Congresso quer “convocar saberes para gerar cultura mais humana”

O P. Manuel Antunes, sj, considerado um pedagogo da democracia, é uma figura marcante da cultura portuguesa do século XX. Teve um papel especial na transição para a democracia pois, pela amizade e pela escrita, estabeleceu diversas pontes.

Faz no sábado 100 anos que nasceu o P. Manuel Antunes, sj. Originário de uma família humilde que se dedicava à agricultura, entrou no noviciado da Companhia de Jesus com 18 anos. A sua formação como jesuíta permitiu-lhe desenvolver um enorme gosto pela Cultura Clássica e viria a ser um importante professor desta área, na Faculdade de Letras de Lisboa, onde marcou várias gerações.

Foram muitos os que ficaram tocados pela sua sabedoria e alguns até descobriram nas suas aulas a sua vocação artística. É o caso de Maria do Céu Guerra que, como lembrou ao Ponto SJ, José Eduardo Franco, responsável pela organização do Congresso Internacional que assinala o centenário do nascimento do P. Manuel Antunes, “descobriu o gosto pelo teatro nas aulas de Cultura Clássica do P. Manuel Antunes.”

A presença deste sacerdote jesuíta na Faculdade de Letras, bem como o seu trabalho como Diretor da Revista Brotéria, abriram-lhe a possibilidade de contactar com figuras distintas da cultura e da política e, apesar do seu estilo discreto, assumir um relevante papel na sociedade e cultura portuguesa. Sendo possuidor de uma enorme cultura, “sabia pôr-se na cabeça do outro, compreender a sua cultura, para depois entabular um diálogo ao seu nível”, explica Eduardo Franco, acrescentando: “só através do respeito profundo pela perspectiva do outro é possível estabelecer diálogo com uma pessoa que, à partida, não seria possível conversar.” E por isso, Manuel Antunes foi capaz de dialogar verdadeiramente com marxistas, trotskistas e outras pessoas dos mais diversos quadrantes políticos. Estas pontes eram estabelecidas “sem renunciar às convicções” acrescenta, o docente da Faculdade de letras de Lisboa e da Universidade Aberta e organizador do congresso.

José Eduardo Franco diz que é possível considerar o P. Manuel Antunes como uma dessas figuras “inspiradoras que, pela forma como olharam o mundo e as grandes questões do homem, nunca se desactualizam. Tal como o P. António Vieira”. Daí a importância de organizar um congresso que, inspirado em Manuel Antunes, nos “ajude a olhar para os desafios da atualidade”.

 

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Cartaz do Congresso Internacional que decorre de 2 a 6 de novembro

 

Congresso decorre de 2 a 6 de novembro em diversos locais

O Congresso internacional de homenagem a este ilustre jesuíta terá por tema: “Repensar Portugal, a Europa e a Globalização: 100 Anos Padre Manuel Antunes”, e decorrerá de 2 e 6 de novembro. O encontro acontecerá em distintos lugares, estando a sessão de abertura marcada para as 14h00 de sexta-feira, na Sala do Senado da Assembleia da República, sendo presidida pelo Presidente da Assembleia da República. A conferência de abertura terá lugar no mesmo espaço e será proferida por Edgar Morin, da Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3, que se debruçará sobre o tema “Pensamento global”.

As sessões dos dia 3 e 4 de novembro terão lugar na Sertã, na Câmara Municipal. Dias 5 e 6 o Congresso regressa a Lisboa, tendo como palco a Fundação Calouste Gulbenkian, sendo encerrado por uma intervenção do Presidente da República.

De acordo com a organização, o congresso pretende “evocar e destacar a vida e a obra deste intérprete dos grandes temas da contemporaneidade, sempre em diálogo com a cultura clássica, revelando a atualidade do pensamento antunesiano para os debates fundamentais dos nossos dias.”

