Para onde nos leva Jesus, com a sua Ascensão? 40 dias depois da sua passagem do deserto, com as marcas da sua execução, Cristo mostra uma verdade fundamental: como humanos, na dor e a caminho da glória, estamos entre o que fomos e o que havemos de ser.
Como jornalista, esta passagem lembra-me a importância do que não se diz: Jesus completa a sua missão em silêncio. Aos discípulos, cabe a enorme tarefa de inventar palavras, de audácia e profecia. É preciso vislumbrá-las e acolhê-las, sem medo, para que nos devolvam sentidos perdidos nas agruras dos dias, nas pressas da vida, no que deixamos de ver e sentir, porque demasiado preocupados em sermos mercadoria de um sistema que só valoriza o que se pode comprar e vender.
Não somos seres de certezas. Convicções, talvez, fé para muitos, mas sempre em tensão. Aprendi com alguém que admiro muito que a verdade é um lugar do qual não podemos voltar os mesmos. Enquanto pessoas, nós habitamos a dúvida. E é através dela que vamos fazendo o nosso caminho ao encontro do que é Outro.
Procuramos sinais. Interpretá-los. Precisamos de humildade, porque eles não servem apenas para confirmar o que queremos; mais, muitas vezes, o que nos salva é a capacidade de entender quando esses mesmos sinais nos dizem o que não gostaríamos de ouvir.
Não somos seres de certezas. Convicções, talvez, fé para muitos, mas sempre em tensão. Aprendi com alguém que admiro muito que a verdade é um lugar do qual não podemos voltar os mesmos.
A vida não é uma adivinhação, mas uma construção. O caminho que seguimos nem sempre é evidente e, por vezes, precisamos de uma luz, um gesto, um som que nos conforte nesta procura, de sentido e dos sentidos, para percebermos que podemos continuar. Elevados, acima do que vemos.
O monte da Ascensão é, acima de tudo, um horizonte de sentido. Outro tempo. E regresso ao início, à necessidade de ser mais do que comprar e produzir. De ser humano e aspirar às coisas do Alto. Alerto, a este respeito, para o crescimento do que se poderia denominar espiritualidade da produtividade – centrada na autoajuda e nos efeitos positivos do equilíbrio interior para o desempenho social – longe, diria, de uma libertação espiritual e de um caminho de fé.
É impossível não pensar no enorme desafio que é ascender, como Jesus, no tempo em que vivemos: os elementos que constituem a existência humana estão espalhados, a pessoa movimenta-se agora em vários círculos de relação (trabalho, família, paróquia, partido, clube, etc.) num ritmo intenso, à procura de sentido, de horizontes para a sua vida.
É um desafio que me toca, em particular neste Dia Mundial das Comunicações Sociais: ao estatuto do discurso que se dirige ao Transcendente, une-se a questão do estatuto do silêncio, elemento cada vez mais raro na sociedade em hipervelocidade. A intenção de mostrar a comunidade a partir da sua vivência de fé, nos diversos níveis, carrega também a oportunidade de desmistificar e remistificar, transpondo linguagem e categorias de pensamento da espiritualidade para outras áreas da sociedade. Mais alto. Mais longe.
O nosso caminhar pertence ao futuro, lá onde o tempo seja um abraço sem fim, não uma mera sucessão de momentos, com sentido de existência. Desconstruir e reconstruir, sem que o final seja o contrário do começo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.