que diz respeito ao cuidado e proteção das vítimas.

Sublinhamos, com veemência, que o modo de proceder que nos inspira e conduz é o empenho absoluto em promover a prevenção e a proteção dos mais vulneráveis. Para isso, temos em funcionamento, desde 2018, o Serviço de Proteção e Cuidado, em vigor em todas as organizações da Companhia de Jesus em Portugal. Deste faz parte o Serviço de Escuta, criado em novembro de 2021, com o objetivo de acolher, escutar e acompanhar vítimas de qualquer forma de abuso nas nossas instituições.

Sabemos que vivemos um momento crucial da vida da Igreja, mas reconhecemos que ainda há um longo caminho a percorrer. Reafirmamos o nosso compromisso de ser parte ativa neste processo de conversão espiritual, eclesial e comunitária, colocando a vítima no centro da nossa atuação e promovendo uma verdadeira cultura de cuidado.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.