Comentário à Carta do Dia Mundial dos Pobres

O P. Domingos Monteiro da Costa, que há vários anos dinamiza social e pastoralmente a região do Algarve, comenta as palavras do Papa para o dia que hoje se assinala.

O P. Domingos Monteiro da Costa, que há vários anos dinamiza social e pastoralmente a região do Algarve, comenta as palavras do Papa para o dia que hoje se assinala.

Assinala-se hoje o III Dia Mundial dos Pobres. Neste artigo, o P. Domingos Monteiro da Costa, sj, faz uma leitura comentada à carta do Papa Francisco para este dia, permitindo-nos refletir sobre as palavras inspiradoras do Santo Padre. Há várias décadas que este sacerdote jesuíta tem dinamizado pastoral e socialmente a região do Algarve (Mexilhoeira Grande), onde reside atualmente uma comunidade jesuítica.

1. «A esperança dos pobres jamais se frustrará» (Sl 9, 19). Estas palavras são de incrível atualidade. Expressam uma verdade profunda, que a fé consegue gravar sobretudo no coração dos mais pobres: a esperança perdida devido às injustiças, aos sofrimentos e à precariedade da vida será restabelecida.O salmista descreve a condição do pobre e a arrogância de quem o oprime (Sl 10, 1-10). Invoca o juízo de Deus, para que seja restabelecida a justiça e vencida a iniquidade (Sl 10, 14-15). Parece ecoar nas suas palavras uma questão que atravessa o decurso dos séculos até aos nossos dias: como é que Deus pode tolerar esta desigualdade? Como pode permitir que o pobre seja humilhado, sem intervir em sua ajuda? Por que consente que o pobre opressor tenha vida feliz, enquanto o seu comportamento haveria de ser condenado precisamente devido ao sofrimento do pobre? No período da redacção do Salmo, assistia-se a um grande desenvolvimento económico, que acabou também – como acontece frequentemente – por gerar fortes desequilíbrios sociais. A desigualdade gerou um grupo considerável de indigentes, cuja condição aparecia ainda mais dramática, quando comparada com a riqueza alcançada por poucos privilegiados. Observando esta situação, o autor sagrado pinta um quadro realista muito verdadeiro. Era o tempo em que pessoas arrogantes e sem qualquer sentido de Deus espiavam os pobres para se apoderar até do pouco que tinham, reduzindo-os à escravidão. A realidade, hoje, não é muito diferente! A numerosos grupos de pessoas, a crise económica não lhes impediu um enriquecimento tanto mais anómalo, quando confrontado com o número imenso de pobres que vemos pelas nossas estradas e a quem falta o necessário, acabando, por vezes, humilhados e explorados. Passam os séculos, mas permanece imutável a condição de ricos e pobres, como se a experiência da história não ensinasse nada…” (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: “A esperança dos pobres jamais se frustrará!’ (Sl. 9,19). A Esperança é virtude, que já não nos habita e ninguém no-la pode dar, a não ser Deus. Sejamos claros: Deus é justo! Por isso, quando criou a Terra, entregou-a a toda a humanidade, para que dela cuidássemos, no respeito por todos. Como é que Deus pode tolerar a desigualdade, causada pelas injustiças dos homens? – Pergunta o Papa. Deus só nos pode ajudar, na medida em que nós nos ajudamos uns aos outros, como acontece nas famílias. Confirma-o o exemplo do que aconteceu na Mexilhoeira Grande: – a respeito das crianças (Jardim Infantil, o primero do Concelho, após o 25 de Abril); – a respeito dos idosos (Lar, o primeiro, no Concelho, após o 25 de Abril; Aldeia de S. José, única do género, em Portugal e na Europa); – e a respeito dos desempregados! Se não fôssemos nós a usar de misericórdia, como poderiam os pobres desta terra experimentar a Misericórdia de Deus (Lc.6,36)? O P. Américo dizia: ‘cada Paróquia cuide dos seus pobres!” Se cada Paróquia cuidasse dos seus pobres, não haveria tanto pobre em Portugal!”

