O Fé e Cultura está de regresso e este ano o tema em debate são os “Sinais dos Tempos”. O evento decorre no dia 5 de abril, no auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, e as inscrições já estão a decorrer.
Nesta entrevista, João Paiva, membro da equipa de coordenação do Fé e Cultura, e o P. João Manuel Silva, sj, diretor do Centro Universitário Manuel da Nóbrega (CUMN), partilham a relevância do tema escolhido, o que se pode esperar do evento e ainda o papel que o CUMN tem desempenhado ao longo dos seus 50 anos de história na abertura ao mundo e na promoção do diálogo.
Sinais dos Tempos é o tema da edição de 2025 do Fé e Cultura. Porquê a escolha deste tema e qual a sua pertinência?
João Paiva: Sinais dos Tempos é uma expressão duplamente forte. Numa interpretação mais universal, dá conta da atenção que precisamos de ter a todos os sinais que o tempo nos oferece. Um convite claro à observação cuidadosa dos movimentos sociais, naturais, humanos, que atravessam o tempo e que nos impelem à reflexão, ao discernimento e à ação. Mas há um outro significado, mais eclesial, que é também muito importante: a expressão “sinais dos tempos” sai do Concílio Vaticano II como um programa vital (ainda em curso), segundo o qual a Igreja está consciente que a própria releitura dinâmica dos Evangelhos se faz na escuta dos sinais que a cultura vigente nos oferece.
No evento vão estar em destaque vários tipos de “sinais”. Mas sabemos que, na escolha do tema, tiveram presente o Ano Jubilar que a Igreja Católica vive, sob o signo da Esperança. Faz falta um debate sobre a Esperança?
João Paiva: Sim, faz falta e por algum motivo o Papa Francisco convocou este chapéu largo da Esperança, que, como tudo o que é verdadeiramente cristão, converge para uma sede muito humana, precisamente a sede de esperança que reside no âmago de cada pessoa. A sociedade polarizada em que vivemos precisa de ser sinalizada. Mas o simples diagnóstico é uma insuficiência. Neste evento, procuramos a nudez dos factos e até a consciência das percepções, que nos levarão, de alguma forma, a alguma possibilidade de pessimismo ou de beco com poucas saídas. Mas o desenho do evento está feito para que, observadas e refletidas algumas das sombras dos nossos tempos, se apresentem boas práticas, de efetiva resposta fraterna às dores do nosso tempo, num lastro que precisa e que oferece, ao fim e ao cabo, a própria Esperança.
O desenho do evento está feito para que, observadas e refletidas algumas das sombras dos nossos tempos, se apresentem boas práticas, de efetiva resposta fraterna às dores do nosso tempo, num lastro que precisa e que oferece, ao fim e ao cabo, a própria Esperança. – João Paiva
O que é que as pessoas podem esperar do evento?
João Paiva: Um evento leve, mas, ao mesmo tempo, profundo e com potencial de bons frutos. Vamos poder refletir com alguma verticalidade, mas, principalmente nas conversas, haverá uma componente muito prática, que, estamos em crer, vai motivar os participantes. Como tem vindo a ser hábito nestes eventos, todas as pessoas presentes vão poder participar no debate, colocando as suas questões. O programa é transgeracional, mas houve uma deliberada atenção, desde a temática aos convidados, para o Fé e Cultura 2025 poder seduzir e assim congregar muita juventude. É um bom sintoma desta intenção o facto de todos os moderadores dos debates serem atuais estudantes universitários.
Depois de tantas edições do Fé e Cultura, porque é que o evento continua a fazer sentido?
P. João Manuel Silva, sj: O Fé e Cultura faz e fará sentido existir, neste ou noutros moldes, na medida em que a reflexão e o diálogo entre a fé cristã e as culturas contemporâneas nunca estarão esgotados. Tempos houve em que este evento se realizava anualmente; no presente, já desde 2019 que não organizávamos um Fé e Cultura, inicialmente por causa da pandemia, e depois pelo acelerar dos ritmos de vida (e da própria vida do CUMN). Mas há dois anos que temos vindo a pensar em incluir o Fé e Cultura no programa anual do CUMN. Apesar de, ao longo do ano, termos várias atividades no CUMN que promovem este diálogo entre cultura e fé, pareceu-nos que dedicar de novo um dia inteiro, em que alternássemos um grande painel com conversas mais breves, em que pudesse haver alguma interação do público e, no final, alguma síntese, seria uma forma de proporcionar uma maior profundidade na reflexão e na abordagem ao tema escolhido. Somos conscientes de que, sobretudo para os mais jovens, o modelo conferência/conversa é cada vez menos apelativo. Ainda assim, tendo em conta a diversidade de atividades que o CUMN e a Igreja local oferecem, parece-nos importante promover o encontro de pessoas, de diferentes lugares e gerações, para escutar bons oradores partilharem o seu conhecimento e experiência, ao longo de um dia. Basta ver o sucesso que hoje os podcasts têm… E, no fundo, o que pretendemos é que as pessoas dediquem um sábado de início de Primavera a ouvirem uma série de bons podcasts, sobre temas interessantes, mas ao vivo e junto com outras pessoas.
O CUMN celebra 50 anos este ano. Como é que resume a história do CUMN e que marca tem deixado ao longo das várias gerações?
