A Paixão Segundo G.H.

Esta descoberta da identidade, na qual estamos permanente envolvidos, requer um silêncio permeável, capaz de conviver com as perguntas existenciais sem as querer estragar com uma resposta apressada.

Esta descoberta da identidade, na qual estamos permanente envolvidos, requer um silêncio permeável, capaz de conviver com as perguntas existenciais sem as querer estragar com uma resposta apressada.

Talvez, na maioria das listas, A Paixão segundo G.H. não seja considerado um livro de férias: pela sua trama especulativa, pelo carácter marcadamente existencial, pela sua elaboração complexa… Por muitas razões, mais ou menos válidas, não chamaria a este romance um típico livro de Verão, daqueles cujas linhas convidam a estar descansadamente espojado a ler. É uma narrativa inquieta, que incomoda e questiona.

Por isso mesmo, este é um livro que pode revolucionar as férias – ou qualquer tempo mais ocioso, que seja desprovido de grandes actividades. Nas férias, as nossas rotinas implodem, dando lugar a um silêncio nu, que pode ser um bom pano de fundo parar e até tirar algumas considerações acerca do modo como temos vivido. As férias têm, por isso, também uma função de restabelecimento do olhar. Clarice Lispector, neste romance, oferece-nos uma narrativa feita de perguntas interiores. G.H. é uma mulher que, diante dum cenário quotidiano, transforma totalmente a sua visão de si. Diante da vida comum, aprende a viver totalmente, do fundo de si mesma.

Esta descoberta da identidade, na qual estamos permanente envolvidos, requer um silêncio permeável, capaz de conviver com as perguntas existenciais sem as querer estragar com uma resposta apressada. Foi isso que aprendi com G.H.: a encarar as questões que brotam – umas suaves, outras intempestivas – como lugar e caminho de renovação do olhar, que leva a uma descoberta da vida mais plena e, paradoxalmente, ao reconhecimento da nossa incompletude.

 

Clarice Lispector, A Paixão segundo G.H. Relógio d’Água, 2013.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.