A Esperança num acorde

À nossa volta, tudo parece querer falar-nos antecipadamente do Natal: a publicidade, as decorações, as preparações… Esta proposta de Advento desacelera-nos e ajuda-nos a manter uma atitude de vigilância, através da música sacra.

À nossa volta, tudo parece querer falar-nos antecipadamente do Natal: a publicidade, as decorações, as preparações… Esta proposta de Advento desacelera-nos e ajuda-nos a manter uma atitude de vigilância, através da música sacra.

O Advento, muitas vezes apenas interpretado (por analogia à Quaresma) como ocasião de preparação do Natal, é um tempo privilegiado que marca o início do novo ano litúrgico. Ele é, por isso, oportunidade de recomeço – de avaliar a etapa que terminou e encarar a nova com um renovado propósito –, mas é-o também de encontro com a história de um povo que aguarda a chegada prometida do Messias. É, portanto, o momento privilegiado da esperança, de uma espera activa de quem reconhece a presença no mundo d’Aquele com quem quer estar de maneira plena.

À nossa volta, tudo parece querer falar-nos de forma demasiado antecipada do Natal: (a publicidade, as decorações, as preparações…). Desviando demasiado a nossa atenção da sobriedade e vigilância deste tempo que, por isso, parece evaporar-se, tornando-se difuso e quase inexistente, passando de uma oportunidade a uma sala de espera.

A vasta história da música ocidental, da qual somos herdeiros, foi marcada pelo contributo de muitos homens e mulheres que nos legaram obras preciosas que nos falam tanto de Deus como da sua própria experiência pessoal, afectiva e espiritual, a partir dos textos sacros. Ao longo das próximas semanas, durante este Advento, proporei um percurso, através da música sacra, procurando fixar o nosso olhar na profundidade deste momento, com o auxílio desta herança intemporal.

 

I DOMINGO DO ADVENTO

O primeiro Domingo do Advento, que marca o início desta nova etapa, é o grande pórtico de entrada num mundo com um imaginário muito próprio: com um tempo mais cinzento e chuvoso, começam as preparações Natalícias e, claro, a chegada da coroa do Advento, com as suas quatro velas. Também biblicamente nos deparamos com um imaginário muito próprio, o da vigilância, o das candeias acesas na noite, o da espera por uma chegada, o de uma virgem que recebe uma inesperada notícia.

O hino Rorate Coeli é um texto muito próprio deste tempo. A sua Antífona, habitualmente traduzida de forma mais literária por “Destilem-se os céus, desde o alto, e as nuvens chovam o Justo”, é inspirada em Isaías 45, 8. A primeira parte do texto assume um tom mais de penitência ou de petição por parte do povo. Por oposição, a segunda parte é colocada na boca do próprio Deus que afirma a sua promessa, particularmente na última estrofe, carregada de um sentido que desperta no ouvinte a confiança: “Consola-te, consola-te, Meu povo: / Em breve há-de vir a tua salvação! / Porque te consomes de tristeza, se a tua dor de renovou? / Eu te salvarei, não tenhas medo! / Pois Eu Sou o Senhor, teu Deus, / o Santo de Israel, teu Redentor”.

Vale a pena escutar, com este sentido do texto, a versão em canto gregoriano que, sem grandes melismas e adornos, entoa o texto a sobriedade própria deste tempo.

Mas ao longo da história da música e da Igreja, vários compositores se deixaram interpelar pela força dos hinos e textos sacros, embelezando-os com a polifonia, carregando-os com afecto, especialmente ao destacar pormenores ou palavras. Talvez as mais conhecidas versões deste texto sejam as de Giovanni Pierluigi di Palestrina (1525-1594) ou a de William Byrd (1543-1623).

Proponho hoje, porém, uma versão menos conhecida, a de Josef Rheinberger (Alemanha, 1839-1901). Trata-se de uma polifonia para quatro vozes mistas (SCTB), apenas com um texto ligeiramente diferente que poderemos traduzir por: “Destilem-se os céus, desde o alto, e as nuvens chovam o justo / abra-se a terra e germine e apareça o Salvador” (do Intróito da Missa do IV Domingo do Advento).

Este pequeno moteto – que inicia com a entoação das primeiras palavras do hino Rorate coeli desuper, por parte do tenor – está estruturado essencialmente de forma homófona, isto é, todo o coro (cada um na sua voz) canta o mesmo texto em simultâneo destacando (de forma mais adornada, as palavras justum (justo), aperiatur (abra-se) e Salvatorem (Salvador).

Deixemo-nos interpelar pelo modo como Rheinberger traduziu para o idioma da música este texto, notando como repete a súplica para que se abram os céus e como envolve de mistério a expressão aperiatur terra et germinet salvatorem (a partir do minuto 1’05), que atinge a sua apoteose ao adornar melódica e harmonicamente a palavra Salvador.

Encontramo-nos na próxima semana: Bom Advento!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.