2. Também hoje devemos elencar muitas formas de novas escravidões a que estão submetidos milhões de homens, mulheres, jovens e crianças. Todos os dias encontramos famílias obrigadas a deixar a sua terra à procura de formas de subsistência noutro lugar: órfãos, que perderam os pais ou foram violentamente separados deles, para uma exploração brutal; jovens em busca duma realização profissional, cujo acesso lhes é impedido por míopes políticas económicas; vítimas de tantas formas de violência, desde a prostituição à droga, e humilhadas no seu íntimo. Além disso, como esquecer os milhões de migrantes, vítimas de tantos interesses ocultos, muitas vezes instrumentalizados para uso político, a quem se nega a solidariedade e a igualdade? E tantas pessoas sem abrigo e marginalizadas que vagueiam pelas estradas das nossas cidades?

Quantas vezes vemos os pobres nas lixeiras a catar o descarte e o supérfluo, a fim de encontrar algo para comer ou vestir! Tendo-se tornado, eles próprios, parte duma lixeira humana, são tratados como lixo, sem que isto provoque qualquer sentido de culpa em quantos são cúmplices deste escândalo. Aos pobres, frequentemente considerados parasitas da sociedade, não se lhes perdoa sequer a sua pobreza (…), porque, sendo pobres, são tidos por ameaçadores.

Drama dentro do drama, não lhes é consentido ver o fim do túnel da miséria… Vagueiam duma parte para outra da cidade, esperando obter um emprego, uma casa, um afecto… E mesmo nos lugares onde deveria haver pelo menos justiça, até lá muitas vezes se abate sobre eles violentamente a prepotência. Constrangidos durante horas infinitas sob um sol abrasador para recolher a fruta da época, são recompensados com um ordenado irrisório; não têm segurança no trabalho, nem condições humanas que lhes permitam sentir-se iguais aos outros. Para eles, não existe fundo de desemprego nem sequer a possibilidade de adoecer.

Com vivo realismo, o salmista descreve o comportamento dos ricos que roubam os pobres: «Arma ciladas para assaltar o pobre e (…) arrasta-o na sua rede» (Sl 10, 9). É como se se tratasse duma caçada, na qual os pobres são perseguidos, presos e feitos escravos. (…) Em suma, reconhecemos uma multidão de pobres, muitas vezes (…) suportados com fastídio. Como que se tornam invisíveis, e a sua voz já não tem força nem consistência na sociedade: homens e mulheres cada vez mais estranhos entre as nossas casas e marginalizados entre os nossos bairros. (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: Neste parágrafo, o Papa enumera vários grupos de pobres: os órfãos (por morte dos pais ou separação/divórcio deles, ou violentamente retirados deles para exploração); os jovens sem realização profissional, vítimas de uma economia que mata; as vítimas de violência (prostituição e droga); os milhões de migrantes, a quem é negada a solidariedade; as pessoas sem abrigo, a vaguear pelas ruas; os pobres a remexer os caixotes do lixo, à procura de algo para comer, com tanta comida a ser deitada fora, por restaurantes e hotéis, devido a leis iníquias, feitas pelos ricos, para ricos! O Papa não poupa nas palavras: tratados como lixo, que ninguém quer; em Portugal já há estrangeiros a pagar  a quem incendeie as casas, para correr com idosos e pobres!…

3. O contexto descrito pelo salmo tinge-se de tristeza, devido à injustiça, ao sofrimento e à amargura que fere os pobres. Apesar disso, dá uma bela definição do pobre: aquele que «confia no Senhor» (Sl. 9, 11.13), pois tem a certeza de que nunca será abandonado. Na Escritura, o pobre é o homem da confiança! E o autor sagrado indica também o motivo desta confiança: ele «conhece o seu Senhor» (Sl 9, 11); e este «conhecer» indica uma relação pessoal de afecto e de amor. Encontramo-nos perante uma descrição verdadeiramente impressionante, que nunca esperaríamos. Assim faz sobressair a grandeza de Deus, quando Se encontra diante dum pobre. A sua força criadora supera toda a expetativa humana e concretiza-se na «recordação» que Ele tem daquela pessoa concreta (cf. 9, 13).… É precisamente esta confiança no Senhor, esta certeza de não ser abandonado, que convida o pobre à esperança. Sabe que Deus não o pode abandonar; por isso, vive sempre na presença do Deus que Se recorda dele. A sua ajuda estende-se para além da condição actual de sofrimento… a fim de delinear um caminho de libertação que transforma o coração, porque o sustenta no mais profundo do seu ser.

