Com as portas fechadas, porque tinham medo. Os discípulos ainda sem terem conseguido recuperar da dor de perder o seu Mestre. E junto com o sentimento do medo e da perda, o sentimento da frustração. Porque os sonhos fracassaram, as promessas esperadas deram em nada. Fechadas num túmulo.
São estes os sentimentos dos discípulos reunidos no cenáculo, após a morte de Jesus. Como se o mundo desabasse, as coisas perdessem sentido, os pés deixassem de ter firmeza e o horizonte se fechasse num gigantesco ponto de interrogação. E agora? O que será de nós?
Tantas pessoas hoje, e talvez vários de nós que estamos a ler estas linhas, tenhamos experimentado, ou estejamos a experimentar vários destes sentimentos. Porque a dor nos bateu à porta, porque sentimos a partida e a ausência, porque aquilo que foi tão querido, acarinhado e desejado não foi conseguido ou nos foi tirado. Entre a pena e a revolta, entre o desânimo e a desorientação, assim são, às vezes, os caminhos da nossa vida. E isso custa, porque não é suposto isto acontecer. Tal como não é suposto que famílias inteiras fujam de uma guerra cruel, ou que se nasça num país, numa cidade ou num bairro onde a vida dá poucas oportunidades para ver e ir mais longe.
Apesar de terem visto e ouvido tantas coisas sobre o Reino dos Céus, da sua alegria e comunhão, dos milagres e das maravilhas que o constituem, e que este Reino está próximo, e já está no meio de nós, os discípulos parecem ter esquecido tudo de repente.
Tal como um semeador, o Ressuscitado planta na fragilidade do nosso coração e nos momentos mais duros da vida uma palavra que abre caminho, mesmo não resolvendo os problemas.
Porque a dor tem o poder de nos fazer esquecer aquilo que antes nos animava. De nos fechar e fazer baixar os braços. E ficamos tristes. A tristeza dos discípulos também os encerrou no túmulo da falta de esperança.
E aí, surge no meio deles, uma presença e uma voz: “A Paz esteja convosco”. Como se na escuridão desta noite brilhasse uma luz e as trevas começassem a perder densidade. Tal como no meio no caos e no abismo das águas se ouviu um dia a primeira palavra que Deus disse na história: “Que a luz se faça”. E ali tudo começa a nascer. O mundo como Deus o sonhou e o Reino como Jesus o instaurou.
Reparemos neste respeito e nesta docilidade. No meio das trevas e da dor, uma palavra que não invade, mas transforma desde dentro: “que a paz esteja em ti, que a luz te faça ver”. Tal como um semeador, o Ressuscitado planta na fragilidade do nosso coração e nos momentos mais duros da vida uma palavra que abre caminho, mesmo não resolvendo os problemas. Porque os problemas não se resolvem de um dia para o outro, começam a resolver-se quando a cabeça se levanta, os olhos contemplam a luz e os pés se poem a caminho. O milagre que vence a dor não é uma magia que a faz desaparecer; o milagre acontece quando o coração deixa que a Paz da Ressurreição conquiste o centro da vida e a faça nascer para o caminho que há a percorrer.
Porque a pedra foi removida e dentro do sepulcro ficaram apenas os restos que dão testemunho da dor. Importa o que está fora do túmulo, já em caminho, em anúncio. Podemos nós hoje estar já a fazer este caminho com Jesus? Sim, porque Ele já o começou a fazer connosco. Talvez, como os discípulos de Emaús, ainda não O tenhamos reconhecido. É uma questão de estarmos atentos aos sinais de que a Paz está verdadeiramente connosco.
Fotografia de Jeremy Bishop – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.