Poucos foram os protestantes portugueses no século XX capazes de conseguir reconhecimento generalizado nos diversos campos do cristianismo como ocorrerá com Augusto de Almeida Esperança (1928-2018), formado em teologia pelo Seminário Presbiteriano e ordenado pastor em 1952, com 24 anos.
Apesar de no período pós-guerra e, seguindo uma tendência internacional, a Igreja Presbiteriana ter assumido uma aproximação ao mundo católico romano, nem todas as igrejas protestantes acompanharam esta tendência. Na verdade, apenas a Igreja Lusitana e a Igreja Metodista acompanharão esta aproximação, o que as levará – também por questões relacionadas com uma nova recomposição teológica – a um afastamento progressivo das demais confissões protestantes e que se consubstanciará, em 1971, na formação do Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC) – em ruptura com a Aliança Evangélica, organização que reunia até então as igrejas protestantes históricas.
Apesar da ferida no campo protestante – que já vinha a abrir-se desde os anos cinquenta –, Augusto Esperança será um homem capaz de fazer pontes com todas as tendências do cristianismo mas sem nunca perder a sua raiz. Foi assim enquanto pastor, Moderador do Sínodo da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (1959-1961), Presidente da Aliança Evangélica Portuguesa (1967-1969) e como Secretário-Executivo da Sociedade Bíblica (1969-1997).
Quando em 1961 cria a revista da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, escolhe como título A Voz da Reforma e vai mais longe com o subtítulo Por um cristianismo mais puro, por um cristianismo mais bíblico; tendo como primeira capa uma fotografia do Muro dos Reformadores, em Genebra. O objectivo – refere logo no primeiro editorial – é evangelizar através da palavra escrita, como complemento à palavra dita. Ao longo de três anos vai afirmar as bases do protestantismo reformado ao publicar o Catecismo de Heidelberg e outros textos de reformadores protestantes; aproximando-se também das outras comunidades evangélicas através de artigos acerca da oração ou sobre a celebração do Pentecostes.
A mesma revista afirma ter como público todo o meio evangélico reformado mas também o universo católico. Mas Esperança vai rejeitar concessões. Se por um lado elogia a aproximação do catolicismo à Bíblia (no caso dos frades capuchinhos) ou convoca a uma aproximação dos católicos ao diálogo religioso, por outro lado opõe-se à doutrina mariana da Igreja Católica – através de um artigo sobre a Virgem Maria (a cargo de Dimas de Almeida) – e critica a intolerância católica à presença protestante que ocorrida noutros países. Por ocasião da convocação do Concílio Vaticano II, questiona se os protestantes irão regressar à Igreja Católica Romana, para responder: «Oramos pelo regresso de Roma à pureza do Evangelho».
Augusto Esperança vai assumindo, ao longo do seu pastorado, uma posição de respeito e admiração em todo o meio protestante, estatuto difícil num período de divisão latente, a que muito ajudou o seu trabalho aglutinador enquanto Presidente da Aliança Evangélica Portuguesa que, como vimos, não evitará a cisão. Neste cargo, promove grandes encontros evangelísticos que reúnem milhares de evangélicos e promove iniciativas de aproximação das diferentes denominações.
Augusto Esperança vai assumindo, ao longo do seu pastorado, uma posição de respeito e admiração em todo o meio protestante, estatuto difícil num período de divisão latente, a que muito ajudou o seu trabalho aglutinador enquanto Presidente da Aliança Evangélica Portuguesa que, como vimos, não evitará a cisão. Neste cargo, promove grandes encontros evangelísticos que reúnem milhares de evangélicos e promove iniciativas de aproximação das diferentes denominações.
Em 1969, com a necessidade de encontrar um substituto para o suíço Paul Vallon, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, presente em Portugal desde 1809, vai escolher um dos homens com mais preparação no campo protestante e que mais unanimidade gerava para o cargo de Secretário-Executivo. Ao longo dos quase trinta anos à frente Sociedade Bíblica – porventura a mais relevante organização do protestantismo português –, Esperança conseguiu cumprir o objectivo de fazer distribuir o texto bíblico em Portugal e nos restantes países lusófonos, contabilizando seguramente em milhões os exemplares distribuídos (texto completo ou apenas porções).
Todavia, o desafio mais relevante do período em que esteve à frente desta instituição foi a nova tradução da Bíblia para português. No rescaldo do II Concílio do Vaticano, as Sociedades Bíblicas empreendem uma aproximação à Igreja Católica com vista à produção de traduções conjuntas da Bíblia. O primeiro grande exemplo deste esforço foi a Traduction œcuménique de la Bible (TOB), no contexto francês que se iniciou em 1965 e concluiu em 1976. Até para sua surpresa, Augusto Esperança vai conseguir reunir a tradutores protestantes, especialistas católicos. Assim, a António Pinto Ribeiro Júnior e João Soares Carvalho, juntam-se António Augusto Tavares, Joaquim Carreira da Neves e José Augusto Ramos. Mas Esperança vai mais longe e aquando da tradução do Antigo Testamento convida Teófilo Ferreira, membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
O desafio deste projecto era grande, uma vez que implicava conseguir conciliar à linguagem contemporânea as diversas singularidades linguísticas inerentes a cada tradição cristã. O projecto iniciado em 1972 e que foi concluído com a publicação integral do texto em 1993, com o título Bíblia Sagrada, Tradução em português corrente, apresentou-se como «tradução interconfessional», renegando o termo «ecuménico».
O desafio deste projecto era grande, uma vez que implicava conseguir conciliar à linguagem contemporânea as diversas singularidades linguísticas inerentes a cada tradição cristã. O projecto iniciado em 1972 e que foi concluído com a publicação integral do texto em 1993, com o título Bíblia Sagrada, Tradução em português corrente, apresentou-se como «tradução interconfessional», renegando o termo «ecuménico». Aliás, na nota de apresentação assinada pela Direcção da Sociedade Bíblica, é realçado o «salutar espírito de compreensão interconfessional» dos tradutores. O que para muitos é visto como termo conciliador, pode ser também revelador da forma como Esperança sempre encarou a sua relação com o catolicismo: diálogo sim, mas sem perder a sua identidade.
Não foi sem críticas que esta tradução interconfessional foi publicada. Todavia, ao aposentar-se em 1997, Augusto Esperança granjeava o respeito de protestantes e católicos. Por opção pessoal, retirou-se de toda a actividade pública e fez do apartamento da Rua do Sol ao Rato a sua Quinta de Vale de Lobos. Viria a falecer precisamente nessa morada, no dia 5 de Agosto, com 90 anos de idade.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.