COMENTÁRIO: Num mundo cheio de tanta injustiça, para quem se há-de virar o pobre, senão para Deus (Sl 9,11)? Os pobres são os Seus preferidos: «Bem-aventurados os pobres (em espírito), porque deles é o Reino dos Céus!» (Mt. 5,3) E se eles não encontrarem a misericórdia, nos seus semelhantes, encontrá-la-ão em Deus, como Maria, a pobre de Nazaré, que «viu a misericórdia de Deus a estender-se de geração em geração, sobre aqueles que O temem» (os pobres), dispersando os soberbos, derrubando os poderosos de seus tronos e exaltando os humildes (os pobres), enchendo de bens os famintos e despedindo os ricos de mãos vazias» (Lc. 1, 46-55). Uma oração revolucionária, de uma mulher pobre e compadecida dos pobres, desprezados pelos ricos!

4. Constitui um refrão permanente da Sagrada Escritura a descrição da ação de Deus em favor dos pobres. É Aquele que «escuta», «intervém», «protege»,  «defende»,  «resgata»,  «salva»…  Em suma, um pobre não poderá jamais encontrar Deus indiferente ou silencioso perante a sua oração. É Aquele que faz justiça e não esquece (cf. Sal 40, 18; 70, 6); mais, constitui um refúgio para o pobre e não cessa de vir em sua ajuda (cf. Sal 10, 14).

Podem-se construir muitos muros e obstruir as entradas, iludindo-se assim de sentir-se a seguro com as suas riquezas em prejuízo dos que ficam do lado de fora. Mas não será assim para sempre. O «dia do Senhor», descrito pelos profetas (cf. Am 5, 18; Is 2 – 5; Jl 1 – 3), destruirá as barreiras criadas entre países e substituirá a arrogância de poucos com a solidariedade de muitos. A condição de marginalização, em que vivem acabrunhadas milhões de pessoas, não poderá durar por muito tempo. O seu clamor aumenta e abraça a terra inteira. Como escrevia o Padre Primo Mazzolari: «O pobre é um contínuo protesto contra as nossas injustiças; o pobre é um paiol. Se lhe ateias o fogo, o mundo vai pelo ar». (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: O Papa não poupa nas palavras: chama os bois pelo nome, num mundo e numa Igreja cada vez mais acomodados ao mundo, o pobre é um contínuo protesto contra as injustiças, praticadas contra eles. Se houver quem levante os pobres, o mundo mudará, como mudou na Mexilhoeira Grande, que os escutou, os protegeu e os defendeu. Eles foram e continuam a ser a maior riqueza desta Paróquia! Foram eles que fizeram a Mexilhoeira, GRANDE!…

5. Não é possível jamais iludir o premente apelo que a Sagrada Escritura confia aos pobres. Para onde quer que se volte o olhar, a Palavra de Deus indica que os pobres são todos aqueles que, não tendo o necessário para viver, dependem dos outros. São o oprimido, o humilde, aquele que está prostrado por terra. Mas, perante esta multidão inumerável de indigentes, Jesus não teve medo de Se identificar com cada um deles: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). Esquivar-se desta identificação equivale a ludibriar o Evangelho e diluir a revelação. O Deus que Jesus quis revelar é este: um Pai generoso, misericordioso, inexaurível na sua bondade e graça, que dá esperança sobretudo a quantos estão desiludidos e privados de futuro.

