Amar sem medida - o exemplo de Francisco - Ponto SJ

Amar sem medida – o exemplo de Francisco

Esta manhã, no bairro da Serafina, ultrapassou tudo o que vivi naquela semana inesquecível, onde os acontecimentos se sucederam, numa beleza e magnitude que todos reconhecem. E percebi, de modo palpável, o que significa amar sem medida.

Esta manhã, no bairro da Serafina, ultrapassou tudo o que vivi naquela semana inesquecível, onde os acontecimentos se sucederam, numa beleza e magnitude que todos reconhecem. E percebi, de modo palpável, o que significa amar sem medida.

Era o dia da visita ao Bairro da Serafina. O Papa Francisco tinha manifestado o desejo de estar num bairro das periferias e foram convidadas a estar presentes nesse dia, crianças doentes, vindas de Coimbra, do Porto e de Lisboa.

À hora marcada foram chegando estas crianças, acompanhadas pelos seus pais, algumas em cadeirinhas de rodas, outras ao colo. Quando entrei no pequeno auditório, do Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo, os meus olhos fixaram-se num rapazinho. Não estava sorridente, antes pelo contrário, percebia-se o seu desconforto e inquietação. A mãe, ao seu lado, falava-lhe ao ouvido, tentando acalmá-lo certamente. Ainda hoje não consigo perceber bem o que se passou no meu coração, mas senti que precisava de fazer alguma coisa. Apresentei-me à Mãe e perguntei baixinho, se gostariam de cumprimentar o Papa.

O seu sorriso iluminou-se e naquele preciso momento decidi-me a tentar tudo por tudo, para que tal acontecesse. Precisei de pedir autorização. Consegui. Precisei de dizer àquela Mãe que teria de sair do auditório e esperar cá fora pela chegada do Papa. Foi bastante mais difícil, porque tocar no corpo daquele menino implicava provocar-lhe dores e, durante largos minutos, ele recusou-se a sair da cadeira onde já tinha sido tão difícil sentá-lo. Vi o tempo a esgotar-se, porque a partir de determinada hora, ninguém podia sair de onde estava. Mas a Mãe, com uma paciência imensa e uma enorme ternura, conseguiu trazê-lo para a rua, na sua cadeira de rodas. Estávamos as duas com o coração nas mãos, sem saber bem o que iria acontecer. Ele, continuava sério, quase indiferente ao que se passava à sua volta.

Quando dei por mim, estavam duas cadeiras de rodas, uma em frente à outra; o Papa Francisco, a sorrir, pediu um “five” ao menino doente. Houve uma breve hesitação, mas por fim vi a mãozinha levantar-se e tocar na mão do Papa e riram os dois.

Quando o carro do Papa chegou, afastei-me ligeiramente e confiei. Seguiram-se aqueles momentos mais confusos, com os seguranças a atuar e o Papa a sentar-se na sua cadeira de rodas. Mas a verdade é que se abriu um caminho e quando dei por mim, estavam duas cadeiras de rodas, uma em frente à outra; o Papa Francisco, a sorrir, pediu um “five” ao menino doente. Houve uma breve hesitação, mas por fim vi a mãozinha levantar-se e tocar na mão do Papa e riram os dois. Tudo no espaço breve dos minutos possíveis, porque tínhamos de entrar de novo e o mais depressa possível no auditório. Mesmo assim, ainda ouvi a voz emocionada da mãe, a dizer-me que tinha sido o dia mais feliz da sua vida. Não consegui responder.

A JMJ Lisboa2023 já tinha terminado, quando falei ao telefone com a responsável da casa onde aquela família ficava durante os tratamentos do seu filho. Foi-me dito que ainda bem que aquele momento tinha acontecido, com aquela criança em concreto, porque na verdade, o menino estava num estado muito grave. No Natal e na Páscoa seguintes fui procurado notícias e os telefonemas terminavam com a alegria de saber que a doença se ia superando, um dia de cada vez.  Neste último Natal, liguei de novo. Já tinha partido para o céu.

Hoje, consola-me pensar que já se encontraram os dois, sem carrinhas de rodas, nem dores. Mistério da Fé que professamos, acredito que sim, mas o Amor que vi naquela Mãe e no sorriso do Papa Francisco ao olhar para uma criança doente, não têm nada de misterioso. Esta manhã, passada no bairro da Serafina, ultrapassou tudo o que vivi naquela semana inesquecível, onde os acontecimentos se sucederam, numa beleza e magnitude que todos reconhecem. E percebi, de um modo palpável, o que significa amar sem medida.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.