A política invisível

Esta semana, a Brotéria traz-nos Baron Noir, uma série sobre os bastidores da política francesa numa era de populismo e discursos anti-sistema.

Esta semana, a Brotéria traz-nos Baron Noir, uma série sobre os bastidores da política francesa numa era de populismo e discursos anti-sistema.

No Guardian, a série francesa Baron Noir, que conta com três temporadas, é injustamente descrita como uma mistura de House of Cards e The Sopranos. Baron Noir não é uma série sobre assassinos; é uma série sobre política. E bastante próxima da realidade, com todas as suas “zonas cinzentas”, credível das jogadas partidárias aos crimes de corrupção. O homicídio resolve as narrativas de House of Cards ou The Sopranos. Em Baron Noir, as coisas são mais complicadas.

O barão negro é Philippe Rickwaert (Kad Merad), operário, militante do Partido Socialista francês, presidente da câmara de Dunquerque, agente da política partidária e ligado aos sindicatos. Rickwaert é amigo de longa data de Francis Laugier, candidato socialista à Presidência da República, e responsável por movimentar a máquina para a sua eleição. Baron Noir começa com uma morte fundacional: o suicídio de Joël Donfront, tesoureiro, que Rickwaert tinha feito prometer que arcaria com a responsabilidade do esquema de financiamento ilícito da campanha de Laugier.

Durante toda a primeira temporada, o escândalo é adiado ao ponto em que as conversas entre Donfront e Rickwaert são publicadas e Laugier se demite no meio de uma tentativa de destituição. O barão negro acaba na prisão. Tudo pelo partido. Rickwaert sai da prisão passados meses e torna-se o conselheiro principal de Amélie Dorendeu, primeira secretária do partido socialista francês, de quem fora amante. Dorendeu é candidata presidencial contra o candidato da extrema-direita, e vence as eleições ignorando o conselho de Rickwaert, que a pressionara a aproximar-se de Michel Vidal, o candidato da extrema-esquerda.

Dorendeu torna-se a primeira mulher presidente da república francesa. A sua forma de atuar difere de Rickwaert apenas num aspeto. A presidente tem o poder e decide sozinha, sem ceder a influências nem dos seus mais próximos. Tudo em tons sóbrios, camisas de seda, cabelo comprido e solto. Parece simples e custa uma fortuna. Dorendeu e Rickwaert não param, excepto quando vêem algo que lhes diz respeito na televisão. Estão sempre em movimento, a andar, a passear enquanto conversam. Política é ação, e o espetador é envolvido na dinâmica e torna-se tão obsessivo quanto os protagonistas num jogo de bastidores que pouco ou nada diria aos eleitores. Talvez 2% do que se passa nos partidos vá parar aos jornais. Metade em forma de recado e a outra metade em notícias inevitáveis, às vezes escandalosas.

Dorendeu acaba por formar um novo partido com o apoio dos liberais. Rickwaert junta-se a Vidal. Subitamente, há uma nova realidade partidária que parece ter reduzido o partido socialista francês à irrelevância. O voto operário deixa de ter quem o represente e é transferido para a extrema-direita e para um tipo de populismo que nasce nas redes sociais com o sinistro Christophe Mercier, um líder de YouTube com um discurso anti-sistema, vazio e mentiroso, que se torna eco das indignações online. A pedido de Vidal, Rickwaert torna-se o candidato que pretende unir toda a esquerda contra a ameaça de Mercier. É eleito à tangente e com um custo irreversível. Após muita expetativa, o Canal+ anunciou que não haverá quarta temporada de Baron Noir. Não veremos Philippe Rickwaert no Eliseu. Os produtores alegaram “fadiga” para justificar o fim da série. A política cansa. Talvez seja melhor assim.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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