Como não assinalar que as Bem-aventuranças, com que Jesus inaugurou a pregação do Reino de Deus, começam por esta expressão: «Felizes vós, os pobres» (Lc 6, 20)? O sentido deste anúncio paradoxal é precisamente que o Reino de Deus pertence aos pobres, porque estão na condição de o receber. Encontramos tantos pobres cada dia! Às vezes parece que o transcorrer do tempo e as conquistas da civilização, em vez de diminuir o seu número, aumentam-no. Passam os séculos, e aquela Bem-aventurança evangélica apresenta-se cada vez mais paradoxal: os pobres são sempre mais pobres, e hoje são-no ainda mais. Mas, colocando no centro os pobres ao inaugurar o seu Reino, Jesus quer-nos dizer precisamente isto: Ele inaugurou, mas confiou-nos, a nós seus discípulos, a tarefa de lhe dar seguimento, com a responsabilidade de dar esperança aos pobres. Sobretudo num período como o nosso, é preciso reanimar a esperança e restabelecer a confiança. É um programa que a comunidade cristã não pode subestimar. Disso depende a credibilidade do nosso anúncio e do testemunho dos cristãos. (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: O Deus que Jesus revelou é um Pai, com entranhas de Mãe, que não pode esquecer os seus filhos, de modo particular, os mais necessitados do Seu amor, como o fizeram e fazem as nossas Mães. Os pobres são a melhor revelação de Deus, quer acreditemos na Sua existência, quer não: «Sempre que fizestes/não fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes/não fizestes»  (Mt 25, 40).  É uma  vergonha  para  o  nosso mundo, dito civilizado (?), haver tantos pobres. Nunca as nossas sociedades, ditas da abundância, produziram tanto lixo, que põe em causa o futuro do planeta. Também nunca produziram tantos pobres – uma lixeira humana (N.º 2) – que a todos devia envergonhar, de modo particular aos ditos poderosos, que não o seriam, se os não oprimissem, nem explorassem com tanta injustiça. Por eles passa a credibilidade do nosso anúncio e do nosso testemunho cristão!

6. Ao aproximar-se dos pobres, a Igreja descobre que é um povo, espalhado entre muitas nações, com a vocação de fazer com que ninguém se sinta estrangeiro nem excluído da Salvação. A condição dos pobres obriga a não se afastar do Corpo do Senhor que sofre neles. Somos chamados a tocar a Sua carne … num serviço que é autêntica evangelização. A promoção, mesmo social, dos pobres não é um compromisso extrínseco ao anúncio do Evangelho; pelo contrário, manifesta o realismo da fé cristã e a sua validade histórica. O amor que dá vida à fé em Jesus não permite que os seus discípulos se fechem num individualismo asfixiador, oculto nas pregas duma intimidade espiritual, sem qualquer influxo na vida social (EG, 183).

Recentemente perdemos um grande apóstolo dos pobres, Jean Vanier, que recebeu de Deus o dom de dedicar toda a sua vida aos irmãos com deficiências profundas, que, muitas vezes, a sociedade tende a excluir. Foi um «santo da porta, ao lado» da nossa; com o seu entusiasmo, soube reunir à sua volta muitos jovens, homens e mulheres, que, com o seu empenho diário, devolveram o sorriso a muitas pessoas vulneráveis e frágeis, oferecendo-lhes uma verdadeira «arca» de salvação contra a marginalização e a solidão. O seu testemunho mudou a vida de muitas pessoas, levando o mundo a olhar, com olhos diferentes, para as vítimas de deficiências profundas. O clamor dos pobres foi ouvido e gerou nova esperança! (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: A vocação da Igreja é uma vocação de ‘bem-dizer’ e de ‘bem-fazer’! Este é o caminho a seguir por todas as Paróquias. Este foi o caminho seguido, na nossa Paróquia, nas últimas décadas, com a promoção social dos pobres! Creio ser um erro, declarar que a missão exclusiva (?) dos sacerdotes é a pregação e a liturgia, como o vamos ouvindo a alguns Bispos e Padres. Não é o que diz o Livro dos Actos dos Apóstolos, acerca da Igreja de Jerusalém, em que «entre os cristãos não havia ninguém necessitado, distribuindo-se a cada um, conforme a necessidade que tivesse» (Act 4, 34-36); essa foi, também, a grande preocupação de S. Paulo, ao motivar os cristãos das Igrejas da Ásia Menor e da Grécia a socorrer os pobres de Jerusalém. Eu sei que podemos citar os Actos dos Apóstolos, para dizer o contrário, quando os Apóstolos sentiram a necessidade de escolher diáconos para se poderem «entregar assiduamente à oração e ao serviço da palavra» (Act 6,4). Não diz: ‘exclusivamente’, mas assiduamente! Ou seja: não deixaram um vazio, mas procuraram sete leigos bem formados: «de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, para lhes confiarem essa tarefa (Act 6,5), que é o que não abunda nas nossas Paróquias e dioceses, nem para o serviço da Palavra (Catequese) e da liturgia, nem para o ‘serviço das mesas’ (Diaconia). Esquecemos que a Diaconia (=o serviço das mesas) também é oração e ‘oração encarnada’, porque cada pobre é outro Cristo! Aliás, não podemos separar o culto da caridade (serviço dos pobres) do culto da Palavra e da liturgia, porque «a religião pura e sem mácula, diante de Deus nosso Pai, é visitar os órfãos e as viúvas, nas suas tribulações e conservar-se isento da corrupção deste mundo» (Ti. 1, 27); e mais: «se alguém disser: ‘eu amo a Deus’, mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão, ao qual vê, como pode amar a Deus a Quem não vê?» (1 Jo. 4, 20)… Esta é a distinção dos Cristãos (Jo. 13, 35) e da nossa Paróquia. Se não fosse a nossa obra social, não teríamos tido connosco as mais de cinco dezenas de jovens dos Companheiros Construtores estrangeiros a ajudar-nos a construir o Centro Cívico da Pereira, o Jardim Infantil e a igreja da Figueira; não teríamos tido as várias dezenas de Noviços Jesuítas a fazer a sua prova de inserção social, na Aldeia de S. José, e, provavelmente, não teríamos, hoje, a Comunidade jesuíta de Portimão, pois foram eles mais publicidade fizeram do que se fazia nesta freguesia; não teríamos os voluntários que temos e não teríamos tido motivo para a vinda das duas jovens alemãs, enviadas por Taizé. Sem a Diaconia (=serviço dos pobres), as nossas liturgias podem não passar da invocação do Santo Nome de Deus em vão!

