Fazer silêncio para ver melhor
Talvez por teimosia, ou por mera incapacidade, é tantas vezes necessário sentirmos, na pele, a falta de alguma coisa para lhe darmos o verdadeiro valor.
Sentarmo-nos de novo à volta da mesa a jantar e ficar à conversa com amigos, ter um ombro para chorar, ou alguém para partilhar uma gargalhada revelou-se um luxo. E uma necessidade. Porque, afinal, só as relações importam. Porque chorar sozinho dói mais e rir é contagioso. Para preparar o Natal, simplesmente deixemos que o coração se vá enchendo de gratidão pela família, pelos amigos, por alguém especial que habita (ou habitou) a nossa história. O Advento convida-nos a privilegiar o que verdadeiramente importa. É um tempo, não para fazer muitas coisas novas ou diferentes, mas simplesmente para estarmos atentos: a nós mesmos, ao que nos rodeia, aos outros.
O Advento convida-nos a privilegiar o que verdadeiramente importa. É um tempo, não para fazer muitas coisas novas ou diferentes, mas simplesmente para estarmos atentos: a nós mesmos, ao que nos rodeia, aos outros.
Estar atento é a arte do silêncio. A semente desabrocha silenciosa. O sol nasce e põe-se sem fazer barulho. A espessura da noite permite que as estrelas cheguem sem se ouvirem. O sorriso na cara da pessoa amada não necessita de
dizer-se. O silêncio descose as palavras permitindo ecoá-las no coração. «A linguagem é uma fonte de mal-entendidos» diz a raposa ao principezinho. Porque o primeiro passo da comunicação é a palavra escutada; não a pronunciada. O bebé aprende a falar porque escuta. Optar pelo tempo silencioso permite-nos ver o dentro das coisas. O Advento convida-nos a um olhar contemplativo, silencioso, interior, como o de Maria que guardava tudo no seu coração. Sabedoria preciosa a do silêncio, que nos permite escutar o coração e ver melhor, com mais horizonte e maior profundidade. O silêncio permite ver com o coração.
Porque o primeiro passo da comunicação é a palavra escutada; não a pronunciada. O bebé aprende a falar porque escuta.
Comecemos o dia com um tempo de silêncio e deixemos que a Palavra da Escritura nos habite, antes afrontarmos o ruído da cidade. Acompanhemos Maria que, à espera de Jesus, deseja, sonha e guarda tudo no seu coração. Que este livro, construído com a ajuda e o carinho de tantas pessoas, nos ajude a parar, a calar e a olhar para o dentro da realidade e a descobrirmos aí Jesus que nasce no silêncio da noite de Belém. Saboreemos devagarinho o Seu renascimento também dentro de nós.
Imagem de Margarida Lucas Pires
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.