Comunicação é gesto, compromisso e ação

No dia de São Francisco de Sales, patrono dos jornalistas e escritores, uma análise sobre as oportunidades e desafios comunicativos da Igreja neste ano de 2023.

No dia de São Francisco de Sales, patrono dos jornalistas e escritores, uma análise sobre as oportunidades e desafios comunicativos da Igreja neste ano de 2023.

A palavra “jornada”, tal como definida no dicionário – “caminho que se anda num dia” – é insuficiente para traduzir o seu verdadeiro significado no contexto do encontro de jovens de todo o mundo com o Papa.

Porque esta “jornada”, se é sem dúvida caminho, não é seguramente caminho para apenas andar num dia. E se a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que conflui em peregrinação para Lisboa em agosto próximo, é um ponto de chegada nesse caminho que até aí se venha a percorrer, não é menos ponto de partida para uma caminhada nova, feita de forças retemperadas e de espírito alimentado.

Enquanto grande evento – mobilizador de massas e com uma operação logística complexa associada, que exige múltiplos recursos, técnicos, humanos, financeiros, de segurança, de mobilidade, entre outros – o seu potencial para ser comunicado é imenso. O desafio de atrair a atenção mediática está ganho à partida, dada a sua dimensão e expressão globais.

Como é próprio da lógica jornalística, a Jornada irá conquistando progressivamente a agenda do espaço público e mediático, à medida que o tempo até à sua realização for encurtando, não sendo difícil prever que na semana do evento a cobertura noticiosa seja massiva, com a realização de diretos, de emissões especiais, de reportagens dedicadas, entrevistas diversas, etc.

Deslocar-se-ão a Portugal centenas de meios de comunicação social estrangeiros e, claro, também no espaço digital que caracteriza esta sociedade de partilha em que vivemos, cada participante, físico e virtual, produzirá memes, tweets, tiktoks e stories, numa miríade de flashes instantâneos cuja amplificação nas redes sociais apenas confirmará a expressão planetária do evento.

Mas a conquista de espaço editorial por parte da organização do evento, e por conseguinte, a conquista da atenção dos públicos, faz-se, também, criando e desenvolvendo conteúdos, momentos, iniciativas e ações especificamente pensadas e orientadas para esse objetivo. Ora, esse esforço não deve – não pode – estar desligado do contexto. E deve, evidentemente, resultar de um cuidado trabalho de planeamento e preparação.

É isso que me diz a experiência enquanto profissional que integrou as equipas de comunicação das visitas do Papa Bento XVI a Angola e a Portugal. Em minha opinião, o desafio comunicacional primordial desta Jornada, que tem como destinatária os jovens, é o de ser capaz de criar mobilização, entusiasmo e participação, não ignorando, antes encarando e abordando – de forma verdadeira e transparente – a escandalosa e inaceitável questão dos abusos que marcou a vida da Igreja em anos recentes.

A gestão da comunicação tem que ter em conta expetativas sociais e as necessidades dos públicos. E tem, naturalmente, de compreender o modus operandi mediático e o mecanismo de funcionamento dos meios de comunicação social (que não é homogéneo, mas que assenta em algumas premissas comuns), para poder antecipar, planear e agir adequadamente.

Não é razoável aceitar que, em matéria de abusos, o passado esteja sanado e o futuro resolvido. Por isso é que o walk the talk é tão importante, porque as palavras traduzidas em gestos materializam-se em ação, e a ação revela compromisso e combate a perceção.

Fazer a mudança acontecer – e dar-lhe visibilidade – motiva, mobiliza e envolve. Oferece conforto e dá esperança. Comunicar a criação de um manual em parceria com a APAV para prevenir incidentes é ir ao encontro das expetativas não apenas dos católicos, mas da sociedade toda.

É uma iniciativa que tanto tem de prático e objetivo, como de simbólico e de sinal de compromisso. Assim como a comunicação da valorização da escuta, assumindo que é importante ouvir os jovens e dar-lhes protagonismo (ver link acima).

São dois exemplos de como o interesse mediático em torno da JMJ oferece oportunidades efetivas de comunicação, e convoca à abordagem de forma séria questões que são centrais na agenda noticiosa. A JMJ constitui-se, assim, como um “tempo de antena” valioso que se impõe aproveitar devidamente.

Ora, é justamente com a tradução de intenções em ações que se impulsiona a fé, dinamiza a caridade e se oferece esperança à comunidade, quer no país de acolhimento, quer em todo o mundo.

Assim, que os meses daqui até à Jornada sejam um tempo no qual a Comunicação possa ganhar protagonismo e seja capaz de envolver, motivar e mobilizar e, sobretudo, que possa contribuir para a pacificação de temas que continuam a requer e exigir cuidada e empenhada atenção.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.