Como viver Fátima nestes dias?

O que se segue é um deixar-se levar pela força das celebrações, que vão desde a Mãe (terço) até ao Filho (Eucaristia). Ora, tudo isto nos falta este ano. Não há peregrinos nas estradas e o santuário está vazio.

O que se segue é um deixar-se levar pela força das celebrações, que vão desde a Mãe (terço) até ao Filho (Eucaristia). Ora, tudo isto nos falta este ano. Não há peregrinos nas estradas e o santuário está vazio.

Há uma imagem que, normalmente, marca o nosso país por esta altura do ano. São as nossas estradas inundadas de amarelo, as bermas cheias de peregrinos que, com algum perigo e esforço, fazem o seu caminho em direcção a Fátima.

Para alguns de nós, esta imagem costuma até ser vivida na primeira pessoa, porque muitos nos fazemos peregrinos durante o mês de maio. Somos guiados por quem nos orienta, conhecemos muitas pessoas novas, rezamos com um ritmo regular (o que não acontece tão facilmente no dia a dia) e voltamos, por uns dias, ao ritmo da natureza. Mas experimentamos também as bolhas nos pés, os limites dos nossos músculos, o peso da estrada que não acaba… No entanto, há uma memória que se sobrepõe a todas estas e lhes dá sentido, a da chegada ao Santuário.

Não é sem emoção que avistamos desde o alto o recinto que as colunatas e a antiga Basílica encerram. À medida que vamos descendo, vai-se intensificando a luz das velas que se acendem pontualmente por devoção. De um modo inesperado, parece que as forças nos voltam a assistir nos últimos passos, até… até que… só mais um passo… a Capelinha! A imagem da Virgem do Rosário de Fátima concentra o nosso olhar e o nosso afecto. O que se segue é um deixar-se levar pela força das celebrações, que vão desde a Mãe (terço) até ao Filho (eucaristia).

Ora, tudo isto nos falta este ano. Não há peregrinos nas estradas e o santuário está vazio.

Então, como viver Fátima nestes dias?

Para começar, importa conhecer a proposta do Santuário de Fátima para este 103º aniversário das Aparições, que tem como tema: “Peregrinos pelo Coração”. Somos convidados a “peregrinar no nosso íntimo, onde Deus está presente” em nós. Desde logo, podemos tentar aproveitar as transmissões em directo com uma disponibilidade interior acrescida, fazendo-nos presentes como quem quer lá estar de verdade.

Seriamos ingénuos se pensássemos que a dimensão física da nossa vida poderia simplesmente ser posta de parte. Normalmente, recorremos ao percurso exterior para provocar o caminho interior, e essa é a tarefa mais exigente. Mas é precisamente no íntimo que os frutos podem nascer, porque se Deus dá força aos músculos, dá vida ao coração. O desafio agora é o de chegar ao nosso coração sem os quilómetros de asfalto nas pernas. Podemos pensar que isso é impossível. Contudo, o coração está sempre em movimento, porque se deixa inquietar pelas coisas, pelos outros, por Deus. Porque se alegra, se questiona, se entristece. O nosso coração é inquietação. Por isso, de alguma forma haveremos sempre de conseguir apanhar esses movimentos interiores e, quem sabe até, reconhecer neles a presença do Deus que buscamos. Nestes dias, tentemos estar especialmente atentos ao que se passa dentro de nós.

A imagem do coração que nos oferece o Santuário, alude também às devoções do Coração Imaculado de Maria e do Sagrado Coração de Jesus. Redescobrir estas devoções pode ser uma ajuda importante para o caminho de alguns, porque peregrinando por estes Corações poderemos redescobrir o nosso.

Para além disso, a Liturgia está a viver ainda o tempo Pascal que é marcado pela alegria do Ressuscitado. A celebração das Aparições recorda-nos ainda uma outra alegria, a alegria de termos Mãe. Porque todo o homem precisa de uma mãe, Jesus na cruz confiou a Nossa Senhora o discípulo amado, deixando a sua Mãe o cuidado de todos nós. Por isso, somos chamados a testemunhar uma alegria serena que é a marca própria do cristão, sobretudo nas contrariedades.

Uma outra sugestão é a de aprofundar o Mistério de Fátima, para encontrar novidade e inspiração no caminho interior. Ler as Memórias da Irmã Lúcia ou as várias entradas sobre a Mensagem de Fátima que nos apresenta o site do Santuário, são boas ajudas.

Finalmente, não podemos ignorar que o 12 e o 13 de Maio representam a maior reunião anual dos católicos portugueses. Esse encontro alimenta todos os que estão presentes, mas é certamente um importante estímulo para toda a Igreja portuguesa. Como sabemos, a nossa fé não é individual, mas, pelo contrário, nutre-se da fé do Corpo inteiro. Portanto, se este ano não acontecerá na Cova da Iria, teremos de encontrar outros modos de alimentar a união do Corpo. Assim, o desafio lançado a todos neste momento é o de rezarmos pelas nossas comunidades de fé e o de animarmos outros na fé. A nossa força orante dá força à Igreja.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.