O documento apelidado por “Encíclica Verde” do Papa Francisco foi publicado pela primeira vez em junho de 2015, no mesmo ano em que se firmou o Acordo de Paris para tentar conter o aquecimento global do Planeta. A Encíclica ‘Laudato Si’ é hoje amplamente reconhecida como um documento basilar, quer pela interpretação lúcida que nos oferece sobre o atual modelo de desenvolvimento global, quer pelo alerta que nos deixa quanto às consequências desse modelo para a nossa Casa Comum. Para muitas pessoas e movimentos, ligados ou não à Igreja, as palavras do Papa Francisco foram a inspiração necessária para refletir e agir em prol de uma Ecologia Integral.
Um exemplo desta mobilização da sociedade civil é a Rede Cuidar da Casa Comum, uma iniciativa recém criada por organizações, obras e movimentos da Igreja e por cidadãos/ãs a título individual, com a convicção de responder ao apelo da Laudato Si’ e aos desafios da atual crise ecológica.
Conforme explica Manuela Silva, uma das promotoras desta iniciativa, a Rede pretende “acompanhar, no espaço eclesial, as questões ecológicas de âmbito nacional e mundial, evidenciando as suas causas e consequências, de modo a promover a tomada de consciência coletiva acerca da sua relevância e urgência”. Não esquecendo, frisa, ter um papel concreto “na promoção de uma efetiva conversão ecológica nas comunidades cristãs, paróquias, escolas, obras, sugerindo caminhos e práticas de atuação concreta com vista a uma ecologia integral”.
Um conceito fundamental a abordagem correta à ecologia
“A Igreja ao serviço da Ecologia Integral” é o mote com que a Rede se apresenta. A expressão Ecologia Integral é de uso recorrente na Laudato Si’ e resume a “convicção de que não podemos separar os problemas ambientais com que estamos confrontados dos aspetos sociais, económicos, culturais e políticos inerentes à vida de cada pessoa e das sociedades. Tudo está relacionado com tudo”, clarifica Manuela Silva. E acrescenta: “à luz deste conceito, cabe questionar o atual modelo de crescimento económico e a cultura de descarte que lhe está associada, mas também a cultura e a ideia que o ser humano faz de si mesmo como pessoa e da relação que estabelece com a casa comum.
No fundo, trata-se de questionar “o modo como produzimos [com que tecnologias e com que recursos], consumimos [o que comemos, por exemplo, e todos os nossos outros gastos], nos deslocamos, nos informamos, nos relacionamos, como organizamos a vida em comum e o seu correspondente impacto ecológico.”
Para a representante da Fundação Betânia, organização que acabou por impulsionar o surgimento da Rede, “os problemas estão diagnosticados, as suas causas são conhecidas e não faltam propostas para encetar caminhos novos de viabilização de uma relação mais harmoniosa e sustentável com a natureza”. Podemos e devemos questionar, então, o que falta ser feito. “O mais importante: conseguir que o ser humano mude o seu olhar e o seu coração, reconhecendo profundamente a sua responsabilidade pelo cuidado devido à casa comum.”
A Ecologia Integral e a Justiça
É um novo paradigma de justiça a que nos convida a Laudato Si’. De acordo com Teresa Paiva Couceiro, diretora da FGS – Fundação Gonçalo da Silveira, organização jesuíta a trabalhar na área da Transformação e Justiça Social, a Ecologia Integral “é a chave para a construção de uma resposta à transformação da sociedade tornando-a cada vez mais justa, mais solidária e mais sustentável”. Defende, por isso, a necessidade de “olhar à nossa volta e identificar as urgências de um mundo que está ferido e que precisa de uma reconciliação com a natureza, com o ser humano, com a Criação. Lemos o ‘Princípio e Fundamento’, com que se iniciam os Exercícios Espirituais, e já ali Santo Inácio fala do cuidado que devemos ter com o meio ambiente e com os outros”.
A FGS representa os Jesuítas portugueses e a sua ligação ao tema é inevitável, explica a diretora desta ONGD fundada em 2004: “a FGS tem promovido iniciativas que ligam a Ecologia com a Educação para a Cidadania Global possibilitando, assim, respostas concretas às urgências e desafios do nosso tempo. Um bom exemplo é o projeto ‘Ca(u)sa Comum’” – semelhante ao nome da própria Rede – “através do qual procuramos mobilizar educadores/as, alunos/as e organizações da sociedade civil, para olhar o mundo como uma causa e uma casa comum, que a todos diz respeito, evidenciando que as questões ecológicas estão também na origem de situações de pobreza e injustiça a nível global”.
Defensora do diálogo e do trabalho colaborativo ao nível das organizações, reconhece nesta Rede a vontade real de mobilização em prol de uma “mudança sistémica, que envolva todos e todas” e que acaba por “contribuir para reforçar a missão da FGS”. Por outro lado, considera que também a Rede pode ganhar com a visão e experiência trazidas pela FGS: “o tema é familiar aos jesuítas, que identificam a necessidade de uma mudança e transformação a partir de dentro e a urgência de relações justas com a Criação. A FGS tem promovido estes temas através do trabalho que realiza no mundo da Educação e das escolas e é isto que leva para a Rede, a promoção da mudança através do universo da educação formal”.
Promover focos de conversão ecológica
Tal como a FGS, outras organizações e pessoas estão já a contribuir para as atividades previstas no âmbito da Rede. Além de sessões de esclarecimento e sensibilização, destaca-se a criação de focos de conversão ecológica, “pequenos grupos locais empenhados na promoção de uma ecologia integral no seio das suas comunidades, paróquias, escolas” que serão pontos de diálogo sobre o tema “e aos quais a Rede proporcionará instrumentos de reflexão e guiões”, detalha Manuela Silva. Em resposta ao que é esta conversão ecológica, acrescenta que se trata de “um processo de aprendizagem e aquisição da consciência de uma origem comum, de uma nova e indispensável aliança entre a Humanidade e o ambiente, de mudança de estilos de vida a nível pessoal e coletivo”.
A Rede Cuidar da Casa Comum soma já cerca de 30 organizações, entre as quais a Cáritas Portuguesa, o Corpo Nacional de Escutas e a Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável. Assume-se como movimento de essência cristã, mas aberto à participação ecuménica. “Não podemos esquecer que a Igreja em Portugal tem uma vasta capilaridade: chega aos lugares mais remotos, está presente em momentos importantíssimos da vida de cada pessoa e família, tem meios de influenciar o pensamento e os comportamentos dos/as crentes. Por outro lado, à semelhança do que vem sucedendo noutros países, a Igreja tem de estar presente na sociedade e participar cada vez mais ativamente nas iniciativas comuns que promovam a Ecologia Integral”, conclui Manuela Silva.
Este indiscutível “mundo ferido” é uma responsabilidade comum. E a solução para enfrentar os dramáticos desafios ecológicos com que a Humanidade contemporânea está hoje confrontada, é apelar para que cada um e cada uma e para que cada organização faça uma mudança nos seus estilos de vida. É este o desafio deixado pela Rede: com verdadeiro sentido de urgência cuidemos, todos e todas, da nossa Casa Comum.
Texto editado por Rita Caetano