A Profecia (=pregação), a Diaconia (=serviço aos pobres) e a Liturgia (=Eucaristia) caminham a par. Não as podemos separar. É o que diz a História da Igreja. Até o Santo Cura de Ars, Padroeiro dos Párocos, tinha a obra social da ‘Providência’ (crianças abandonadas). Os Santos que mais marcaram e continuam a marcar a sociedade foram e continuam a ser os que se ocuparam dos Pobres. Não faltam exemplos, como o da Madre Teresa de Calcutá, num país não cristão! Não será esta uma das causas da diminuição de vocações ao sacerdócio e à vida religiosa? Segundo S. Pedro, o sucesso da vida de Jesus foi o «ter feito o Bem!» (Act. 10, 38). O mesmo se pode dizer do Papa. Não creio que a libertação dos Padres do serviço da diaconia para assumir, numa correria louca, três, quatro e mais paróquias, traga, a curto ou a longo prazo, qualquer benefício à Igreja.

Após o Concílio, uma das grandes preocupações da Igreja foi o aumento de anos de Catequese! E onde estão os frutos? A maioria das crianças, adolescentes e jovens, que a frequentaram, abandonaram a Eucaristia (= a Liturgia). O Papa diz que “o amor não permite que os discípulos de Jesus se fechem num individualismo asfixiador, de uma intimidade espiritual, sem qualquer influxo na vida social” (EG 183). A Mexilhoeira Grande é conhecida pela sua obra social e não pela prática religiosa! Não terá sido a prática da caridade o que mais concorreu para que a nossa Paróquia tivesse, este ano, um Diácono permanente, quando, durante os últimos séculos, não tinha tido uma única ordenação sacerdotal? (não esquecer que o Diaconado é o 1.º grau do Sacerdócio/Sacramento da Ordem).

