A guerra na Ucrânia está a forçar milhões de pessoas a fugir das suas casas – algumas à procura de segurança noutras partes do país, outras em países vizinhos. Neste momento, 3.6 milhões de pessoas já saíram da Ucrânia, em apenas um mês. E continuamos longe de prever o que vai acontecer.
Cerca de metade dos deslocados são crianças. Entre essas, muitas estão não acompanhadas ou foram separadas das suas famílias. A menos que façamos algo agora, as consequências deste conflito e os riscos de violência, exploração e abuso de crianças vão continuar a aumentar.
Sempre que um conflito obriga as crianças a fugir das suas casas, aumenta a sua exposição ao perigo. Para além do risco de ferimentos ou morte por armas ou munições explosivas, as crianças deslocadas enfrentam inúmeros desafios. À medida que o conflito se intensifica na Ucrânia, as crianças têm tido poucas (ou nenhumas) opções para fugir ou continuar o seu trajeto por caminhos seguros, seja quando estão sozinhas ou com as suas famílias. Podem ser vítimas de violência, estando também privadas de cuidados médicos essenciais, água potável e alimentos. As crianças podem ser vítimas de tráfico, expostas a situações de trabalho infantil ou forçadas a entrar clandestinamente num país. Em particular, as mulheres e raparigas deslocadas enfrentam especiais riscos de violência de género.
As crianças podem ser vítimas de tráfico, expostas a situações de trabalho infantil ou forçadas a entrar clandestinamente num país.
A enorme vaga de voluntários que surgiu para acolher refugiados da Ucrânia está a abrir portas a traficantes e outros predadores que procuram explorar mulheres e crianças que fogem da guerra. As famílias em trânsito têm, muitas vezes, dificuldade em identificar ajuda confiável. No meio do caos e da confusão, podem ser abordados, sem se dar conta, por traficantes ou outros grupos interessados na sua exploração, e não em garantir o seu acesso a serviços.
Os riscos de rapto, tráfico para venda e exploração e adoção ilegal de crianças são reais. É, por isso, premente que os Estados adotem medidas de emergência no interesse superior da criança.
Num primeiro momento, e no sentido de proteger todas as crianças do risco de exploração e abuso, os Estados devem assegurar espaços seguros para as famílias, logo após a passagem da fronteira e promover a ligação desses espaços aos sistemas nacionais de proteção infantis.
Para as crianças deslocadas que viajam através das fronteiras sem as suas famílias, o acolhimento temporário ou outros cuidados assegurados a nível comunitário pelo Governo, oferece uma proteção decisiva. A adoção não deve ocorrer durante ou imediatamente após emergências. A UNICEF tem apelado a que devem ser promovidos todos os esforços necessários para reunificar as crianças com as suas famílias.
Ao nível do acolhimento, a UNICEF defende que o acolhimento das crianças nestas circunstâncias deve ser feito através de medidas nacionais de acolhimento a nível familiar ou comunitário, constituindo o acolhimento institucional apenas uma medida de último recurso e com a menor duração possível. Não podemos reverter os avanços de desinstitucionalização conseguidos nos últimos anos.
Ao nível do acolhimento, a UNICEF defende que o acolhimento das crianças nestas circunstâncias deve ser feito através de medidas nacionais de acolhimento a nível familiar ou comunitário, constituindo o acolhimento institucional apenas uma medida de último recurso e com a menor duração possível.
A emergência atual exige a rápida expansão da capacidade de resposta de acolhimento com cuidadores devidamente selecionados, bem como outros serviços para a proteção da criança, incluindo contra a violência de género. Os Estados devem também instituir procedimentos de proteção infantil para prevenir a violência, a exploração e o abuso de crianças durante os processos de deslocação, cuidado e identificação familiar.
Em Portugal, que já está a acolher milhares de refugiados, é fundamental adotar medidas especiais informadas pelo princípio do interesse superior da criança. É premente que a resposta, a nível central e local, permita assegurar, de forma célere, atempada e eficaz, a todas as crianças e famílias deslocadas da Ucrânia o acesso a direitos, nomeadamente a alojamento, cuidados de saúde, vacinação, educação, formação, e assistência e proteção adequadas.
Ao nível local, os municípios têm assumido um papel de destaque. A UNICEF apela à liderança e à mobilização das autarquias, ao mais alto nível, para uma resposta de emergência, como para o reforço dos sistemas já existentes, assumindo o compromisso de:
- Sensibilizar todos os voluntários, em particular voluntários não registados, e cidadãos individuais que estejam a prestar assistência e/ou acolhimento temporário para que entrem em contacto com as autoridades competentes e sigam as instruções por estas facultadas em matéria de registo e identificação da criança;
- Capacitar e formar todos os profissionais que estejam envolvidos na ação direta e indireta com as crianças deslocadas da Ucrânia, nomeadamente, membros das forças de segurança, juristas, assistentes sociais, psicólogos, professores e tradutores, em áreas como: prevenção da separação familiar; identificação de crianças não acompanhadas; riscos específicos que as crianças enfrentam; e mecanismos de referenciação e encaminhamento;
- Avaliar a situação de todas as crianças no momento da chegada, e adequar a resposta às suas necessidades imediatas – de prestação de cuidados médicos, vacinação, apoio psicossocial, habitação, integração no sistema educativo, apoio à aprendizagem da língua e cultural locais;
- Criar equipas de mediadores culturais e/ou intérpretes, e preparar um plano de ação para uma intervenção adequada e promotora da integração.
As crianças estão a pagar um preço angustiante pela guerra na Ucrânia. A UNICEF está no terreno, na Ucrânia e nos países vizinhos, a intensificar o apoio de emergência para as crianças e as suas famílias. E irá continuar. Tal como iremos continuar a acompanhar a situação em Portugal, para que todas as crianças possam ter uma oportunidade justa.
As medidas que conseguirmos definir e reforçar nos sistemas de proteção, irão beneficiar todas as crianças, quer venham da Ucrânia, Síria, Afeganistão, Iémen ou República Democrática do Congo. O nosso compromisso é universal e para todas as crianças.
Fotografia: Unicef
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.