P. João Manuel Silva, sj: O CUMN nasceu do sonho, maturado na oração e na conversação espiritual, que dois jovens – os Padres António Vaz Pinto e Vasco Pinto de Magalhães – alimentaram durante a sua formação como jesuítas, a partir de finais dos anos 60, e aos quais se juntou posteriormente o P. Alberto Brito. O CUMN surgiu em pleno ‘verão quente’ de 1975, como uma casa aberta a estudantes universitários, um espaço físico e humano ao alcance de crentes e não crentes, com o intuito de fazer dialogar a fé cristã com a diversidade de expressões culturais que, hoje como então, caracterizam o mundo universitário. Foi a partir desta visão que, logo nos primeiros anos de existência do Centro, surgiram os ‘Fé e Cultura’. Esta abertura e acolhimento radicais, que são a imagem do CUMN, encontram o seu princípio e fundamento na pessoa de Jesus Cristo e no Evangelho: a grande marca que o CUMN pretende deixar na vida daqueles que passam por cá.
Para falar dessas marcas seria talvez melhor perguntar a quem por cá passou… Mas, enquanto atual diretor, creio que a informalidade e proximidade – quer dos jesuítas, quer dos leigos que são a anima da casa – têm gerado um estilo que tem marcado diversas gerações e que tem ajudado muitos jovens universitários a querer conhecer Jesus, ou simplesmente a querer voltar à comunidade cristã, ou a querer caminhar mais profundamente na sua fé, em Igreja. Sublinho ainda, como traço estrutural, a oferta gratuita de formação espiritual – a partir dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio – e doutrinal, sempre num estilo que estimula a dúvida e a pergunta, procurando sempre modos novos e criativos de dar a conhecer a pessoa de Jesus e os seus ensinamentos, que a Igreja tem transmitido ao longo dos séculos, e que nós temos procurado traduzir em linguagem compreensível para cada tempo. Para além de ser uma casa – espaço de encontro e aprendizagem, de amizade e partilha – o CUMN tem sido também um lugar onde a fé e o compromisso pela justiça social procuram ir lado a lado, em ações e opções de vida muito concretas.
Que futuro para o CUMN depois de completados 50 anos?
P. João Manuel Silva, sj: Há umas semanas, aquando da visita anual do Provincial dos Jesuítas em Portugal a Coimbra, passamos uma boa tarde de domingo, reunidos com pessoas de várias gerações de frequentadores do CUMN (e não só!), a conversar precisamente sobre esta questão. Ao celebrar 50 anos, o CUMN vive um momento de grande vitalidade espiritual e humana. É cada vez maior o número de estudantes universitários que vêm ao CUMN a cada 4ª feira para celebrar a Eucaristia, ou para participar em grupos e serões. Para além dos universitários, também os grupos de GVX (do 8º ao 12º) e os grupos para pós-universitários e o Círculo Loyola, são bastante ativos. Claro que há sempre dificuldades e problemas a enfrentar, mas sentimos todos que o CUMN está vivo, e para essa vivacidade muito tem contribuído, por um lado, a fidelidade à intuição dos fundadores e, por outro, a capacidade de, criativamente e com flexibilidade, responder às questões com que a cultura estudantil universitária de cada tempo nos vai desafiando.
A nossa radicalidade estará sempre em gerar diálogos, em pôr as pessoas à conversa e não tanto em defender a pés juntos posições certas e definitivas, até porque, olhando ao Evangelho, parece ser mais radical a abertura ao caminho e à sua indefinição, mesmo que isso nos faça mais inseguros, mas abandonados ao Espírito. – P. João Manuel Silva, sj
Parece-me que o CUMN terá futuro na medida em que, como sonhava o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, continuar a ser, sempre de modo renovado, transparência – mais com ações do que com palavras – do Evangelho e da pessoa de Jesus, através de uma opção radical pelo acolhimento, pela hospitalidade, pela proximidade e pela disponibilidade para sair ao encontro das (e se deixar encontrar pelas) culturas universitárias e saber escutar; para acompanhar processos e ajudar a maturar frutos; e, enfim, para festejar, pois esta tem sido também uma das marcas do CUMN ao longo destes anos. O clima de liberdade e de busca de uma maior autenticidade que se vive na casa suscita o desejo pela busca e aprofundamento. Parece-me que isso pode representar, tanto para a Igreja local, como para a sociedade, um pequeno mas profético contributo para fomentar um modo de ser Igreja que, em vez de pretender dominar espaços, assume ser apenas mais uma voz no meio de tantas; uma Igreja que, ao estilo de Cristo, está sempre de portas abertas a todos, ao serviço de todos aqueles que, mesmo sem o perceberem muito claramente, desejam encontrar-se com o Deus-Amor, através do encontro com a própria profundidade e do encontro com outros.

Como se dizia no referido encontro, o CUMN do presente e do futuro é chamado a ser um lugar para libertar e permitir à pessoa parar e ter espaço para entrar dentro de si, refletir e rezar. Na senda da intuição de Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais, o trabalho do CUMN é favorecer o contacto e relação direta da criatura com o seu Criador, em comunidade. E por isso, a nossa radicalidade estará sempre em gerar diálogos, em pôr as pessoas à conversa e não tanto em defender a pés juntos posições certas e definitivas, até porque, olhando ao Evangelho, parece ser mais radical a abertura ao caminho e à sua indefinição, mesmo que isso nos faça mais inseguros, mas abandonados ao Espírito.
Para conhecer o programa do Fé e Cultura consulte o site

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.