De entre os vários intervenientes destacam-se Edgar Morin, Jean-Gabriel Ganascia, Pierre Antoine Fabre, Adriano Moreira, Edite Estrela, Eduardo Lourenço, José Pacheco Pereira, José Pedro Serra e Lídia Jorge. Vários jesuítas, entre os quais o P. António Júlio Trigueiros, sj, diretor da Brotéria, apresentarão diversas comunicações. Juntamente com outros oradores, abordarão temáticas diversas que irão desde a Literatura Portuguesa e estrangeira até à Inteligência artificial e a Robótica, passando pela Política e Educação.

Este congresso é uma iniciativa da Câmara Municipal da Sertã e da Fundação Calouste Gulbenkian, em pareceria com diversas instituições.

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José Eduardo Franco - Presidente da Comissão Organizadora

Três perguntas a José Eduardo Franco – Presidente da Comissão Organizadora 

O Congresso contraria um pouco a tentação do pragmatismo universitário que hoje vivemos?

Sim. É esse o nosso desejo. Temos uma pequena universidade no congresso que tratará das questões importantes para os homens e mulheres do nosso tempo. Falaremos de cultura clássica, de religião, mas também de inteligência artificial. Como seguindo Terêncio dizia o PMA “Nada do que é humanos nos é estranho” o que foi também a preocupação do Concílio Vaticano II. Este congresso chama todos os saberes, gerando um diálogo que seja capaz de gerar uma cultura mais humana. O Padre Manuel Antunes desejava uma humanização da cultura, da ciência, da técnica. É também esse o nosso repto. Isto implica uma cultura em que haja diálogo, mas não uma amálgama, antes escolhas inspiradas por valores.

Como é que o pensamento de Manuel Antunes nos pode inspirar hoje? 

Ele acreditava que a sociedade industrial tinha dado origem a um homem sujeito a horários, ao valor da produção, que tinha feito do homem trabalhador um produtor. Tudo é contado em tempo e resultados e tudo isto ligado às dinâmicas do consumismo. Tudo isto dá origem a um homem mecânico e ciclópico, com ambição desmedida e necessidade de sugar a natureza, e a desequilibrar as relações sociais, colocando em causa a própria humanidade. Há no seu pensamento uma antecipação de algumas das grandes questões ecológicas. A este homem, o antigo diretor da Brotéria opõe o homem misericórdia, baseado no cristianismo, e em diálogo com as outras religiões, com a ideia de compaixão. Só este homem poderá ser fundador de uma humanidade transfigurada. Só a Misericórdia dará ternura e sensibilidade ao homem máquina, um homem de acolhimento e diálogo mais preocupado em procurar a verdadeira felicidade do que em viver movido por uma ambição egocêntrica que destrói o ser humano e a natureza. O P. Manuel Antunes estabelece uma utopia da Misericórdia como possibilidade de transfigurar a humanidade.

Quais são os grandes desafios da humanidade a que este congresso pode ajudar a responder?

No plano religioso, a necessidade da Igreja atualizar a linguagem, apresentando-se com rosto jovem e estando presente no mundo da cultura e fazendo-se respeitar nessa área. Tornando-se audível para pessoas inesperadas, tal como o era o Padre Manuel Antunes.

No plano da educação, com novas tecnologias, inteligência artificial, robótica, redes sociais a nossa juventude está fustigada por informação. É preciso ter novos métodos, mas sem esquecer a necessidade do homem-misericórdia, capaz de olhar o mundo em profundidade, entusiasmando os jovens pelo saber. No plano político temos o desafio do populismo, pelo que é necessário repensar o papel do político na sociedade.

E, finalmente, o desafio da robótica e da Inteligência Artificial, que pode gerar uma nova forma de homem. Que ética queremos para esta fase da nova humanidade? Esta é uma questão fundamental para o pensamento e, em específico, para um pensamento de matriz cristã. O perigo da desumanização nunca foi tão grande como hoje. E esse é, sem dúvida, um dos grandes desafios deste congresso.

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