7. «A opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora» (ibid.,195), é uma escolha prioritária que os discípulos de Cristo são chamados a abraçar para não trair a credibilidade da Igreja e dar uma esperança concreta a tantos indefesos. É neles que a caridade cristã encontra a sua prova real, porque quem partilha os seus sofrimentos, com o amor de Cristo, recebe força e dá vigor ao anúncio do Evangelho. O compromisso dos cristãos, por ocasião deste Dia Mundial e sobretudo na vida ordinária de cada dia não consiste apenas em iniciativas de assistência que, embora louváveis e necessárias, devem tender a aumentar em cada um aquela atenção plena, que é devida a toda a pessoa que se encontra em dificuldade… Não é fácil ser testemunha da esperança cristã no contexto cultural do consumismo e do descarte, sempre propenso a aumentar um bem-estar superficial e efémero… Requer-se uma mudança de mentalidade para redescobrir o essencial, para encarnar e tornar incisivo o anúncio do Reino de Deus. A esperança comunica-se também através da consolação que se implementa acompanhando os pobres, não por alguns dias permeados de entusiasmo, mas com um compromisso que perdura no tempo. Os pobres adquirem verdadeira esperança, não quando nos vêem gratificados por lhes termos concedido um pouco do nosso tempo, mas quando reconhecem, no nosso sacrifício, um acto de amor gratuito que não procura recompensa. (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: A credibilidade da Igreja e das Paróquias é a opção pelos últimos, que a sociedade descarta (EG 195). A prática da caridade é a prova real da credibilidade da vida cristã. A celebração do Dia Mundial dos Pobres não se pode ficar pela ‘esmola’ precária; deve levar-nos a uma mudança de mentalidade que tenha como consequência a mudança da realidade, como o procurámos fazer na Mexilhoeira Grande, ao termos encontrado soluções credíveis não só para as crianças e os idosos, como para as pessoas desempregadas, que passaram a ter empregos fixos e estáveis. A transformação desta Paróquia deve-se à prática da Caridade! Basta olhar para o que ela era e para o que ela é!

– a sua pobreza material: falta de escolas, de estradas asfaltadas entre os vários sítios do interior, falta de luz eléctrica, de telefone, de lugares para a prática do desporto…

– a sua pobreza espiritual: falta de lugares de culto; estado de agonia em que se encontrava, com a igreja a precisar de obras; falta de residência paroquial; falta de salas de catequese; falta de lugares de encontro…

– A sua pobreza cultural: o analfabetismo generalizado; o pessimismo instalado, que levava as pessoas a pensar que não valia a pena tentar mudar o que quer que fosse, porque sempre assim tinha sido;

– A sua pobreza política, em que os sítios do interior e seus habitantes  eram ignoradas pelos Partidos, que concorriam às eleições locais…

Foi esta pobreza que esteve na origem da sua ‘riqueza’ de hoje, foi esta pobreza que levou ao enriquecimento espiritual do Algarve, com a fundação de uma Comunidade da Companhia de Jesus, em Portimão, após 216 anos de ausência dos Jesuítas do Algarve.

8. A tantos voluntários, a quem muitas vezes é devido o mérito de terem sido os primeiros a intuir a importância desta atenção aos pobres, peço para crescerem na sua dedicação. Queridos irmãos e irmãs, exorto-vos a procurar, em cada pobre que encontrais, aquilo de que ele tem verdadeiramente necessidade; a não vos deter na primeira necessidade material, mas a descobrir a bondade que se esconde no seu coração, tornando-vos atentos à sua cultura e modos de se exprimir, para poderdes iniciar um verdadeiro diálogo fraterno. Coloquemos de parte as divisões que provêm de visões ideológicas ou políticas, fixemos o olhar no essencial que não precisa de muitas palavras, mas dum olhar de amor e duma mão estendida. Nunca vos esqueçais que «a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual» (ibid., 200).

Antes de tudo, os pobres precisam de Deus, do seu amor tornado visível por pessoas santas que vivem ao lado deles e que, na simplicidade da sua vida, exprimem e fazem emergir a força do amor cristão. Deus serve-se de tantos caminhos e de infinitos instrumentos para alcançar o coração das pessoas. É certo que os pobres também se aproximam de nós porque estamos a distribuir-lhes o alimento, mas aquilo de que verdadeiramente precisam ultrapassa a sopa quente ou a sanduíche que oferecemos. Os pobres precisam das nossas mãos para se reerguer, dos nossos corações para sentir de novo o calor do afeto, da nossa presença para superar a solidão. Precisam simplesmente de amor… (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: Que seria dos pobres sem os voluntários? Foi pelo voluntariado que começaram as grandes mudanças de mentalidade e da realidade: o sacerdócio, a vida religiosa e missionária. As Ordens Religiosas, as Misericórdias, os Centros Paroquiais; os Médicos sem fronteiras, a Cruz Vermelha, os Bombeiros Voluntários, o Banco Alimentar… O Lar e sobretudo a Aldeia de S. José seriam muito mais pobres sem os voluntários que temos!

