Em princípio, austeridade é uma coisa boa. Significa rigor, ausência de luxo e de supérfluo, estilo simples, linear, sem enfeites, sóbrio e disciplinado. É claro que pode escorregar para um austerismo, um rigorismo, secura e rigidez e intolerância. Procurar a medida certa é um valor e até uma virtude. Mas os políticos, talvez tentando branquear as suas decisões, torcendo o significado, chamaram “austeridade” à imposição de medidas “excecionais” de contenção, ao “apertar do cinto” para condições de vida abaixo da medida justa no acesso aos bens, ao trabalho, à educação, à liberdade de escolha. Aparece assim como uma manobra financeira que resolverá grandes problemas… E não se vê logo à custa de quem, nem que é de longo prazo. Mas a realidade é que essas medidas (e sobrecarga dos impostos) atingem, sobretudo, os mais frágeis da sociedade, enquanto os outros ganham maior capacidade de ostentação e aburguesamento.
Os governos, depois de algum malabarismo com as palavras, procuram instalar-se e deixar vir ao de cima a nostalgia paternalista que lhes alimenta o poder: “não precisamos de ajudas, aguentem só mais um bocadinho, sem refilar, que já aí vem o pão e a festa para todos”.
Vamos acabar com a “austeridade”! É o grande anúncio, sobretudo em tempos de campanha e aproximação de eleições. Vamos (todos?) poder consumir sem pensar. Também temos direito a experimentar a vida burguesa, a ir a todo o lado sem restrições. É a mensagem que os grupos e os partidos mais socializantes nos passam. A benesse, quase sempre, dura pouco tempo, porque não vem do compromisso nem da responsabilidade. Cai do alto. E o “ideal” de vida instalada, com todos os direitos, permanece, mas vai para a gaveta de ‘para melhores dias’.
Porém, querem fazer-nos pensar que a austeridade é o tal aperto forçado, a limitação imposta, sobretudo aos mais pobres e indefesos, em nome dos grandes orçamentos e das políticas de ajuste e de recuperação.
Sem austeridade não há responsabilidade.
A austeridade, bem entendida, pode (e deve) ser um ideal e uma virtude para todos: é uma escolha. Todos (seja qual for a condição) devíamos procurar e poder estar na vida escolhendo: ‘o que faço, digo, dou ou compro, com a medida justa, nem demais nem de menos, como quem cultiva a liberdade interior para saber dizer sim e não, para não acumular nem desperdiçar sem sentido, mas sabendo e procurando partilhar: dar e receber’. Mas a ganância, a comparação, a gula sempre insatisfeita, não se contenta e pode achar que tudo é pouco. Porém, querem fazer-nos pensar que a austeridade é o tal aperto forçado, a limitação imposta, sobretudo aos mais pobres e indefesos, em nome dos grandes orçamentos e das políticas de ajuste e de recuperação. De facto, são esses os mais afetados, mas o que lhes é imposto (não escolhido) não é austeridade, é precariedade injusta em nome de manobras de um “capitalismo social, ou de socialismo capitalista”: aperta agora o cinto, aguenta, sofre que já aí vem o mago das novas contas que te salva da “austeridade”.
O pior desta mentira é que, quer para ricos quer para pobres, onde não há verdadeira austeridade também desaparece a esperança.
A esperança é a virtude, a força anímica e prática para lutar por um futuro mais justo e mais humano. Não é espera nem expectativa que algo aconteça. Se não há responsabilidade e sentido do equilíbrio no ter, no ser e no relacionar-se, o engano que a tentação bem embrulhada oferece é o de se contentar com a “magnânima” benesse do poder: agora acabou a “austeridade”; podes experimentar, a medo, as delícias da burguesia. Aproveita, come e cala-te, se não até isso perdes. Mas acabou a austeridade? Não, matou-se a esperança. E o desejo de mais e mais justiça fica escondido a azedar, a transformar-se em revolta ou em subserviência. Vai explodir, é quase certo. E então sim, nem austeridade nem esperança. A bandeira desfraldará três “direitos”: o da afirmação individual, o das emoções como critério, e o do consumo como realização.
Em vez de “acabar com a austeridade”, reconhecer os direitos de uma Esperança austera: o direito ao salário justo e familiar, à escolha da escola, ao trabalho digno com abertura, ao tempo livre e às férias, à casa própria, aos transportes e ao respeito ambiental.
Só com governos austeros! Que testemunhem simplicidade e rigor, promovam a segurança, a saúde pública e uma justiça eficaz e atempada, uma informação transparente e um respeito pelas raízes religiosas e culturais, um progressivo cuidado ecológico. Mais serviço das pessoas e do bem comum, do que das ideologias!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.