Mais de 400 pessoas encheram o auditório do Colégio São João de Brito, em Lisboa, para escutar Austen Ivereigh, biógrafo do Papa Francisco. A conferência, com o tema Chamados à conversão numa mudança de época: o legado do Papa Francisco e o futuro da Igreja, foi um verdadeiro exercício de reflexão a que nos convida Austen, não só como biógrafo do Papa, mas como um verdadeiro intérprete espiritual da sua visão.
O encontro foi promovido pelo Ponto SJ e pela Paulinas Editora, por ocasião do lançamento da edição portuguesa do seu mais recente livro: Em primeiro lugar, pertencer a Deus: Exercícios Espirituais com o Papa Francisco.

“Não se trata de um exercício de introspeção devocional, mas de uma travessia”, explicou Ivereigh, sublinhando que este caminho espiritual está enraizado nas mesmas convicções que sustentam o pontificado: a misericórdia, o discernimento, a escuta, a atenção aos pobres e o cuidado da Casa Comum.
Inspirado na pedagogia inaciana dos Exercícios Espirituais, o livro propõe um itinerário espiritual que nos ajuda a renovar uma tripla pertença. “Em primeiro lugar, nossa pertença a Deus em comum e, em segundo lugar, a criação e, em terceiro lugar, as nossas semelhantes. Daí a Evangelii Gaudium, que nos mostra como nos devemos relacionar com Deus e uns com os outros.”
Ao longo da sua intervenção, Austen traçou também um balanço do atual pontificado, destacando a forma como Francisco tem conduzido a Igreja numa nova etapa missionária. Recordou as 47 viagens apostólicas do Papa, muitas delas a países fora do centro da Europa, como a visita à Mongólia, em 2023, para encontrar apenas 23 mil católicos numa nação com 35 milhões de habitantes. “Deus ama a pequenez e gosta de realizar grandes coisas a partir da pequenez”, afirmou Ivereigh, concluindo: “O Papa foi à Mongólia para nos mostrar, aqui na Europa, como viver nesta nova era apostólica”.

Neste contexto, a sinodalidade surge como o caminho proposto por Francisco para esta nova etapa. “Num mundo cada vez mais dividido e polarizado, criámos, na sinodalidade, uma escola de comunhão”, referiu, sublinhando que este processo tem permitido envolver os fiéis e formar uma nova mentalidade eclesial, mais paciente, mais aberta ao discernimento coletivo. “É um instrumento que permite ao Espírito Santo ser o verdadeiro protagonista da Igreja”, concluiu. Para Ivereigh, a sinodalidade não é apenas um processo, mas um modo de ser Igreja: “Não há como ficar de fora deste caminho. Quem quer que venha a ser o próximo Papa continuará a liderar esta conversão sinodal. Mas, enquanto temos Francisco, aprendemos também da sua própria paciência e fragilidade. Ele tem ainda muito a ensinar-nos.”
A conferência contou ainda com as intervenções de Rita Carvalho, diretora do Ponto SJ, do P. Miguel Almeida, SJ, provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, e da Irmã Maria Antonieta, provincial das Irmãs Paulinas, que expressaram gratidão pela presença de Ivereigh e pelo contributo que o seu pensamento oferece à renovação espiritual da Igreja.
O encontro terminou com o testemunho de Paulo Ramos, tradutor do livro em português, que deixou ao público uma imagem marcante: “O que é a leitura senão um exercício de tradução interior? As pessoas que levam Deus a sério nem sempre são as mais adequadas, mas aquelas que se colocam na condição de experimentar os limites da própria vida. A atitude mais verdadeira na vida espiritual é confiar.”