A credibilidade da Igreja e das Paróquias é a opção pelos últimos, que a sociedade descarta (EG 195). A prática da caridade é a prova real da credibilidade da vida cristã. A celebração do Dia Mundial dos Pobres não se pode ficar pela ‘esmola’ precária; deve levar-nos a uma mudança de mentalidade que tenha como consequência a mudança da realidade,

9. Por vezes, basta pouco para restabelecer a esperança: basta parar, sorrir, escutar. Durante um dia, deixemos de parte as estatísticas; os pobres não são números, que invocamos para nos vangloriar de obras e projetos. Os pobres são pessoas a quem devemos encontrar: são jovens e idosos sozinhos que se hão de convidar a entrar em casa para partilhar a refeição; homens, mulheres e crianças que esperam uma palavra amiga. Os pobres salvam-nos, porque nos permitem encontrar o rosto de Jesus Cristo.

Aos olhos do mundo, é irracional pensar que a pobreza e a indigência possam ter uma força salvífica; e, todavia, é o que ensina o Apóstolo quando diz: «Humanamente falando, não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Mas o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus» (1 Cor 1, 26-29). Com os olhos humanos, não se consegue ver esta força salvífica; mas, com os olhos da fé, é possível vê-la em ação e experimentá-la pessoalmente. No coração do Povo de Deus em caminho, palpita esta força salvífica que não exclui ninguém, e a todos envolve numa verdadeira peregrinação de conversão para reconhecer os pobres e amá-los. (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

COMENTÁRIO: Na nossa Paróquia, somos testemunhas do que é dito pelo Papa: muitos nos procuram, como procuravam Jesus, no seu tempo: as famílias pobres, para os filhos (Jardim de Infância); procuram-nos os idosos, os doentes e os deficientes (Lar e Aldeia de S. José); procuram-nos os estrangeiros que aqui fizeram voluntariado: os Companheiros Construtores (Centro Cívico da Pereira, Jardim Infantil e igreja da Figueira); procurou-nos o jovem de Berlim que aqui fez 15 meses de Serviço Cívico (em vez do Serviço militar); procuraram-nos as duas jovens alemãs (Lisa Schmid e Maria Fischhaber), para  nos trazerem o amor de Deus, ensinando-nos a rezar, como se reza em Taizé: ‘Antes de tudo, os pobres precisam de Deus, do seu amor tornado visível por pessoas santas que vivem ao lado deles e que, na simplicidade da sua vida, exprimem e fazem emergir a força do amor cristão’.

10. O Senhor não abandona a quem O procura e a quantos O invocam; «não esquece o clamor dos pobres» (Sal 9, 13), porque os seus ouvidos estão atentos à sua voz. A esperança do pobre desafia as várias condições de morte, porque sabe que é particularmente amado por Deus e, assim, triunfa sobre o sofrimento e a exclusão. A sua condição de pobreza não lhe tira a dignidade que recebeu do Criador; vive na certeza de que a mesma ser-lhe-á restabelecida plenamente pelo próprio Deus. Ele não fica indiferente à sorte dos seus filhos mais frágeis; pelo contrário, observa as suas fadigas e sofrimentos, para os tomar na sua mão, e dá-lhes força e coragem (cf. Sal 10, 14). A esperança do pobre torna-se forte com a certeza de que é acolhido pelo Senhor, n’Ele encontra verdadeira justiça, fica revigorado no coração para continuar a amar (cf. Sal 10, 17).

Aos discípulos do Senhor Jesus, a condição que se lhes impõe para serem evangelizadores coerentes é semear sinais palpáveis de esperança. A todas as comunidades cristãs e a quantos sentem a exigência de levar esperança e conforto aos pobres, peço que se empenhem para que este Dia Mundial possa reforçar em muitos a vontade de colaborar concretamente para que ninguém se sinta privado da proximidade e da solidariedade. Acompanhem-nos as palavras do profeta que anuncia um futuro diferente: «Para vós, que respeitais o meu nome, brilhará o sol de justiça, trazendo a cura nos seus raios» (Ml 3,20) (Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.